domingo, 31 de maio de 2015

O mito da 'criança boazinha'




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Tenho andado um tanto incomodada com o 'mito da criança boazinha'. Eu explico: entre as conversas - sejam familiares, sejam em grupos de amigos - onde se fala sobre crianças, a coisa mais comum é ouvir gente se referindo a um bebê, ou a uma criança, adjetivando assim: "fulaninho é um bebê muuuito bonzinho!", "fulaninha é uma criança tããão boazinha!!".
Eu vou dizer: bonzinho, boazinha, não são lá adjetivos que me cativem especialmente. O que é, afinal, um bebê bonzinho, uma criança boazinha? Aqueles que não dão trabalho? Aqueles que não choram? Aqueles que aceitam e acatam todas as orientações sem questionar? Aqueles que são obedientes, cordatos, silenciosos e educadinhos?
Minha caçula, Chiara, foi um bebê "bonzinho", de acordo com o senso comum: praticamente não chorava, não estranhava ninguém, ia de colo em colo com um sorriso no rosto, estava sempre disposta e bem humorada. Em que isso a faz melhor do que Ana Luz e Estrela, que nessa fase da vida choravam um tanto, estranhavam desconhecidos e não iam em colos que não fossem os bem conhecidos da rotina diária?
Hoje, aos seis anos, Chiara é uma criança de vontade forte, dura na queda e difícil de dobrar. Questionadora e atrevida, não são poucas as vezes em que nos dá um verdadeiro baile para atender uma solicitação. Em que isso a faz pior do que as irmãs, que na mesma idade tinham um perfil mais dócil, nunca gritavam ou choravam em público e costumavam seguir tranquilamente as orientações dadas?
A resposta para estas duas perguntas é uma só: em nada. Chiara não é melhor nem pior do que Ana Luz e Estrela por agir assim ou assado, assim como nenhuma criança é melhor ou pior do que a outra porque chora menos, obedece mais, come melhor, dorme com mais facilidade, não faz birra ou cumprimenta desconhecidos.
Às vezes, ouço mães e pais adeptos da criação com apego querendo 'comprovar' a eficácia deste estilo de maternagem e paternagem com o argumento: "meu filho foi criado com todo peito e todo colo do mundo, e olha só: é tão bonzinho!!". O argumento tem toda boa intenção do mundo, eu bem sei, mas pode sair pela culatra: e se a criança não fosse, com todo colo, toda presença e todo peito do mundo, uma 'criança boazinha', o attachment seria menos válido então? Para pais que praticaram amamentação exclusiva e prolongada, cama compartilhada, colo e carinho em livre demanda, e têm filhos agitados, ranhetas, resmungões, irritadiços (como aliás, convenhamos: toda criança pode ficar de vez em quando, até a mais 'boazinha', não é mesmo?), seriam então, pela lógica contrária, prova da ineficácia desta forma de criação?
Criar filhos com todo amor, toda paciência, todo respeito e toda presença do mundo, é uma coisa bacana por si só, e certamente trará frutos maravilhosos pela vida afora. Mas não se trata de um meio para atingir a um fim: eu sou adepto da maternidade e paternidade por apego para que meu filho seja assim, ou seja assado. Nossos filhos serão como são, a nós cabe estar presentes, amá-los e acolhê-los da melhor forma possível - e aí é que se encaixam perfeitamente o respeito, o carinho, o diálogo, tudo em livre demanda e sem economia.
Eu não quero filhas 'boazinhas'. Eu quero filhas felizes, vivas, autênticas, livres. Quero filhas que possam ser simpáticas ou antipáticas, bem ou mau humoradas, sorridentes ou ranzinzas, tranquilas ou espevitadas, silenciosas ou bagunceiras. Afinal, eu também tenho meus momentos para ser tudo isso - definitivamente, eu não sou uma 'moça boazinha', eu sou uma mulher inteira e livre, e posso ser tudo o que eu quiser.
E não quero menos que isso para as minhas filhas. E você?

Por que as mentes mais brilhantes precisam de solidão

Entrar em contato consigo traz benefícios. Darwin recusava todos os convites para festas.

 E do isolamento nasceu o primeiro computador Apple






Segundo o professor Robert Lang, da Universidade de Nevada (Las Vegas), especialista em dinâmicas sociais, muitos de nós acabarão vivendo sozinhos em algum momento, porque a cada dia nos casamos mais tarde, a taxa de divórcio aumenta, e as pessoas vivem mais. A prosperidade também incentiva esse estilo de vida, escolhido na maioria dos casos voluntariamente, pelo luxo que representa. A jornalista Maruja Torres, em sua autobiografia, Mujer en Guerra (da editora Planeta España, não publicada em português), já se vangloriava do prazer que lhe dava cair na cama e dormir sozinha, com pernas e braços em X. A isso se soma a comodidade de dispor do sofá, poder trocar de canal sem ter que negociar, improvisar planos sem avisar nem dar explicações, andar pela casa de qualquer jeito, comer a qualquer hora…
Como se fosse pouco, o sociólogo Eric Klinenberg, da Universidade de Nova York, autor do estudo GOING SOLO: The Extraordinary Rise and Surprising Appeal of Living Alone (ficando só: o extraordinário aumento e surpreendente apelo de viver sozinho, em tradução livre), está convencido de que viver só significa, também, desfrutar de relações com mais qualidade, já que a maioria dos solteiros vê claramente que a solidão é muito melhor que se sentir mal-acompanhado. Há até estudos que asseguram que a solidão facilita o desenvolvimento da empatia. Outra socióloga, Erin Cornwell, da Universidade Cornell, em Ítaca (Nova York), concluiu, depois de diversas análises, que pessoas com mais de 35 anos que moram sozinhas têm maior probabilidade de sair com amigos que as que vivem como casais. O mesmo acontece com as pessoas adultas que, embora vivendo sozinhas, têm uma rede social de amizades tão grande ou maior que a das pessoas da mesma idade que vivem acompanhadas. É a conclusão do estudo feito pelo sociólogo Benjamin Cornwell publicado na American Sociological Review.

