segunda-feira, 13 de abril de 2015

DOM HELDER CÂMARA: "COMUNISTA" PODE SER O PRIMEIRO SANTO BRASILEIRO

Da Redação, com agências
Cassado pelo ditador Médici, Dom Hélder não para de ganhar reconhecimento e notoriedade
























Cassado pelo ditador Médici, Dom Hélder não para de ganhar reconhecimento e notoriedade


"Quando dou comida aos pobres, me chamam de santo. Quando pergunto por que eles são pobres, chamam-me de comunista."

A célebre frase de Dom Hélder soa perfeita para definir o momento e a situação: um dos brasileiros mais perseguidos e censurados durante a ditadura militar pode se tornar santo, se for confirmado pelo Vaticano algum milagre atribuído a ele.

Conhecido como "Dom da Paz", Hélder Câmara também era o "Arcebispo Vermelho". Com a abertura do processo de beatificação e canonização, ele se junta ao salvadorenho Óscar Romero, outro "comunista" que tem vida e obra analisadas pela cúpula da Igreja Católica.

Pelo menos no cinema, Dom Hélder já chegou lá - conheça, abaixo, o documentário "O Santo Rebelde".

Leia a reportagem e ouça também uma entrevista com o Frei Isidoro Mazzarolo, professor de Teologia da PUC-RJ, sobre o papel marcante de Dom Hélder e a divisão clara que ainda existe na Igreja, entre "elitistas burocratas" e aqueles realmente dispostos a seguir as pegadas de Jesus Cristo e seus legítimos apóstolos.


Centenas de homenagens e premiações internacionais
Centenas de homenagens e premiações internacionais  
O atual arcebispo de Olinda e Recife (PE), Dom Fernando Saburido, assinou nesta quarta-feira (8) o edital que autoriza a abertura oficial do processo relativo a Dom Hélder. O pedido de canonização foi encaminhado ao Vaticano em maio de 2014 e o parecer favorável da Congregação para a Causa dos Santos, enviado pela Santa Sé, chegou à Arquidiocese na segunda (6), dando a Hélder Câmara o título de "Servo de Deus".

Segundo Dom Fernando Saburido, o próximo passo é convocar uma comissão para trabalhar no processo, orientada pelo Frei Jociel Gomes.

"Alguns documentos já estão sendo recolhidos e o resultado tem sido positivo. Já descobrimos documentos inéditos, como um diário de Dom Hélder quando ele era um jovem padre na Arquidiocese de Fortaleza", lembra Gomes, destacando que os documentos serão avaliados por uma comissão teológica.

Segundo a Arquidiocese, a correspondência informa que a Cúria Romana aguarda o posicionamento de alguns dicastérios, departamentos do governo da Igreja Católica. Se o parecer destes órgãos confirmar o "nihil obstat" (nada consta), o processo de beatificação poderá ser efetivamente aberto. Em seguida, uma comissão do Vaticano estudará documentos e testemunhos de pessoas que conheceram o religioso. Para ser considerado santo, é necessário que se comprove ao menos um milagre alcançado por intermédio de Dom Hélder. 




Frei Isidoro Mazzarolo, professor de Teologia na PUC-RJ
Frei Isidoro Mazzarolo, professor de Teologia na 
Frei Isidoro Mazzarolo lembra que há casos em que milagres já foram dispensados, porque a própria trajetória da pessoa, sua luta e seus trabalhos, é cercada de santidade.

- Dom Hélder inspirou muita gente, e continua a ser um exemplo para religiosos mais jovens, aqui no Brasil e em outros países.

Um grande inimigo da ditadura

Por sua defesa intransigente dos menos favorecidos, Dom Hélder Câmara tornou-se um dos alvos preferidos dos governos militares. Perseguido nos Anos de Chumbo por sua atuação social e política, quando denunciou a tortura e defendeu os direitos humanos, foi acusado de comunismo. Após o AI-5, foi-lhe negado qualquer acesso aos meios de comunicação, que tambem poderiam ser punidos se, por sua vez, dessem voz ao religioso.

