quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

A DIVINA LOUCURA DE ARTHUR BISPO DO ROSÁRIO

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Com Flávio Bauraqui, Irandhir Santos e Maria Flor, “O Senhor do Labirinto”, de Geraldo Motta, lembra a história do artista plástico sergipano
O Senhor do LabirintoGeraldo Motta
Interno da Colônia Juliano Moreira, diagnosticado como esquizofrênico-paranoico, Arthur Bispo do Rosário passava os dias entre os bordados feitos com os fios do uniforme azul do asilo e a reunião de objetos para compor sua arte exasperada. Dizia ser um inventário do mundo para levar a Deus no Dia do Juízo Final. Ganhou o reconhecimento de crítica, museus e bienais. Poucas vezes deixou a cela, vestido com o manto onde inscrevia o nome dos que o ajudaram.
O Senhor do Labirinto, filme de Geraldo Motta em codireção com Gisella Mello previsto para a quinta 11, narra essa trajetória na ficção de maneira menos imaginária e mais realista do rude cotidiano no hospital, sem abrir mão da poesia que as imagens lhe oferecem, reforçadas pela bela fotografia de Kátia Coelho. Um iluminado Flávio Bauraqui interpreta Bispo em todas as fases, a paixão pela médica Rosângela (Maria Flor) e a amizade e apoio do carcereiro Wanderley (Irandhir Santos). Eles envelhecem e a maquiagem pesa na caracterização, mas não prejudica a fruição da dor e beleza de uma existência complexa.

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Bispo do Rosário e sua arte de ‘enlouquecer’ os  signos


Arthur Bispo do Rosário ou Bispo do Rosário (Japaratuba,Sergipe, 14 de maio e 19091 ou, segundo outras fontes, 16 de março de 1911Nota 1 –Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 5 de julho de 19891 ) foi um artista plástico brasileiro.
Considerado louco por alguns e gênio por outros, a sua figura insere-se no debate sobre o pensamento eugênico, opreconceito e os limites entre a insanidade e a arte, no Brasil. A sua história liga-se também à da Colônia Juliano Moreira, instituição criada no Rio de Janeiro, na primeira metade do século XX, destinada a abrigar aqueles classificados como anormais ou indesejáveis (doentes psiquiátricos, alcóolatras e desviantes das mais diversas espécies).
Natural de Japaratuba, no interior do estado de Sergipe – onde nascera em 1909, e para onde jamais retornou – para ingressar, em 1925, na Marinha, Arthur Bispo do Rosário foi negro, pobre e nordestino. Foi boxeador e biscateiro. Entre 1933 e 1937, trabalhou no Departamento de Tração de Bondes, na cidade do Rio de Janeiro. Por fim, como empregado doméstico da família Leone, no bairro carioca do Botafogo2 3 .
Na noite 22 de dezembro de 1938, despertou com alucinações que o conduziram ao patrão, o advogado Humberto Magalhães Leoni, a quem disse que iria se apresentar à Igreja da Candelária. Depois de peregrinar pela rua Primeiro de Março e por várias igrejas do então Distrito Federal, terminou subindo ao Mosteiro de São Bento, onde anunciou a um grupo de monges que era um enviado de Deus, encarregado de julgar os vivos e os mortos. Dois dias depois foi detido e fichado pela polícia como negro, sem documentos e indigente, e conduzido ao Hospício Pedro II (o hospício da Praia Vermelha), primeira instituição oficial desse tipo no país, inaugurada em 1852, onde anos antes havia sido internado o escritor Lima Barreto (1881-1922).4
Um mês após a sua internação, foi transferido para a Colônia Juliano Moreira, localizada no subúrbio de Jacarepaguá, sob o diagnóstico de “esquizofrênico-paranoico”.Aqui recebeu o número de paciente 01662, e permaneceu por mais de 50 anos.5
Em determinado momento, Bispo do Rosário passou a produzir objetos com diversos tipos de materiais oriundos do lixo e da sucata que, após a sua descoberta, seriam classificados como arte vanguardista e comparados à obra de Marcel Duchamp. Entre os temas, destacam-se navios (tema recorrente devido à sua relação com a Marinha na juventude), estandartes, faixas de misses e objetos domésticos6 . A sua obra mais conhecida é o Manto da Apresentação, que Bispo deveria vestir no dia doJuízo Final. Com eles, Bispo pretendia marcar a passagem de Deus na Terra.
Os objetos recolhidos dos restos da sociedade de consumo foram reutilizados como forma de registrar o cotidiano dos indivíduos, preparados com preocupaçõesestéticas, onde se percebem características dos conceitos das vanguardas artísticas e das produções elaboradas a partir de 1960.
Utilizava a palavra como elemento pulsante. Ao recorrer a essa linguagem manipula signos e brinca com a construção de discursos, fragmenta a comunicação em códigos privados.
Inserido em um contexto excludente, Bispo driblava as instituições todo tempo. A instituição manicomial se recusando a receber tratamentos médicos e dela retirando subsídios para elaborar sua obra, e museus, quando sendo marginalizado e excluído, é consagrado como referência da Arte Contemporânea brasileira.