A base da criatividade e da inovação

As pessoas são seres sociais, mas depois de passar o dia rodeadas de gente, de reunião em reunião, atentas às redes sociais e ao celular, hiperativas e hiperconectadas, a solidão oferece um espaço de repouso capaz de curar. Uma das conclusões mais surpreendentes é que a solidão é fundamental para a criatividade, a inovação e a boa liderança. Estudo realizado em 1994 por Mihaly Csikszentmihalyi (o grande psicólogo da felicidade) comprovou que os adolescentes que não aguentam a solidão são incapazes de desenvolver seu talento criativo.
Susan Cain, autora do livro Quiet: The Power of Introverts in a World That Can’t Stop Talking (silêncio: o poder dos introvertidos num mundo que não consegue parar de falar), cuja conferência na plataforma de ideias TED Talks é uma das favoritas de Bill Gates, defende ao extremo a riqueza criativa que surge da solidão e pede, pelo bem de todos, que se pratique a introversão. “Sempre me disseram que eu deveria ser mais aberta, embora eu sentisse que ser introvertida não era algo ruim. Durante anos fui a bares lotados, muitos introvertidos fazem isso, o que representa uma perda de criatividade e de liderança que nossa sociedade não pode se permitir. Temos a crença de que toda criatividade e produtividade vem de um lugar particularmente sociável. Só que a solidão é o ingrediente essencial da criatividade. Darwin fazia longas caminhadas pelo bosque e recusava enfaticamente convites para festas. Steve Wozniak inventou o primeiro computador Apple sentado sozinho em um cubículo na Hewlett Packard, onde então trabalhava. Solidão é importante. Para algumas pessoas, inclusive, é o ar que respiram.”
Cain lembra que quando estão rodeadas de gente, as pessoas se limitam a seguir as crenças dos outros, para não romper a dinâmica do grupo. A solidão, por sua vez, significa se abrir ao pensamento próprio e original. Reclama que as sociedades ocidentais privilegiam a pessoa ativa à contemplativa. E pede: “Parem a loucura do trabalho constante em equipe. Vão ao deserto para ter suas próprias revelações”.

A conquista da liberdade

“Só quando estou sozinha me sinto totalmente livre. Reencontro-me comigo mesma e isso é agradável e reparador. É certo que, por inércia, quanto menos só se está, mais difícil é ficá-lo. Mesmo assim, em uma sociedade que obriga a ser enormemente dependente do que é externo, os espaços de solidão representam a única possibilidade se fazer contato novamente consigo. É um movimento de contração necessário para recuperar o equilíbrio”, diz Mireia Darder, autora do livro Nascidas para o Prazer (Ed. Rigden, não publicado em português).

Também o grande filósofo do momento, Byung-Chul Han, autor de A Sociedade do Cansaço (Ed. Relogio D’Agua, de Portugal), defende a necessidade de recuperar nossa capacidade contemplativa para compensar nossa hiperatividade destrutiva. Segundo esse autor, somente tolerando o tédio e o vácuo seremos capazes de desenvolver algo novo e de nos desintoxicarmos de um mundo cheio de estímulos e de sobrecarga informativa. Byung-Chul Han preza as palavras de Catão: “Esquecemos que ninguém está mais ativo do que quando não faz nada, nunca está menos sozinho do que quando está consigo mesmo”.

Autoconsciência e análise interior

“Para mim a solidão representa a oportunidade de revisar nosso gerenciamento, de projetar o futuro e avaliar a qualidade dos vínculos que construímos. É um espaço para executar uma auditoria existencial e perguntar o que é essencial para nós, além das exigências do ambiente social”, diz o filósofo Francesc Torralba, autor de A Arte de Ficar Só (Ed. Milenio) e diretor da cátedra Ethos da Universidade Ramon Llull. Na solidão deixamos esse espaço em branco para ouvir sem interferências o que sentimos e precisamos. “A solidão nos dá medo porque com ela caem todas as máscaras. Vivemos sempre mantendo as aparências, em busca de reconhecimento, mas raramente tiramos tempo para olhar para dentro”, diz Torralba.

As 5 chaves para desfrutar da solidão

1. Você é sua melhor companhia. A premissa básica é mudar a crença de que quem está acompanhado está melhor.
2. Uma oportunidade para nos conhecermos melhor e descobrir nosso rico mundo interior.
3. Em vez de se torturar, é preciso aproveitar a solidão para ler, pintar ou praticar esporte.
4. Escrever um diário. Ajuda a expressar sentimentos e a contemplar-se com mais conhecimento e carinho.
5. Como indica o psicólogo Javier Urra, com a solidão recuperamos “o gosto pelo silêncio e pelo domínio do tempo”.
Na verdade, a solidão desperta o medo porque costuma ser associada ao vazio e à tristeza, especialmente quando é postergada longamente por uma atividade frenética e anestesiante. Para Mireia Darder, é bom enfrentar esse momento tendo em mente que a tristeza resulta simplesmente do fato de se soltar depois de tanta tensão e de ter feito um esforço enorme para aparentar força e suportar a pressão frente aos que nos cercam. “Não se pode esquecer que para ser realmente independente é preciso aprender a passar pela solidão. O amor não é o contrário da solidão, e sim a solidão compartilhada”, diz Darder.
Em nossa sociedade, a inatividade —que surge com frequência da solidão— é temida e desperta a culpa. Fomos preparados para a ação e para fazer muitas coisas ao mesmo tempo, mas é quando estamos sozinhos que podemos refletir sobre o que fazemos e como o fazemos. O escritor Irvin Yalom, titular de Psiquiatria na Universidade de Stanford, confessava que desde que tinha consciência se sentia “assustado pelos espaços vazios” de seu eu interior. “E minha solidão não tem nada a ver com a presença ou ausência de outras pessoas. De fato detesto os que me privam da solidão e além disso não me fazem companhia.” Algo que, segundo Francesc Torralba, é muito frequente: “Embora estejamos cercados de gente e de formas de comunicação, há um alto grau de isolamento. Não existe sensação pior de solidão que aquela que se experimenta ao estar em casal ou com gente”.

DANILO MIRANDA | DIRETOR DO SESC-SP » O ‘outro’ Ministro da Cultura

Danilo Miranda, do Sesc-SP, lidera um ministério cultural com 1,6 bilhões de reais ao ano