Muitos anos mais tarde (2002) a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) instituiu o Prêmio Dom Hélder Câmara de Imprensa para premiar profissionais e trabalhos jornalísticos voltados para "a promoção do bem comum, a construção de valores humanos, cristãos e éticos".

Dom Hélder começou a ficar conhecido nacionalmente na década de 50, quando fundou no Rio de Janeiro a Cruzada São Sebastião, com a finalidade de dar moradia decente aos moradores de favelas. Na mesma época, fundou também o Banco da Providência, dedicado a atender pessoas em condições miseráveis.

Foi um grande promotor da renovação da Igreja Católica, com a meta de fortalecer a dimensão do compromisso social, conforme a pregação original do cristianismo.

Quando foi silenciado e "morto" no Brasil, Hélder continuou a denunciar no exterior as atrocidades cometidas aqui, assim como nossa desigualdade. 

Filme Dom Helder Câmara: O Santo Rebelde, dirigido pela documentarista Erika Bauer:


Durante décadas e até o fim da vida defendeu uma Igreja simples, voltada para os pobres, e a não-violência. Por sua atuação, recebeu diversos prêmios nacionais e internacionais. Foi o único brasileiro indicado quatro vezes para o Prêmio Nobel da Paz (1970 a 1973). Publicou 23 livros, 19 deles traduzidos para 16 idiomas. 

Ele também batiza uma das maiores e mais tradicionais avenidas do Rio de Janeiro, a antiga Suburbana, há alguns anos tornada Dom Hélder Câmara.

Frases de Dom Hélder

"Quando dou comida aos pobres, me chamam de santo. Quando pergunto porque eles são pobres, chamam-me de comunista."

"O verdadeiro cristianismo rejeita a ideia de que uns nascem pobres e outros ricos, e que os pobres devem atribuir a sua pobreza à vontade de Deus."

"A maneira de ajudar os outros é provar-lhes que eles são capazes de pensar."

"Ótimo que a tua mão ajude o voo... Mas que ela jamais se atreva a tomar o lugar das asas..."

"Não me dou a penitências. Com todo respeito que me merecem os santos, não sou homem de autoflagelações... Não há penitência melhor do que aquelas que Deus coloca em nosso caminho."


Dom Hélder nasceu no dia 7 de fevereiro de 1909, em Fortaleza, e morreu, vítima de pneumonia, em agosto de 1999, em sua casa, no Recife. Ele chegou ao Rio de Janeiro em 1936, onde ficou por 28 anos. 

O arcebispo de San Salvador (capital de El Salvador), Óscar Romero, teve uma trajetória em muito semelhante à de Dom Hélder. Mas não morreu de morte natural. Foi assassinado por um atirador de elite do Exército salvadorenho quando celebrava uma missa, em março 1980. Sua morte provocou uma onda de protestos em todo o mundo e pressões internacionais por reformas em El Salvador. Em fevereiro de 2015 o Papa Francisco aprovou o decreto de beatificação do arcebispo salvadorenho, reconhecendo-o como mártir. A possível canonização ainda está sendo analisada.

Abaixo, ouça na íntegra a entrevista do Frei Isidoro Mazzarolo. Ele detalha os próximos passos do processo que pode levar Dom Hélder Câmara a se tornar santo. E fala especialmente sobre o papel da Igreja nos dias de hoje. 

Isidoro acredita que com a globalização e com as redes sociais um número cada vez maior de religiosos irá ganhar novas referências, para se manter menos isolado, mais próximo do ideal semeado pelo "Arcebispo Vermelho". Um "comunista" ou "esquerdista" que por sua atuação engajada e constante em prol de um mundo mais justo certamente mereceria um lugar especial ao lado de Quem Criou A Vida:

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