sábado, 18 de abril de 2015

VEJAM O QUE ACONTECE QUANDO COMBINAMOS A STREET ART DE JR E OS TEXTOS DE JOILSON KARIRI

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A arte dá voz e traduz realidades que muitas vezes podem parecer sem sentido.
O trabalho de street art que o premiadofotógrafo francês JR vem desenvolvendo pelo mundo nos últimos anos apresenta a colocação de painéis gigantes com fotografias de pessoas que moram em localidades socialmente excluídas. JR torna visível o “invisível” através de verdadeiras galerias de arte a céu aberto: favelas do Rio de Janeiro como as do Morro da Providência, ruínas em Xangai, a periferia de Paris e comunidades de Serra Leona, na África são alguns exemplos de alguns dos lugares onde esse artista humanista dá olhos a quem precisa ser visto e, com esses olhos, mostra ao mundo que há vida e que ela tem uma força maior do que qualquer exclusão.
Já o brasileiro Joilson Kariri é professor, escritor e traz em si a capacidade sublime de dar voz à realidade nacional. Em seu recém lançado livro “A noite do despejo”, descreve a história de uma noite marcante nas vidas dos miseráveis moradores de uma favela fundada por Dado, narrador dos fatos, e Júlio, quando toda a favela se vê ameaçada de despejo por uma ordem judicial.
Não bastasse isso, percorre uma outra noite ainda mais sombria: a noite das almas daquela gente que tivera desabrigados os sonhos já mirrados pela vida.

Abaixo a intersecção de olhares e palavras mostram nosso objetivo de chegar a essência.: do olhar a fala, do impessoal ao pessoal, do invisível ao presente.

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Morro da Providência- Rio de Janeiro
Aqui não se esmorece, senão morre. E morre de jeito ruim, que é um morrer em que se segue respirando. Tenho pra mim que Calixto morreu dessa morte malvada. Ele é agora só um morto que respira, que grunhe dores e só conversa pelos olhares.
“A noite do despejo”- Joilson Kariri
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Na sala, Calixto ainda era um alheado, falando só pelos olhos, que diziam de um querer de morte. A perna aleijada, cheia de arames, repousava esticada por cima de uma almofada velha. Os remédios deixados ali do lado, sobre uma cadeira, serviam para tirar umas dores e dar outras mais doloridas, lá na alma.
“A noite do despejo”- Joilson Kariri
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Paramos diante de um barraco onde duas crianças disputavam um chiclete mastigado. A menina nos olhou com grandes olhos de susto, desistindo da disputa. O menino, um pouco menor, enfiou depressa a borracha suja na boca de dentes falhados. (…)Subimos até o asfalto. Júlio agora guardava para si as queixas da fome depois de ver as crianças disputarem a borracha imunda do chiclete achado.
“A noite do despejo”- Joilson Kariri
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Eu sabia o que ela ia me contar, sabia já do destino que a filha se dera. Priscila se dera para o mundo, pra vida difícil e pros homens famintos de amores pagos, caíra na imundice do mundo pela única brecha que lhe coube passar. 
“A noite do despejo”- Joilson Kariri
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A vida enrola e a morte desenrola, era o que sempre dizia Carminho, esclarecendo que lá na frente uma se emendava com a outra. E quando esse encontro acontece, a morte toma o serviço da vida, mas recusa as cargas e as agruras. Carminho era sabido, mas também enganador.  
“A noite do despejo”- Joilson Kariri
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De repente se ouve um batuque surdo, depois outro, e outros mais. Com os cassetetes os homens da polícia dão nos escudos, numa percussão aterrorizante. O mundo estremece, as pessoas estremecem. Os cães abandonam a vadiagem de capturar moscas nas poças de lama, e correm assustados.
“A noite do despejo”- Joilson Kariri
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Prosseguiu desenrolando o novelo das lembranças, contou de outras vivências dificultosas, de desemprego, doenças e fome, das tentativas desesperadas de se acertarem em outros cantos. E essas coisas ela contava como quem se esvazia, botando pra fora numa ânsia de se livrar logo, mas saía dela e me adentrava pelos ouvidos cansados, e me enchia. 
“A noite do despejo”- Joilson Kariri
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Quase já não se via nenhuma sobra das claridades da tarde. A noite aos poucos chegava para o serviço de escurecer o mundo.
“A noite do despejo”- Joilson Kariri
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Agora a garoa era quase uma chuva, tingindo de branco o escurecido da noite. Eles mandaram cortar a energia da favela. Desci novamente o morro apinhado de casebres, dessa vez por outra viela estreita e lamacenta, me apoiando nos barracos ao mesmo tempo em que tentava em vão me proteger da garoa.
“A noite do despejo”- Joilson Kariri
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Calixto não, esse não sonhava com nada, pois só desejava era morrer, eu acho. Ainda temos nos desmantelos dessa vida um arco-íris lá nos horizontes, que perseguimos sem nunca alcança-lo, mas que corremos atrás como gatos que tentam agarrar uma réstia de luz, mas ele, coitado, não tem é nada, nem o horizonte.
“A noite do despejo”- Joilson Kariri
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Priscila se desgastava no banho, se esfregando, se ensaboando e se esfregando, numa desordem sem sentido, querendo limpar a dignidade maculada. Isso nunca ia dar jeito, tem sujeira do mundo que se dá é na alma da gente, gruda ali como piche derretido, que não se dilui com água e sabão.
“A noite do despejo”- Joilson Kariri
Street Kid, Favela Morro da Providencia, Rio de Janeiro, Brasil
Esse terreno todo aqui é casa de João de barro e vocês é que são os periquitos. Deus fez a terra para todo mundo, cada um com seu pedaço. Mas esse pedaço é de outro filho dele, não é de vocês.
“A noite do despejo”- Joilson Kariri
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Mas ele era só um morto de alma aprisionada num corpo vivo, que males lhes seriam mais danosos? E amanhã então é que estaria mais morto, enfeando as ruas com suas misérias, esperando a vez de mastigar um bocado de comida qualquer, desejando que fosse o último.
“A noite do despejo”- Joilson Kariri
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Street art de JR às margens do Senna, Paris
A mãe se arriou, foi se desmoronando pela parede até encolher-se toda num montinho de gente no chão, as mãos cobrindo o rosto que já fora bonito. Doeu-me aquela música, me doeu muito. O preto aleijado nem me olhava mais, voltara seus olhos mortiços para o fogo da vela.
“A noite do despejo”- Joilson Kariri
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Imagem do projeto “Women are heroes, Sierra Leone
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Mas a atuação do artista francês JR vai muito além da exposição dos painéis gigantes. Seu trabalho tem um fundo humanitário, e seu projeto mais recente, “Women are Heroes” é uma denuncia à situação dramática a que são submetidas as mulheres africanas como mostra o vídeo abaixo.

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