O filósofo, sociólogo e ex-seminarista Danilo Miranda. / FERNANDA PROCÓPIO


Cariocas gostam de dizer que praia de paulista é shopping, mas quem faz essa afirmação na verdade desconhece o Serviço Social do Comércio de São Paulo. Com uma vasta e variada programação cultural combinada a atividades físicas e socioeducativas, aos fins de semana o Sesc-SP é capaz de deixar Copacabana e Ipanema no chinelo, se o quesito for público entretido com exposições, shows, peças de teatro, exibição de filmes, oficinas, programas de leitura e de esporte e atividades especiais para crianças e a terceira idade. Nos meses de verão, inclusive, não é raro ver as pessoas em trajes de banho em praias urbanas organizadas nos espaços do Sesc, que em geral primam pela bela arquitetura e pela acessibilidade. Todos felizes, apesar do concreto.
O homem por trás dessas praias é o mesmo há 30 anos. Chama-se Danilo Miranda, é filósofo, sociólogo e ex-seminarista, e assumiu o papel de diretor do Sesc-SP com a missão de levar adiante uma perspectiva ampla de cultura, que liga o mundo das artes e do espetáculo à memória, à convivência e à aprendizagem. Vem cumprindo a missão com louvor e lançando mão, em meio à sua ampla bagagem cultural, de uma visão espiritualizada da vida, resultado não só do passado de seminarista, mas da mistura disso com a juventude na militância política e com a naturalidade de quem olha as pessoas nos olhos e as vê. “Tenho uma visão e umtreinamento, digamos assim, muito ligados à aplicação do conhecimento para a construção de uma sociedade nova”, diz.
Pelo trabalho que realiza junto às 36 unidades do Sesc no Estado, com 6.800 funcionários, e inclusive pelo orçamento de 1,6 bilhões de reais anuais que administra – superior, se descontados os recursos de lei de incentivo, aos recursos do MinC –, Danilo é considerado por muitos um “ministro informal da Cultura”. O comentário lhe soa elogioso, mas ao mesmo tempo desperta sua preocupação “pelo que está faltando no quadro”. “Não somos modelo único, mas o fato de uma instituição como a nossa ressaltar nesse sentido significa que o lado público não está funcionando bem”, analisa.
Pergunta. Você é informalmente considerado nosso ministro da Cultura. O que acha disso?
Resposta. Quero crer, ao escutar isso, que as pessoas reconhecem um trabalho e isso me engrandece. É interessante ver no trabalho realizado na instituição que administro uma ação de interesse público, que tem compromissos com ética e com a construção de uma sociedade. Esse é o lado luminoso. Por outro lado, me assusta um pouco, porque alguma coisa está faltando nesse quadro. Há uma lamentação pelas coisas não funcionarem como deveriam. Não quero dizer que somos modelo único, mas o fato de uma instituição como a nossa ressaltar nesse sentido significa que algum outro lado não está funcionando bem. Acho que a cultura é vista do ponto de vista público, em todos os níveis, como algo não importante, não muito significativo ou vital. Mas para mim é o que há de mais importante. Se fosse de fato assim, seríamos capazes de mudar a cara do país, de toda a sociedade.
Sesc Jundiaí, inaugurado em abril.
P. No país, São Paulo é das cidades com maior oferta cultural, e mesmo assim filas intermináveis comprovam que há uma demanda cultural reprimida. Você concorda?
R. Sim, em parte é isso. Hoje temos acesso à informação, e isso gera desejo e curiosidade na população. Veja o Ron Mueck. Quem viaja para o exterior, tem a oportunidade de acesso a ele aqui ou lá. Mas, quando ele chega a São Paulo, claro que vai despertar interesse e gerar um boca-a-boca enorme, que gera filas de horas. Ele e outros. Esses artistas estão aqui, de forma organizada, à disposição do público, muitas vezes com entrada gratuita. Tudo ganha uma dimensão especial, porque somos carentes desse tipo de oportunidade. Até mesmo com nossos próprios artistas, que estão mais perto. Na realidade, falta repertório. Crescemos e não somos preparados culturalmente, nem sempre levamos a arte em conta, não colocamos isso no centro das nossas vidas. O processo teria que ser de educação permanente, com a Cultura em um lugar central.
O processo teria que ser de educação permanente, com a Cultura em um lugar central"
P. A missão do Sesc, mais do que trazer grandes nomes, parece ser priorizar a identidade cultural nacional e outras mais periféricas.
R. Preferimos considerar que o mundo da Cultura é muito variado e múltiplo. Por isso, tem que valorizar o local. Dar força para que os criadores iniciantes, os que estão tentando produzir, tenham espaço como apreciadores e criadores. Porém, o mundo da Cultura não pode ser circunscrito a um território, porque ele fica pobre e enferrujado. Não funciona assim. Ele tem que ter respiros, diálogos e conexões com tudo o que acontece à sua volta, para conhecer. E o conhecimento gera influências múltiplas. Esse intercâmbio é absolutamente vital. Acreditar que só o nacional tem valor é uma visão pobre. Só o que vem de fora para dentro, também. A troca é indispensável sempre. Na nossa programação, tentamos equilibrar tudo isso nas nossas várias unidades. Para nós, a variedade de ações é muito importante.
P. Como você acha que cuidamos da nossa identidade cultural no país?
A Semana de 22 é o fato cultural mais importante do nosso país. É a independência do Brasil do ponto de vista da arte, da cultura, do pensamento"
Este é um ano de Mario de Andrade, que sempre foi uma presença luminosa nesse sentido. Considero-o um dos maiores intelectuais e forjadores da nossa identidade, um colaborador no sentido de nos conhecermos melhor. Pela criação dele e pelas atitudes assumidas em sua vida. Uma das coisas que mais me encanta no Mario é seu caráter de gestor. Foi ele quem criou um departamento de Cultura na administração pública de São Paulo pela primeira vez. Ele começou nos anos 30 a gerar um jeito de entender essa iniciação da criança e do jovem no mundo da cultura e da vida – que são uma coisa só. Chegou a desenhar um espaço, uma planta de um centro infantil de iniciação à vida, cultura, atividade física, alimentação – tudo ali, como no Sesc. Eram sesquinhos! Teve uma presença luminar como pessoa e, como modernista, ele revolucionou a cultura brasileira. A Semana de 22 é o fato cultural mais importante do nosso país. É a independência do Brasil do ponto de vista da arte, da cultura, do pensamento. E ele está realmente sendo colocado no lugar que devia.
P. Essa visão de Mario de Andrade gera polêmicas até hoje. Tem que ache que o Sesc é “muito” para o trabalhador. Muito luxuoso, elitista...
R. Para mim, um dos princípios do Sesc em todos os campos é qualidade. Fazer o melhor, buscar a excelência em tudo. Lembro quando inauguramos a unidade de Itaquera, a propaganda – que era verdadeira – dizia o seguinte: “Olha, vocês aí da zona Sul de São Paulo, não pensem que o clube mais completo da cidade é o Paulistano. O mais bem feito e completo é o Itaquera”. Há quem diga que é possível fazer uma coisa “meia boca”, mas achamos que não – dentro, naturalmente, do que é possível. Não vou fazer tudo de ouro e mármore, porque não é o caso. Mas tem que ter qualidade para durar mais. E outro aspecto é a acessibilidade universal, a democratização. São os dois princípios que nos orientam. “Ah, isso é muito fino, não precisa...”. Precisa, sim. Precisa atrair. Vou fazer algo que não atraia ninguém? O prazer faz parte da vida, é uma busca indispensável. Basta fazer isso de maneira cuidadosa, procurando o melhor possível sempre.
P. A lei da terceirização impacta o Sesc de alguma maneira?
R. No sentido da nossa arrecadação, não. As empresas terceirizadas continuarão contribuindo com o Sesc e contratando o trabalhador – que vão trabalhar em outro lugar, mas vão ter que ser contratados. A outra coisa que impacta, e aí é uma visão pessoal, política, é que se você estabelece entre a mão de obra e as empresas um grupo de intermediários, esses intermediários têm que ser remunerados também. Conclusão: esse dinheiro vai sair de cima ou de baixo.Alguém vai ser prejudicado, e, normalmente, quem é prejudicado não está em cima, está embaixo. Esse negócio de terceirização, pra mim, é uma maneira de reduzir salário de trabalhador.
[Ser ministro] simplesmente para ter mais um cargo para colocar no meu currículo? Desculpe, não tenho o menor interesse"
P. Você nunca foi convidado de fato para ser Ministro, mas se fosse aceitaria?
R. Já fui convidado para cargos públicos e, nessas ocasiões, não aceitei, porque não havia condições pessoais e institucionais para que isso acontecesse. Se houvesse um convite, eu examinaria o todo. Mas o fato é que aqui, onde estou, fazendo o que faço, a cultura, com a valorização socioeducativa, tem uma centralidade imensa. Porque as condições são favoráveis. Trocar isso por outra coisa, mesmo que seja num plano maior, teria que ter uma justificativa muito sólida. Não é tão simples. Claro, prestar serviço à sociedade é sempre algo absolutamente meritório, vital. Mas precisaria ter condições para que isso acontecesse mesmo, né? Simplesmente para ter mais um cargo para colocar no meu currículo? Desculpe, não tenho o menor interesse.

