Por Rodrigo de Souza
Mais do que qualquer outra experiência, perder alguém a quem se ama retira-nos o prazer pela apreciação da vida e exige que, devagar, façamos um desligamento do objeto amado em direção à novas experiências.
Freud, em 1913, num dia ensolarado, realizou uma caminhada através de campos floridos na companhia de um jovem amigo poeta e de um amigo taciturno. O poeta mostrava-se entristecido com o fato de que toda a beleza da natureza estava fadada ao fim, assim que o inverno chegasse. Sofria por antecipação, impedindo-se de extrair da beleza das flores alguma alegria que pudesse colorir a sua alma.
A natureza é eterna, diz Freud, se comparada à durabilidade de nossas vidas. Ela morre e, no ano seguinte, se renova. No entanto, a tristeza do poeta pode ser reflexo da exigência de imortalidade que advém de nossos mais secretos desejos. A morte da flor o desperta para a realidade da morte de si, bem como para a morte do que lhe é caro na vida: seja um amor, um ideal ou quaisquer outras abstrações.
Freud defendeu a tese segundo a qual a certeza de que uma flor pode viver apenas uma noite implica um aumento de seu valor, não o contrário, como rezava a tristeza do poeta; ou seja, quando sabemos que estamos prestes a perder algo ou alguém, tendemos a lhes dedicar mais amor, carinho e atenção. A emergência do tempo nos desperta para uma sensibilidade adormecida pela fantasia de eternidade, fato que a expressão “só valoriza, quando perde”, confirma.
Nenhuma argumentação defendida por Freud conseguiu reverter o ponto de vista do amigo, — levando-o a deduzir a existência de algum fator emocional dominante em ação ofuscando-lhe o entendimento. O poeta estava recolhido num processo de luto antecipatório. Lamentava-se da perda de algo do qual ainda não havia perdido.
O luto pode ser pensado como uma espécie de rebelião psíquica que nos retira o prazer da apreciação da beleza da vida. A natureza do luto requer um trabalho de desligamento lento e gradual da energia amorosa investida no objeto perdido, — não sem consequências dolorosas, já que a energia resiste em se desapegar de posições prazerosas antes conhecidas. Trata-se de uma perda de satisfação em relação ao objeto de prazer perdido.
O luto pode ser pensado como uma espécie de rebelião psíquica que nos retira o prazer da apreciação da beleza da vida.
Sob a forma de acessos intermitentes de aflição, amargura e sofrimento, o trabalho do luto exige que o objeto perdido seja lembrado para que ali, onde há dor, a lembrança possa advir. Resta-nos o amor por alguém ou algo mesmo sem a sua existência física. O amor resiste ao tempo e mantém o objeto perdido vivo em nossas lembranças.
Na ocasião da elaboração do ensaio Sobre a Transitoriedade, Freud estava sob a influência dos efeitos devastadores da Primeira Guerra Mundial, apontando para a necessidade do trabalho de elaboração do luto como consequência dos horrores empreendidos. No entanto, não se deixou abater, destacando, nesse mesmo ensaio, duas reações a partir das quais o psiquismo se põe em movimento: seja para se defender da inevitabilidade do fim da vida pelo viés do luto antecipatório, no caso da reação pessimista ou para se revoltar contra a morte reinventando a vida, na reação otimista.
Fica-nos a questão sobre como cada um lida com a morte, a separação e o luto. Há quem, assim como o poeta, se deixe abater impedindo-se de gozar da fruição da beleza das flores e há aqueles, como Clarice Lispector, escritora existencial, por excelência, que reconfigura a morte sem reduzi-la ao vale das lágrimas e consequentemente aos aspectos negativos, como nos mostra o fragmento de seu romance Água viva: “E se morrer tiver o gosto de comida quando se está com muita fome? E se morrer for um prazer, egoísta prazer?” Lispector vinga-se da morte marcada pelo sentido mórbido da tristeza, não incorrendo ao automatismo da representação negativa que tanto nos impede de pensar, criar e reinventar; satisfazendo, assim, os nossos impulsos de preguiça e de passividade.
Se a realidade da morte é rebelde à cognição e à imaginação, só a ficção pode nos salvar, fazendo de nós inventores de nossas próprias representações acerca da morte e do fim do que é belo. O fim pode ser pensado como um recomeço, assim como postula Freud, e o fato de uma vida, uma relação ou o que quer que seja estarem fadados ao fim, não significa que ali onde o tempo é escasso não haja beleza para ser vivida. A vida é como um vaso, cujo vazio deve ser preenchido com flores.
Rodrigo de Souza é psicólogo, psicanalista.
Nota da Conti outra: Agradecemos ao autor pelo envio do texto e autorização da publicaçã
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