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Bispo do Rosario

Bispo do Rosário e sua arte de ‘enlouquecer’ os signos

Um detalhe chama a atenção no primeiro prontuário médico escrito sobre Arthur Bispo do Rosário. Descrito como “calmo, de olhar vivo”, com “ares de importância” e “fisionomia alegre”, o paciente também podia associar “ideias com extravagância”.
Não parece o diagnóstico de um louco, mas esse documento atestou loucura suficiente para que o artista sergipano, que morreu aos 80, em 1989, ficasse internado primeiro no hospício da Praia Vermelha e mais tarde na Colônia Juliano Moreira, no Rio.
Encontrado agora, esse prontuário, que será publicado pela primeira vez, é a peça-chave de uma extensa pesquisa da psicóloga Flavia Corpas e do crítico de arte Frederico Morais- que acaba de ganhar forma de livro.
Entre outros fatos, “Arte Além da Loucura” dá detalhes sobre o surto que levou Bispo do Rosário a ser trancafiado num hospício e sobre sua vida antes, como lutador de boxe e oficial da Marinha.
São dados que dissolvem uma série de mitos, em um momento de redescoberta da obra de Bispo do Rosário, exaltado como figura central da última Bienal de São Paulo e ocupando agora uma sala na Bienal de Veneza, com seus mantos e estandartes.
“Ele não vivia em estado permanente de delírio, sabia das coisas”, diz Morais, em entrevista à Folha. “Essa ideia meio romântica da loucura não existe. Ele sabia o que estava fazendo o tempo todo e se tornou uma figura poderosa dentro do hospital. Há uma ordem interna muito forte no trabalho dele.”
Mesmo que não falasse sobre o passado, detalhes de sua vida estão documentados nos estandartes que bordou: da infância numa fazenda de cacau na Bahia à ida ao Rio como marinheiro, passando por sua carreira de pugilista.
São avalanches de nomes escritos em ordem alfabética, os mais importantes bordados do lado de dentro de seu “Manto da Apresentação”. Além do nome do pai, Bispo lembrou ali alguns adversários que enfrentou no ringue.
LOBO DO MAR
Não eram histórias inventadas. Jornais da época narravam de forma assídua os embates do lutador que nunca foi nocauteado e ficou conhecido como “lobo do mar”, ou “marujo de bronze”, dotado de “dureza granítica”.
Em 1929, reportagem do “A Manhã” descreveu sua primeira luta profissional como “encarniçada”, afirmando que ela “arrancou aplausos pela violência dos lutadores”.
Mas depois que um bonde esmagou um osso de seu pé, Bispo deixou o ringue e foi trabalhar como empregado doméstico na casa da família Leone, uma das mais ricas e poderosas do Rio na época.
Humberto Leone, um dos herdeiros do clã, conta que Bispo era vaidoso e se vestia “com luxo”, usava gravatas de seda e perfume francês.
Isso até o Natal de 1938, quando teve os três sonhos que o levaram a se apresentar num mosteiro como um enviado divino, que veio à Terra numa esteira de nuvens para impedir que o “espírito malíssimo” aqui chegasse.
Naquele primeiro prontuário, estão descritas suas alucinações, entre elas o sonho de uma “chuva de estrelas”, que “explodiam fazendo barulhos incríveis”, como se imaginasse o próprio destino de brilhar noutro ringue.

A obra do esquizofrênico Arthur Bispo do Rosário tornou-se o modelo da arte brasileira de vanguarda no século 20. A sua arte atrai a atenção de especialistas e amadores das artes desde os anos de 1980.
Graças a Instituições como o Museu de Imagens do Inconsciente e ao trabalho de críticos e curadores, sua obra se tornou uma unanimidade, com direito a representar o Brasil na Bienal de Veneza. Bispo é reconhecido como uma espécie de “reencarnação” de aclamados ícones da modernidade.

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