Relatos de cativos no Brasil em 1ª pessoa revelam de forma pungente seu sofrimento .

Histórias chegaram a virar enredos nos Estados Unidos

POR 




RIO - É o fim do século XVIII. Cansados dos maus tratos recebidos na Fazenda Santana, eminente engenho de açúcar em Ilhéus, na Bahia, centenas de escravos liderados por Gregório Luís resolvem fugir mata adentro. A poucos quilômetros dali, os rebelados formam um quilombo, onde permanecem por dois anos.

Mas a liberdade dura pouco. Capitães-do-mato de Manoel da Silva Ferreira cercam o local e exigem a rendição incondicional. Era 1789 e, no momento em que, do outro lado do Atlântico, a França se encaminhava para a Revolução, os cativos rascunham na colônia portuguesa um tratado de paz que alguns historiadores consideram um verdadeiro documento de direitos humanos a favor de melhores condições de trabalho. Eis algumas das exigências:


“Meu Senhor, queremos paz e não queremos guerra; se meu Senhor também quiser a nossa paz, tem que ser nestas condições, se quiser estar de acordo com o que nós queremos. Em cada semana, tem que nos dar os dias de sexta-feira e de sábado para trabalharmos para nós mesmos, não cortando qualquer um destes dias por ser dia santo (...) A cota diária na fábrica de farinha tem que ser de cinco alqueires planos, pondo suficientes arrancadores para poderem pendurar os panos. (...) A cota diária de cortar cana de açúcar tem que ser de cinco mãos, e não de seis, e de dez canas em cada feixe (...)”.
Surpreendido com a iniciativa, e evitando que uma guerra possa reduzir substancialmente os braços que movem sua fazenda, o senhor de engenho Manoel Ferreira aceita os termos do acordo. No entanto, ao cederem as armas, os cativos são reescravizados, e o documento vanguardista perde-se no tempo.

Essas e outras histórias em que o escravo nos aparece em primeira pessoa, narrando os fatos e sendo ator direto do episódio, são objetos de pesquisa há mais de 30 anos do casal de historiadores americanos Robert Krueger e Alida Bakusis, da Universidade do Estado de Iowa. Brasilianistas por toda a vida, ambos devem lançar no futuro próximo a primeira Antologia Escrava do Brasil, reunindo raros contos em primeira pessoa e relatos sobre mais de 100 escravos que viveram por aqui até 1888, quando a Lei Áurea pôs fim à escravidão.

— Narrativas feitas pelo próprio escravo são mais comuns nos Estados Unidos, onde a difusão da leitura da Bíblia, por conta do puritanismo, atingiu também os cativos. Mas no Brasil a imensa maioria era analfabeta, e por isso grande parte do que sabemos sobre a escravidão é sempre em terceira pessoa. São processos criminais, relatos de abolicionistas ou simplesmente teses historiográficas — contou Krueger por telefone ao GLOBO.

Muitas dessas histórias já foram alvo de investigação, como os quilombolas de Ilhéus, que viraram artigo do historiador Stuart Schwartz. Mas a novidade do livro do casal americano é reunir todo o conhecimento possível de escravos no Brasil em uma só obra, acrescentando ainda documentos inéditos coletados ao longo dessas três décadas em arquivos como o da Torre do Tombo, em Portugal, na África, e nas principais capitais históricas brasileiras.

‘Sou um colchão de pancadas’

Os contos são fascinantes. Três décadas antes do episódio em Ilhéus, a escrava Esperança Garcia, negra católica e casada, pertencente ao espólio do capitão Antônio do Couto, escreve uma carta ao governador das bandas do Piauí. O motivo? Garcia queria reunir a família novamente, separada com sua venda e a de seu filho para a casa de Couto, enquanto seu marido e outra filha permaneceram em uma fazenda de algodão. Os relatos de brutalidade contra sua prole e contra si mesma deram a tônica do documento. Estamos nos idos de 1770:

“(...) Desde que o capitão para lá foi administrar, que me tirou da Fazenda dos Algodões, aonde vivia com meu marido, para ser cozinheira da sua casa, nela passo muito mal. Há grandes trovoadas de pancadas em um filho meu, sendo uma criança que lhe fez extrair sangue pela boca, e em mim não posso explicar que sou um colchão de pancadas, tanto que caí uma vez do sobrado abaixo; por misericórdia de Deus, escapei. Estou eu e mais minhas parceiras por confessar há três anos, e uma criança minha e duas mais por batizar. Pelo que peço a Vossa Senhoria, pelo amor de Deus e do Seu Valimento, ponha aos olhos em mim e me mande para a fazenda aonde o capitão me tirou para eu viver com meu marido e poder batizar minha filha”.


Dentre os documentos com narrativas escravas reunidos por Krueger e Barkusis, há dezenas de testamentos deixados por cativos e libertos pouco antes de falecer. São momentos raríssimos onde o moribundo expõe não só seu pecúlio, mas também uma breve autobiografia de sua vida. Em Pirajá, na Bahia, no ano de 1751, Paullo de Almeida conta que é natural “do reino de Angola”, foi “metido no sertão” como escravo, e depois alforriado pela quantia de seis mil réis. Entre seus bens a serem deixados para herdeiros, outros cativos, inclusive a filha de sua mulher:

“Declaro que possuo mais outro escravo, chamado Pedro, da nação do Congo, ele casado com outra minha escrava, chamada Izabel, da nação Angola, que tem um filho macho crioulo, chamado Domingos, também meu escravo. E assim possuo uma escrava preta chamada Antônia, da nação Angola, que tem uma filha criolinha (sic) chamada Maria, a qual também é minha escrava. E assim também possuo uma criola (sic) chamada Anastácia, a qual esta é filha minha mulher, que a teve antes de casar comigo e eu a apanhar com outro homem.”

— Casos como o de Paullo de Almeida mostram que a instituição da escravidão permeava inclusive ex-escravos, que, uma vez libertos, também podiam possuir outros escravos. E a forma como ele expõe seus cativos no testamento, ao lado de bens como máquina de moer mandioca, nos diz muito sobre o conceito de “propriedade” do escravo — explica Krueger.

Enredo para peças nos EUA

As histórias coletadas pelo casal de brasilianistas são tão fascinantes que chegaram até a virar enredo de peças artísticas. No livro “Chicotealma”, Krueger adapta para a ficção os casos de escravos como os quilombolas de Ilhéus e da “Santa Rosa Maria Egipcíaca”, a ex-escrava prostituta de Mariana que ganhou fama de milagrosa e acabou perecendo nos cárceres da Inquisição, em Portugal. Seus contos também foram para o teatro, na peça “Voices of Freedom: The Brazilian Slave Stories” (Vozes da Liberdade: Histórias Escravas Brasileiras”), encenada por alunos da Universidade do Estado de Iowa.

