sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

"CUBA É PEDRA ATRAVESSADA NO CAMINHO DE QUEM PRODUZ RIQUEZA A CUSTA DA EXPLORAÇÃO DO TRABALHO"




“Cuba é pedra atravessada no caminho de quem produz riqueza à custa da exploração do trabalho”
A cena de jovens estudantes de medicina vaiando um colega médico, negro e cubano, causou espanto, repulsa e despertou um sentimento de vergonha em muitos outros brasileiros que, conheceram uma faceta xenófoba (para com os vizinhos latino-americanos) e racista de um segmento da sociedade brasileira.
Entrevista de Frei Betto (foto capa), por Rute Pina da AGEMT Agência Mauricio Tragtenberg Jornalismo PUC SP -
O médico que desembarcava no Brasil é um dos quatro mil cubanos que chegam ainda este ano para integrar o Programa Mais Médicos, medida do governo federal que, além de outros investimentos na aérea da saúde, pretende aumentar o número de médicos em regiões afastadas – principalmente no norte e nordeste –, onde há escassez e até mesmo ausência destes  profissionais. Segundo dados do governo, são mais 700 cidades no país sem um único médico para fazer um simples atendimento e diagnóstico.
foto: momento em que o médico é vaiado por médicos brasileiros no desembarque e posteriormente o ato da Presidenta ao sancionar o Programa Mais Médicos, ela pede desculpas à ele em nome do povo brasileiro. http://www.jornalopcao.com.br/posts/ultimas-noticias/ao-sancionar-mp-do-mais-medicos-dilma-pede-desculpas-em-nome-do-pais-a-cubano-vaiado
Além do espírito corporativista demonstrado por parte do Conselho Federal de Medicina, por exemplo, que escreveu notas repudiando o programa, o episódio demonstrou também o total desconhecimento a respeito do sistema de Cuba e explicitou o processo de desinformação da imprensa, que constroi imagens pejorativas do país.
“Cuba é uma pedra atravessada no caminho de quem produz riqueza à custa da exploração do trabalho alheio e ainda repatria o capital das nações periféricas às metropolitanas”. Esta é análise que faz Frei Betto, escritor e frade dominicano, uma das vozes de maior ressonância pela luta da igualdade social na América Latina, em uma entrevista concedida, por e-mail, para a Agemt. Confira:
O episódio dos médicos cubanos parece revelar que, além das dificuldades técnicas, há muita falta de solidariedade e humanismo na formação dos médicos brasileiros. Qual seria a diferença, neste aspecto, para a medicina cubana?
Já dizia o velho Marx que o modo de pensar de uma sociedade tende a ser o da classe que domina essa sociedade. E a mídia é uma importante ferramenta ideológica dessa classe, cujo interesse maior é a acumulação privada do capital. Essa gente, como denunciou a presidente Dilma, tem preconceito a Cuba e, portanto, aos médicos cubanos. Consideram Cuba uma ditadura e os médicos, escravos. São incapazes de se perguntar por que o socialismo persiste em Cuba há mais de 50 anos e por que Cuba possui índices de saúde (segundo a OMS) e IDH melhores que os do Brasil.
Como o sr. analisa a imagem que a grande mídia constrói diariamente de Cuba?
É fruto de uma ideologia que, equivocadamente, considera capitalismo sinônimo de democracia, e socialismo de ditadura. Cuba é uma pedra atravessada no caminho de quem produz riqueza à custa da exploração do trabalho alheio e ainda repatria o capital das nações periféricas às metropolitanas.
O episódio dos médicos cubanos parece revelar que, além das dificuldades técnicas, há muita falta de solidariedade e humanismo na formação dos médicos brasileiros. Qual seria a diferença, neste aspecto, para a medicina cubana?
Nossas escolas de medicina não têm mais aulas de ética nem exigem que os alunos façam estágio junto às populações mais pobres. Formam alunos dentro de uma ótica elitista de quem se diploma para, através da profissão, enriquecer o mais possível. Já em Cuba a medicina é pensada em função da saúde da população, e os médicos são servidores públicos qualificados para este objetivo.  São formados dentro da perspectiva do internacionalismo solidário. Milhares de médicos cubanos foram trabalhar no Haiti após o terremoto? Quantos brasileiros se dispuseram a isso?
Ainda conhecemos pouco dos nossos irmãos latino-americanos. Além dos motivos politico-ideológicos, quais outros fatores concorrem para este desconhecimento da realidade latino-americana por parte dos brasileiros?
O Brasil foi colonizado de costas para a América Latina e de frente para a Europa e os EUA. Nossa integração continental se dá a partir da Revolução Sandinista, em 1979, e também graças à literatura e ao cinema.
Não soa irônico um país que pretende assumir uma espécie de hegemonia política e econômica no continente receber a ajuda de um país tão pequeno e com tantos problemas internos (por causa dos embargos econômicos e outras questões)?
Sim, ao contrário de Cuba jamais concebemos o nosso progresso em função da solidariedade internacional.
O sr. sempre assumiu a postura de embaixador das virtudes e das conquistas sociais do modelo cubano. Sente-se recompensado ao ver a chegada de ajuda técnica e humana de Cuba dentro do nosso território?
Sinto-me grato ao povo cubano e envergonhado como brasileiro. Precisamos repensar urgentemente nosso modelo de educação e a ética de qualificação de nossos profissionais.
O Brasil parece que se assustou com as doses de altruísmo e solidariedade que os médicos cubanos trouxeram na bagagem. Estamos tão carentes desses valores por aqui? O episódio pode servir para estreitar de alguma forma os laços de unidade entre dois países tão importantes da América Latina?
Sem dúvida. Se a árvore se conhece pelos frutos, como diz o Evangelho, nosso povo atendido pelos médicos cubanos saberá avaliar melhor o socialismo e a medicina cubanos


Depoimento de uma brasileira que estuda medicina em Cuba ao Traço Livre



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