domingo, 31 de maio de 2015

O mito da 'criança boazinha'




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Tenho andado um tanto incomodada com o 'mito da criança boazinha'. Eu explico: entre as conversas - sejam familiares, sejam em grupos de amigos - onde se fala sobre crianças, a coisa mais comum é ouvir gente se referindo a um bebê, ou a uma criança, adjetivando assim: "fulaninho é um bebê muuuito bonzinho!", "fulaninha é uma criança tããão boazinha!!".
Eu vou dizer: bonzinho, boazinha, não são lá adjetivos que me cativem especialmente. O que é, afinal, um bebê bonzinho, uma criança boazinha? Aqueles que não dão trabalho? Aqueles que não choram? Aqueles que aceitam e acatam todas as orientações sem questionar? Aqueles que são obedientes, cordatos, silenciosos e educadinhos?
Minha caçula, Chiara, foi um bebê "bonzinho", de acordo com o senso comum: praticamente não chorava, não estranhava ninguém, ia de colo em colo com um sorriso no rosto, estava sempre disposta e bem humorada. Em que isso a faz melhor do que Ana Luz e Estrela, que nessa fase da vida choravam um tanto, estranhavam desconhecidos e não iam em colos que não fossem os bem conhecidos da rotina diária?
Hoje, aos seis anos, Chiara é uma criança de vontade forte, dura na queda e difícil de dobrar. Questionadora e atrevida, não são poucas as vezes em que nos dá um verdadeiro baile para atender uma solicitação. Em que isso a faz pior do que as irmãs, que na mesma idade tinham um perfil mais dócil, nunca gritavam ou choravam em público e costumavam seguir tranquilamente as orientações dadas?
A resposta para estas duas perguntas é uma só: em nada. Chiara não é melhor nem pior do que Ana Luz e Estrela por agir assim ou assado, assim como nenhuma criança é melhor ou pior do que a outra porque chora menos, obedece mais, come melhor, dorme com mais facilidade, não faz birra ou cumprimenta desconhecidos.
Às vezes, ouço mães e pais adeptos da criação com apego querendo 'comprovar' a eficácia deste estilo de maternagem e paternagem com o argumento: "meu filho foi criado com todo peito e todo colo do mundo, e olha só: é tão bonzinho!!". O argumento tem toda boa intenção do mundo, eu bem sei, mas pode sair pela culatra: e se a criança não fosse, com todo colo, toda presença e todo peito do mundo, uma 'criança boazinha', o attachment seria menos válido então? Para pais que praticaram amamentação exclusiva e prolongada, cama compartilhada, colo e carinho em livre demanda, e têm filhos agitados, ranhetas, resmungões, irritadiços (como aliás, convenhamos: toda criança pode ficar de vez em quando, até a mais 'boazinha', não é mesmo?), seriam então, pela lógica contrária, prova da ineficácia desta forma de criação?
Criar filhos com todo amor, toda paciência, todo respeito e toda presença do mundo, é uma coisa bacana por si só, e certamente trará frutos maravilhosos pela vida afora. Mas não se trata de um meio para atingir a um fim: eu sou adepto da maternidade e paternidade por apego para que meu filho seja assim, ou seja assado. Nossos filhos serão como são, a nós cabe estar presentes, amá-los e acolhê-los da melhor forma possível - e aí é que se encaixam perfeitamente o respeito, o carinho, o diálogo, tudo em livre demanda e sem economia.
Eu não quero filhas 'boazinhas'. Eu quero filhas felizes, vivas, autênticas, livres. Quero filhas que possam ser simpáticas ou antipáticas, bem ou mau humoradas, sorridentes ou ranzinzas, tranquilas ou espevitadas, silenciosas ou bagunceiras. Afinal, eu também tenho meus momentos para ser tudo isso - definitivamente, eu não sou uma 'moça boazinha', eu sou uma mulher inteira e livre, e posso ser tudo o que eu quiser.
E não quero menos que isso para as minhas filhas. E você?

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