Na década de 1990, Krueger traduziu na íntegra para o português a autobiografia de Mahommah Baquaqua, único livro do gênero feito por um ex-escravo que viveu no Brasil, redigido originalmente em inglês nos Estados Unidos. No entanto, naquela ocasião, divergências com a editora da UnB acabaram por suprimir importantes trechos da obra, além de incluir versões imprecisas em nossa língua.

Para este ano, porém, como antecipou O GLOBO, os historiadores Bruno Veras, de Pernambuco, e Nielson Bezerra, do Rio, entraram em contato com Krueger para que a autobiografia fosse novamente traduzida, desta vez com documentos inéditos deixados por Baquaqua, negro muçulmano trazido para o Brasil em 1845, quando o tráfico de escravos já era ilegal por lei brasileira. Ao viajar para os Estados Unidos para entregar sacas de café de seu senhor, o cativo conseguiu fugir com a ajuda de abolicionistas locais, iniciando uma verdadeira odisseia que incluiu países como Haiti, Canadá e Inglaterra.

O périplo tinha como destino final de retorno a África, objetivo de Baquaqua que até hoje não se sabe se foi concluído. Convertido à Igreja Batista Abolicionista em Nova York, ele queria pregar o evangelho a seus colegas africanos. Neste relato abaixo, em carta dirigida a um amigo, Baquaqua desabafa, no entanto, pelo fato de muitos cristãos não serem contra a escravidão:

“Conheci vários tipos de igreja aqui. Algumas delas pregam o evangelho, mas não se preocupam com o pobre escravo, não oram por eles, e acreditam que a escravidão é boa. Eles são cristãos, Senhor! Não posso acreditar jamais, jamais, JAMAIS, que isso possa ser assim. Acredito que o Cristão ore pelo infeliz escravo e pregue contra a escravidão”.

— Apesar de ter se convertido, Baquaqua manteve o nome muçulmano, o que é um indício de que queria manter sua identidade original. Talvez a Igreja Batista fosse de fachada para ele voltar para África, disfarçado de missionário cristão. Fica essa interrogação no ar: ele voltou e se manteve cristão, voltou e virou muçulmano novamente ou nem regressou à África? — questiona Veras, que pretende ir a Lagos, na Nigéria, atrás de pistas sobre o último paradeiro de Baquaqua.






Escravos prosperavam comprando negros, mas eram esnobados pela elite

Africano chegou a figurar entre os dez homens mais ricos de Salvador

POR 





BRAGA, Portugal — Quando Manoel Joaquim Ricardo morreu, em 1865, tinha 27 escravos, três casas e uma senzala. Era um dos dez homens mais ricos de Salvador. É um grande feito, ainda mais considerando que Manoel era negro e vivia em um país ainda escravocrata.
Em 1841, antes mesmo de ser alforriado, Manoel já era dono de seis escravos. Estendeu sua rede de negócios até a África. Lá, ele e seus sócios trocaram correspondência sobre seu sucesso na importação de “noz de cola” — segundo autoridades britânicas, este era um código para “escravos”. Embora o tráfico negreiro ainda não tivesse sido abolido, a opinião pública era cada vez mais resistente ao trabalho forçado dos negros.


— Mais de 600 escravos eram donos de escravos no Nordeste — revela João José Reis, professor da Universidade Federal da Bahia. — Esta prosperidade estava ligada ao tráfico negreiro. Quando havia grandes desembarques nos portos brasileiros, o preço deles diminuía e permitia a inclusão de pequenos investidores no mercado. Manoel e outros libertos compravam preferencialmente mulheres, que lhes davam crias.
Professor de História da Unifesp, André Roberto de Arruda Machado destaca que a relação entre os negros era desigual.


Os escravos não formavam apenas um corpo. Havia uma hierarquia evidente entre os escravos nascidos aqui e aqueles que vinham da África. O primeiro grupo se recusava a fazer algumas tarefas, que deveriam ser deixadas aos estrangeiros — lembra.
Mesmo acumulando riquezas e escravos, Manoel nunca obteve reconhecimento na sociedade baiana.
— Com a hostilidade e a negação do africano liberto, perdemos a chance de ter uma elite negra — lamenta Reis. — Os africanos eram trazidos para cá em fétidos tumbeiros e não poderiam ver o Brasil como uma terra de oportunidades. Apenas procuravam se dar bem dentro do possível, e esse possível às vezes surpreende.
(O repórter viajou a convite do Festival de História)

Julgaremos os torturadores?

"Brasil: nunca mais", de 1985: a primeira pesquisa de fundo sobre os arquivos da ditadura militar brasileira

HELIO GUROVITZ


A certa altura da reportagem monumental que fez sobre o julgamento do oficial nazista Adolf Eichmann em Jerusalém, entre a narrativa de uma atrocidade e outra, a filósofa Hannah Arendt assume um ar de tédio. Diante da sucessão de testemunhas de acusação, cujas histórias semelhantes contribuíam para construir o perfil diabólico do réu, responsável pela morte de centenas de milhares de pessoas, ela escreveu: “A procissão começava, numa tentativa fútil de proceder de acordo com a ordem cronológica. (...) Todo mundo, todo mundo deveria ter seu dia no tribunal. Apenas para descobrir, nas intermináveis sessões que seguiam, como era difícil contar a história”. A mesma sensação poderá acometer o leitor de uma outra reportagem, também de importância histórica inegável, que acaba de ser lançada este ano: Brasil: nunca mais – Um relato para a história.

Trata-se da primeira pesquisa de fundo sobre os arquivos da ditadura militar brasileira. Cobre o período do regime de exceção, entre o golpe de 1964 e a anistia de 1979. É resultado de um projeto quase clandestino, promovido pela Igreja Católica e por grupos religiosos, para preservar os documentos da época, antes que pudessem ser destruídos. De 1979 até o começo deste ano, foram reunidas informações de 707 processos que transitaram pela Justiça Militar brasileira, num relatório de mais de 5 mil páginas. Pelo menos uma cópia em microfilmes de todos os processos foi levada para fora do país, de modo a preservar a fonte das informações. Apenas depois da campanha das Diretas do ano passado, da eleição de Tancredo Neves e da recuperação de um mínimo – ainda que insatisfatório – de liberdades democráticas no país, a Igreja se sentiu confortável para trazer o projeto a público.

A partir dos processos, os pesquisadores produziram um livreto-reportagem em que procuram relatar os horrores da perseguição às organizações clandestinas, a crueldade da tortura e a barbárie inaceitável do “desaparecimento” de presos políticos. Por que usar apenas documentos dos militares para narrar uma história que também está na memória das vítimas sobreviventes? Porque, ao proceder assim, as conclusões não poderiam ser contestadas pelos perpetradores, os autores da documentação. “O que se produzisse como constatação de irregularidades, de atos ilegais, de medidas injustas, de denúncias sobre torturas e mortes, teria a dimensão de prova indiscutível. Definitiva”, afirma a reportagem. No prefácio à obra, o cardeal-arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns, faz um apelo para que o Brasil, agora democrático, assine a Convenção Contra Tortura proposta pela ONU.

