terça-feira, 28 de abril de 2015

Perdemos Simão Martiniano, o Camelõ do Cinema - Luto no Cinema de Pernambuco


Desde janeiro o cineasta vinha apresentando problemas de sa

Foto de Simião, de janeiro deste ano, quando esteve internado no Hospital das Clínicas do Recife / JC Imagem

Foto de Simião, de janeiro deste ano, quando esteve internado no Hospital das Clínicas do Recife

JC Imagem

Passava das 6h da manhã desta segunda-feira (27), quando foi confirmada a morte de Simião Martiniano. Segundo seu registro de nascimento, el

e tinha 82 anos,  mas garantia ter dois a menos. Simião vinha enfrentando um câncer no esôfago e estava internado na Santa Casa de Misericórdia, no Recife. Desde janeiro, quando passou mais de 20 dias internado no Hospital das Clínicas, o cineasta apresentava problemas de saúde. Mas, segundo a família, resistia para se submeter a exames e tratamentos. “Ele é teimoso demais”, reclamou, na época, a filha Soni Moema, em entrevista a Mateus Araújo, repórter do JC




Nascido em União dos Palmares, Alagoas, Simião Martiniano morava na comunidade Socorro, em Jaboatão dos Guararapes, com a esposa e uma neta. Ele chegou a Pernambuco aos 27 anos, e ficou mais conhecido após o documentário biográfico Simião Martiniano, o camelô do cinema, dos cineastas pernambucanos Hilton Lacerda e Clara Angélica.

A obra de Simião é composta por oito longas: O herói trancado (1999); A rede maldita (1991); O vagabundo faixa preta (1992); A mulher e o mandacaru(1994); Traição no Sertão (1996, originalmente filmado em super-8, em 1979);A moça e o rapaz valente (1999); A valise foi trocada (2007); e, o mais recente,O show variado (2010). 

CINEMA
Do camelódromo para o mundo da ficção

Sem nunca haver trabalhado com equipamento profissional, o camelô Simião Martiniano já produziu e dirigiu oito filmes. Enquanto a Fundarpe investe até R$ 230 mil em projetos de audiovisual, ele gasta uma média de R$ 1,5 mil por produção, gravada em VHS.

por ISABELLE FIGUEIRÔA
do JC ONLINE
Fenômeno singular na atual produção audiovisual de Pernambuco, Simião Martiniano, 70 anos, conhecido como o camelô do cinema, já produziu oito filmes, entre curtas e longas-metragens, a maioria rodada de forma artesanal em VHS por falta de dinheiro para filmá-los em película. Do início, há quase três décadas, até hoje ele nunca gravou com equipamento profissional de cinema e nenhum desses filmes, dos quais trabalha como escritor, produtor, diretor e, às vezes, ator, foi lançado em circuito comercial. À margem do sistema, Simião realiza os trabalhos na base do mutirão e exibe suas produções na rua, em colégios, associações ou cinemas municipais.

Exibindo e comercializando suas produções num box que mantém no Camelódromo do Recife, no Centro, o cineasta-camelô lembra que, antes de chegar a projetar um filme no circuito alternativo de cinemas municipais, a apresentação era nas ruas. "No início, a gente alugava os projetores de Super 8 e mostrava o filme em telões na rua mesmo, lá em Jaboatão (dos Guararapes, no Grande Recife)". Os ingressos cobrados, na década de 80, tinham preços irrisórios - equivalentes hoje R$ 0,50 e R$ 1.

"A rede maldita (1979) foi feito em VHS, custou uma média de R$ 1 mil. Se eu tivesse condições de gravar em 35mm ou 16mm, eu era o cineasta mais rico do Brasil. Faltou foi dinheiro para fazer".
Antes de chegar a seus próprios filmes, Simião Martiniano começou fazendo ponta como ator, ainda quando era mestre de obra no início dos anos 60, no Recife. "Um colega do trabalho me convidou para fazer uma ponta no filme Quando o gigante desperta, de Pedro Teófilo. Eu fazia um soldado holandês. Na metade do filme, acabou o dinheiro e a gravação foi interrompida", conta, sorrindo. Na segunda tentativa, outra polêmica: "Terminou a gravação do filme Luciana, a comerciária, de Mozart Cintra, mas a censura não permitiu a exibição". Nesta época, Simião fez um curso de cinema de seis meses com o diretor dos filmes.

Se as experiências como ator começaram frustradas, as de produtor seguiram o mesmo caminho. Simião escreveu e produziu a radionovela Minha vida é um romance (que também se transformou em um cordel), mas o que estava planejado para acontecer em 100 capítulos durou apenas cinco. "Aí se chamou doidice, viu... Eu gravava dentro de casa mesmo", lembra. Simião Martiniano, então, adaptou o roteiro da novela para o seu primeiro filme, Traição no Sertão (1979), que mistura ficção com parte da sua história.

O Funcultura destinou até R$ 230 mil para projetos em audiovisual neste ano, quando a área teve um edital específico dentro do Programa de Fomento à Produção Audiovisual, direcionando R$ 2,1 milhões às produções cinematográficas.

Gravada em Super 8 de uma forma amadora e com vários problemas de edição (como cortes bruscos nas imagens), Traição no Sertão custou o equivalente hoje a R$ 1,5 mil. "Os atores, que são meus amigos, trabalharam de graça e até pagaram para atuar. Os equipamentos também eram deles", diz o aposentado, que vive com um salário mínimo por mês mais cerca de R$ 200 das vendas no Camelódromo.

Mesmo com a precariedade dos filmes e os acabamentos modestos, Simião e toda a equipe que atua junto a ele são devidamente registrados no Conselho Federal de Cinema. Eles formam o Grupo Cineteatro Clênio Wanderley. As fitas do cineasta-camelô, ainda ignoradas pela maior parte do púiblico local, "mistura gêneros estrangeiros e elementos nordestinos com enredos de inspiração autobiográfica e popular", como afirma o radialista André Carlos Heliodoro, estudioso da "obra martiniana".

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