O apelo de Arns é justo e compreensível – mas inócuo. É evidente que o Brasil acabará por assiná-la, uma vez que já é signatário da Declaração Universal dos Direitos do Homem, que condena a tortura em termos enfáticos. Bem menos evidente é o que faremos com a incômoda realidade do passado. A Lei de Anistia fez prescrever os crimes da guerrilha e da repressão. Mas pode haver prescrição para crimes dessa natureza? Deveríamos levar os torturadores aos tribunais, como a Argentina? Que dizer daqueles que assaltaram, mataram, justiçaram e também torturaram em nome da resistência à ditadura? São questões cuja resposta caberá à próxima Assembleia Constituinte.

O projeto Brasil: nunca mais é apenas o início do que deveria ser uma investigação completa sobre a verdade na ditadura. É valiosíssimo como documento. Mas insuficiente e incompleto. É evidente a orientação religiosa e o viés político na forma como seleciona e analisa os fatos. Por mais repetitivas e monocórdias que sejam as histórias dos presos políticos, são elas que têm valor histórico e dão força ao relato. Mas ele se torna ingênuo ao analisar as raízes do regime militar de um ponto de vista ideológico. Não é disso que o país precisa. Precisamos que o Estado investigue os fatos e acerte suas contas com o passado. Não é necessário produzir julgamentos que se transformem em espetáculo, como o de Eichmann. Já seria um avanço se soubéssemos a identidade dos torturadores, conhecêssemos os responsáveis pela máquina da repressão, a história das organizações clandestinas e, acima de tudo, o destino dos desaparecidos. Se suas famílias pudessem dispor de um atestado de óbito que não fosse uma mentira. Se o Estado pudesse, por meio da simples busca da verdade, transmitir uma mensagem clara e inequívoca às gerações futuras: “Tortura, no Brasil, nunca mais!”.
Este conteúdo faz parte do especial retrô ÉPOCA 1985, em comemoração aos 17 anos de ÉPOCA. 
Helio Gurovitz - 1985 (Foto: Moysés Gurovitz)

“Crise de valores exige revolução na Educação”, afirma o indicado ao Nobel da Paz/2015, Claudio Naranjo

Claudio Naranjo,  professor em Berkeley e candidato ao Prêmio Nobel da Paz em 2015 dará palestra gratuita em São Paulo no próximo dia 5 de maio, no Colégio Dante Alighieri, às 19 horas, para pais e educadores. E vai lançar seu novo livro, onde afirma que a crise de civilização que vivemos só pode ser superada por uma mudança profunda no modelo educacional – evoluindo da transmissão de conhecimento para formação de competências existenciais (detalhes abaixo).
Em livro que será lançado em 5 de maio, Claudio Naranjo alerta que sistema educacional não deve se limitar a transmitir informações, mas ensinar “competências existenciais
“A crise que estamos enfrentando não é apenas econômica, mas multifacetada e universal, e pode ser um sinal da obsolescência do conjunto de valores, instituições e hábitos interpessoais que chamamos ‘civilização’. Precisamos de uma mudança da consciência e o melhor caminho é a transformação da educação, por meio de uma nova formação de educadores – orientada não só para a transmissão de informações, mas para o desenvolvimento de competências existenciais”. Esta é a proposta de Claudio Naranjo, médico psiquiatra, professor em Berkeley, e pioneiro da psicologia transpessoal, além de autor de importantes obras sobre o desenvolvimento psicológico e espiritual nos últimos 40 anos.
Diante do cenário de crise econômica e social em diversos países, o pesquisador conclui: os livros podem transmitir conhecimento, mas atitudes só podem ser ensinadas por pessoas; e o atual modelo educacional deixa o aspecto pessoal do professor em segundo plano. Assim, as escolas ainda não cumprem um dos quatro pilares estabelecidos pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) em 1990: o de educar para Ser.
Naranjo se notabilizou, além de seus estudos, pela criação do Programa SAT (Seekers After Truth, ou, Em Busca da Verdade), um processo de autoconhecimento pelo qual já passaram milhares de pessoas no mundo todo e que envolve a inteligência emocional e espiritual dos indivíduos, por meio de técnicas psicológicas de Gestalt e dos Eneatipos, desenvolvidas por ele.
A palestra de Claudio Naranjo abordará um tema que será aprofundado em um “Encontro de Educadores”, a ser realizado nos dias 7 a 9 de agosto, no mesmo Colégio Dante Alighieri. Neste evento, os educadores analisarão as principais queixas com relação ao sistema de ensino e criarão projetos que possibilitem desenvolver as competências existenciais dos alunos. Encontro semelhante já foi realizado na Espanha e deve se repetir no México, Argentina e Uruguai.
Ainda em maio, no dia 14, o pesquisador também fará uma apresentação na Câmara dos Deputados, em Brasília, com o tema “A cura pela Educação – uma proposta para uma sociedade enferma”.
Do livro
O novo livro de Claudio Naranjo, “A revolução que esperávamos” (Verbena Editora), alerta para a necessidade de integridade, solidariedade e consideração afetiva neste momento de crise. “Não adianta somente ir às ruas protestar se não houver também uma revolução no comportamento individual”, afirma Fátima Caldas, médica neurologista, psicoterapeuta e representante para assuntos de educação da Fundação Claudio Naranjo no Brasil.
A proposta de solução está no texto de apresentação do novo livro: “Até hoje conhecemos apenas revoluções políticas e ideológicas, e o que sucede agora é uma revolução da consciência… Só despertando de nosso cego sonambulismo poderemos evoluir. O final do patriarcado, a transformação da educação, o desenvolvimento dos três amores e o caminho do autoconhecimento são algumas das propostas com as quais o doutor Naranjo formula um diagnóstico profundo dos problemas globais, bem como dos antídotos necessários à transformação de um mundo em crise”.
CLAUDIO
O Dr. Claudio Naranjo (Valparaíso, Chile, 1932) é médico psiquiatra, criou a psicologia dos eneatipos e há 40 anos vem desenvolvendo a sabedoria do eneagrama. É uma referência mundial da terapia Gestalt. Em seu périplo vital, recebeu ensinamentos de mestres como Swami Muktananda, Idries Shah, Oscar Ichazo, Suleyman Dede, S.S. o Karmapa XVI e Tarthang Tulku. Fruto deste amplo aprendizado, desenvolveu o Programa SAT. É membro do Club de Roma e Doutor Honoris Causa pela Universidade de Údine (Itália). A fundação Claudio N

Claudio Naranjo: “A educação atual produz zumbis”

O psiquiatra chileno diz que investir numa didática afetiva é a saída para estimular o autoconhecimento dos alunos e formar seres autônomos e saudáveis

FLÁVIA YURI OSHIMA

Claudio Naranjo, psiquiatra chileno, fala sobre a educação atual  (Foto: Divulgação)
A DIDÁTICA DO AFETO
O psiquiatra Claudio Naranjo. A educação é a única forma de mudar o mundo (Foto: Divulgação)





O psiquiatra chileno Claudio Naranjo tem um currículo invejável. Formou-se em medicina na Universidade do Chile, especializou-se em psiquiatria em Harvard e virou pesquisador e professor da Universidade de Berkeley, ambas nos EUA. Desenvolveu teorias importantes sobre tipos de personalidade e comportamentos sociais. Trabalhou ao lado de renomados pesquisadores, como os americanos David McClelland e Frank Barron. Publicou 19 títulos. Sua trajetória pode ser classificada como irrepreensível pelo mais ortodoxo dos avaliadores. Ele é, inclusive, um dos indicados ao Nobel da Paz deste ano. É comum, no entanto, que Naranjo seja chamado, em tom pejorativo, de esotérico e bicho grilo. Há mais de três décadas, ele e a fundação que leva seu nome pregam que os educadores devem ser mais amorosos, afetivos e acolhedores. Ele defende que essa é a forma mais eficaz de ajudar todos os alunos – não só os melhores – a efetivamente aprender “e assim mudar o mundo”, como ele diz. Claudio Naranjo esteve no Brasil para participar do evento sobre educação básica Encontro de Educadores.

ÉPOCA – O senhor é psiquiatra e desenvolveu teorias importantes em estudos de personalidade. Hoje trabalha exclusivamente com educação. Por que resolveu se dedicar a esse tema?
Claudio Naranjo – Meu interesse se voltou para a educação porque me interesso pelo estado do mundo. Se queremos mudar o mundo, temos de investir em educação. Não mudaremos a economia, porque ela representa o poder que quer manter tudo como está. Não mudaremos o mundo militar. Também não mudaremos o mundo por meio da diplomacia, como querem as Nações Unidas – sem êxito. Para ter um mundo melhor, temos de mudar a consciência humana. Por isso me interesso pela educação. É mais fácil mudar a consciência dos mais jovens.

ÉPOCA – Quais os problemas do modelo educacional atual na opinião do senhor?
Naranjo – Temos um sistema que instrui e usa de forma fraudulenta a palavra educação para designar o que é apenas a transmissão de informações. É um programa que rouba a infância e a juventude das pessoas, ocupando-as com um conteúdo pesado, transmitido de maneira catedrática e inadequada. O aluno passa horas ouvindo, inerte, como funciona o intestino de um animal, como é a flora num local distante e os nomes dos afluentes de um grande rio. É uma aberração ocupar todo o tempo da criança com informações tão distantes dela, enquanto há tanto conteúdo dentro dela que pode ser usado para que ela se desenvolva. Como esse monte de informações pode ser mais importante que o autoconhecimento de cada um? O nome educação é usado para designar algo que se aproxima de uma lavagem cerebral. É um sistema que quer um rebanho para robotizar. A criança é preparada, por anos, para funcionar num sistema alienante, e não para desenvolver suas potencialidades intelectuais, amorosas, naturais e espontâneas.

>> Leia outras entrevistas

ÉPOCA – Como é  possível mudar esse modelo?
Naranjo – Podemos conceber uma educação para a consciência, para o desenvolvimento da mente. Na fundação, criamos um método para a formação de educadores baseado em mais de 40 anos de pesquisas. O objetivo é preparar os professores para que eles se aproximem dos alunos de forma mais afetiva e amorosa, para que sejam capazes de conduzir as crianças ao desenvolvimento do autoconhecimento, respeitando suas características pessoais. Comprovamos por meio de pesquisas que esse é o caminho para formar pessoas mais benévolas, solidárias e compassivas. Hoje a educação é despótica e repressiva. É como se educar fosse dizer faça isso e faça aquilo. O treinamento que criamos está entre os programas reconhecidos pelo Fórum Mundial da Educação, do qual faço parte. Já estive com ministros da Educação de dezenas de países para divulgar a importância dessa abordagem.

>> A conta do fracasso na educação

ÉPOCA – E qual foi a recepção? 
Naranjo – A palavra amor não tem muita aceitação no mundo da educação. Na poesia, talvez. Na religião, talvez. Mas não na educação. O tema inteligência emocional é um pouco mais disseminado. É usado para que os jovens tomem consciência de suas emoções. É bom que exista para começar, mas não tem um impacto transformador. A inteligência emocional é aceita porque tem o nome inteligência no meio. Tudo o que é intelectual interessa. Não se dá importância ao emocional. Esse aspecto é tratado com preconceito. É um absurdo, porque, quando implementamos  uma didática afetuosa, o aluno aprende mais facilmente qualquer conteúdo. Os ministros da Educação me recebem muito bem. Eles concordam com meu ponto de vista, mas na prática não fazem nada. Pode ser que isso ocorra por causa da própria inércia do sistema. O ministro é como um visitante que passa pelos ministérios e consegue apenas resolver o que é urgente. Ele mesmo não estabelece prioridades. Estou mais esperançoso com o novo ministro da Educação de vocês (Renato Janine Ribeiro). Ele me convidou para jantar, para falarmos sobre minhas ideias. É a primeira vez que a iniciativa parte do lado do governo. Ele é um filósofo, pode fazer alguma diferença.

"Quando há amor na forma de ensinar, o aluno aprende mais facilmente qualquer conteúdo"

ÉPOCA – Para quem decidiu ser professor, não seria natural sentir amor, compaixão e vontade de cuidar do aluno?
Naranjo – Uma vez dei uma aula a um grupo de estudantes de pedagogia na Universidade de Brasília. Fiquei muito decepcionado com a falta de interesse. Vendo minha expressão, o coordenador me disse: “Compreenda que eles não escolheram ser educadores. Alguns prefeririam ser motorista de táxi, mas decidiram educar porque ganham um pouco mais e têm um pouco mais de segurança. Estão aqui porque não tiveram condições de se preparar para ser advogados ou engenheiros ou outra profissão que almejassem”. Isso acontece muito em locais em que a educação não é realmente valorizada. Quem chega à escola de educação são os que têm menos talento e menos competência. Não se pode esperar que tenham a vocação pedagógica, de transmitir valores, cuidar e acolher.

>> Brasil fica em 60° lugar em ranking mundial de educação em lista com 76 países

ÉPOCA – O senhor diz que o sistema de educação atual desperdiça talentos, rotulando-os com transtornos e distúrbios. Pode explicar melhor esse ponto?
Naranjo – Humberto Maturana, cientista chileno, me contou que a membrana celular não deixa entrar aquilo que ela não precisa. A célula tem um modelo em seus genes e sabe o que necessita para construir-se. Um eletrólito que não lhe servirá não será absorvido. Podemos usar essa metáfora para a educação. As perturbações da educação são uma resposta sã a uma educação insana. As crianças são tachadas como doentes com distúrbios de atenção e de aprendizado, mas em muitos casos trata-se de uma negação sã da mente da criança de não querer aprender o irrelevante. Nossos estudantes não querem que lhe metam coisas na cabeça. O papel do educador é levá-lo a descobrir, refletir, debater e constatar. Para isso, é essencial estimular o autoconhecimento, respeitando as características de cada um. Tudo é mais efetivo quando a criança entende o que faz mais sentido para ela.

ÉPOCA – Por que a educação caminhou para esse modelo?
Naranjo – Isso surgiu no começo da era industrial, como parte da necessidade de formar uma força de trabalho obediente. Foi uma traição ao ideal do pai do capitalismo, Adam Smith, que escreveu A riqueza das nações. Ele era professor de filosofia moral e se interessava muito pelo ser humano. Previu que o sistema criaria uma classe de pessoas dedicadas todos os dias a fazer só um movimento de trabalho, a classe de trabalhadores. Previu que essa repetição produziria a deterioração de suas mentes e advertiu que seria vital dar a eles uma educação que lhes permitisse se desenvolver, como uma forma de evitar a maquinização completa dessas pessoas. Sua mensagem foi ignorada. Desde então, a educação funciona como um grande sistema de seleção empresarial. É usada para que o estudante passe em exames, consiga boas notas, títulos e bons empregos. É uma distorção do papel essencial que a educação deveria ter.

>> O professor é o fator que mais influencia na educação das crianças

ÉPOCA – Há algo que os pais possam fazer?

Naranjo – Muitos pais só querem que seus filhos sigam bem na escola e ganhem dinheiro. Acho que os pais podem começar a refletir sobre o fato de que a educação não pode se ocupar só do intelecto, mas deve formar pessoas mais solidárias, sensíveis ao outro, com o lado materno da natureza menos eclipsado pelo aspecto paterno violento e exigente. A Unesco define educar como ensinar a criança a ser. As Constituições dos países, em geral, asseguram a liberdade de expressão aos adultos, mas não falam das crianças. São elas que mais necessitam dessa liberdade para se desenvolver como pessoas sãs, capazes de saber o que sentem e de se expressar. Se os pais se derem conta disso, teremos uma grande ajuda. Eles têm muito poder de mudança. 


sábado, 30 de maio de 2015

Tribunais vão ajudar pais em conflito pelos filhos


SOL

RITA CARVALHO


Promover acordos e evitar julgamentos 
Shutterstock
Tribunais vão ajudar pais em conflito pelos filhos
Os tribunais vão ter equipas especializadas com psicólogos para ajudar os pais separados que não se entendem sobre os filhos. Estes técnicos serão chamados a intervir pelo juiz quando não houver acordo sobre as responsabilidades parentais. O objectivo é acelerar as decisões sobre o futuro das crianças, que se arrastam nos tribunais durante meses e às vezes até anos, e assim minimizar o conflito e o sofrimento das famílias.
Os tribunais estão inundados de queixas de incumprimento e pedidos de pais para que sejam alterados acordos já estabelecidos
Esta alteração consta do novo Regime Geral do Processo Tutelar Cível, que foi aprovado na semana passada no Conselho de Ministros. Segundo apurou o SOL, a intenção do Governo é fazer com que os conflitos parentais sejam preferencialmente dirimidos com recurso a audições técnicas orais, que ajudem os pais a construir consensos. Isto evitará que os casos cheguem a julgamento, onde são os juízes a impor as decisões sobre a vida das crianças - como, por exemplo, quanto tempo passam com a mãe ou o pai e como é que estes organizam a sua vida.
Mais incumprimentos e alterações do que acordos
Estes técnicos especialistas em gestão de conflitos vão ouvir os pais, avaliar as suas competências parentais e perceber até que ponto estão disponíveis para um acordo estável para os filhos. Essas audições serão feitas presencialmente - evitando relatórios escritos que demoram meses a ser analisados, são muitas vezes contestados pelas partes e nem sempre ajudam os juízes nas decisões.
Depois destas audições técnicas que podem passar também pela mediação familiar (sistema onde os próprios constroem o acordo com a ajuda do mediador), os pais voltam à presença do juiz para nova tentativa de conciliação.
A disputa entre os pais pelos direitos sobre os filhos é cada vez maior, dizem os magistrados da área de Família e Menores ouvidos pelo SOL. Isso faz com que os acordos fixados pelos tribunais não sejam cumpridos, agudizando o conflito entre as partes e conduzindo até a situações de alienação parental, em que um dos progenitores impede o outro de ver o filho.
Os tribunais estão inundados de queixas de incumprimento e pedidos de pais para que sejam alterados acordos já estabelecidos. Segundo dados do Ministério da Justiça, em 2013 entraram nos tribunais 16.510 processos de regulação das responsabilidades parentais. No mesmo período, entraram 21.765 processos de incumprimento e de alteração de acordos. Os incumprimentos apresentados pelos pais têm vindo a subir (14.171 em 2013) e entre eles estão muitas queixas de não pagamento de pensões de alimentos.
Leia este artigo na íntegra na edição em papel do SOL, já nas bancas

A mãe desnecessária


CONTIoutra



A boa mãe é aquela que vai se tornando desnecessária com o passar do tempo. Várias vezes ouvi de um amigo psicanalista essa frase, e ela sempre me soou estranha. Chegou a hora de reprimir de vez o impulso natural materno de querer colocar a cria embaixo da asa, protegida de todos os erros, tristezas e perigos. Uma batalha hercúlea, confesso. Quando começo a esmorecer na luta para controlar a super-mãe que todas temos dentro de nós, lembro logo da frase, hoje absolutamente clara. Se eu fiz o meu trabalho direito, tenho que me tornar desnecessária.
Antes que alguma mãe apressada me acuse de desamor, explico o que significa isso.
Ser “desnecessária” é não deixar que o amor incondicional de mãe, que sempre existirá, provoque vício e dependência nos filhos, como uma droga, a ponto de eles não conseguirem ser autônomos, confiantes e independentes. Prontos para traçar seu rumo, fazer suas escolhas, superar suas frustrações e cometer os próprios erros
também.

A cada fase da vida, vamos cortando e refazendo o cordão umbilical. A cada nova fase, uma nova perda é um novo ganho, para os dois lados, mãe e filho. Porque o amor é um processo de libertação permanente e esse vínculo não pára de se transformar ao longo da vida. Até o dia em que os filhos se tornam adultos, constituem a própria família e recomeçam o ciclo. O que eles precisam é ter certeza de que estamos lá, firmes, na concordância ou na divergência, no sucesso ou no fracasso, com o peito aberto para o aconchego, o abraço apertado, o conforto nas horas difíceis. Pai e mãe – solidários – criam filhos para serem livres.

Esse é o maior desafio e a principal missão. Ao aprendermos a ser “desnecessários”, nos transformamos em porto seguro para quando eles decidirem atracar.
Nota da página: Embora esse texto apareça na internet com diversas autorias, a autoria mais provável é da jornalista Márcia Neder.

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Freud e sua mãe, Amalia.