terça-feira, 26 de maio de 2015

A loucura de Arthur Bispo do Rosário

Uma exposição de Arthur Bispo do Rosário sugere que a infância e o isolamento foram mais importantes que a loucura para moldar seu talento

SÉRGIO GARCIA, COM RUAN DE SOUSA GABRIEL


CASACO Peça do vestuário confeccionada  de bordados. Remete ao folclore da terra natal do artista (Foto: divulgação)
















Poucos artistas têm sua vida tão perscrutada quanto o sergipanoArthur Bispo do Rosário (1909-1989). Interno de uma colônia psiquiátrica no Rio de Janeiro, ele foi descoberto tardiamente para o universo das artes visuais no início da década de 1980. A loucura se tornou chave para a compreensão de seu trabalho, embora haja outras singularidades que envolvem sua obra e existência. Em cartaz desde o fim de semana passado no Museu Bispo do Rosário de Arte Contemporânea, no Rio de Janeiro, uma exposição expande a observação sobre seus impulsos criativos para além da doença, começando pela infância em sua Japaratuba natal. “Não é a loucura que faz o sujeito virar artista. Ele é artista e, por acaso, é louco, esquizofrênico”, afirma o escritor e crítico de arte Ferreira Gullar, admirador de Bispo.
A mostra Um canto, dois sertões: Bispo do Rosário e os 90 anos da Colônia Juliano Moreira reúne cerca de 160 obras do artista, além de 50 peças com outras assinaturas. É dividida em três núcleos, que remetem à infância, ao hospício e ao universo delirante de Bispo. “Nossa aposta foi no intenso trabalho de campo”, destaca o curador Marcelo Campos. Durante a pesquisa feita em Sergipe, sua equipe constatou a grande influência que o folclore regional exerceu sobre o artista. Os mantos e capas presentes em sua produção derivam dos reisados e cheganças. Ao longo de cinco décadas, Bispo fez bordados, colagens, estandartes e objetos que já foram expostos na Bienal de Veneza, no Victoria & Albert de Londres e hoje integram uma mostra no Museu de Arte Folclórica de Nova York, aberta na semana passada. Em confinamento durante boa parte da vida, ele teve de usar de criatividade para obter matéria-prima. Cerzia suas peças com a linha que desfiava de uniformes e utilizava toda sorte desucatas. Isso o colocou, inadvertidamente, na vanguarda da arte contemporânea, que lança mão de toda espécie de material, inclusive o lixo.
 
ESTANDARTE Objeto que retrata o complexo onde esteve confinado.  Mostra sua visão  singular do sanatório (Foto: divulgação)
JANGADA Miniatura de embarcação. Temática marinha é uma constante ao longo de sua produção (Foto: divulgação)






















A despeito de toda investigação, a história de Bispo do Rosário ainda é repleta de “lacunas e enigmas”, como realça a pesquisadora Flavia Corpas, uma das maiores autoridades no assunto. Sabe-se que ele trabalhou na Marinha e lutou boxe. Foi internado pela primeira vez em 1939, mas ficou durante dez anos livre do confinamento, entre as décadas de 1950 e 1960, quando trabalhou como faz-tudo em uma clínica médica infantil. De 1964 até a morte, esteve enclausurado naColônia Juliano Moreira, precisamente no pavilhão 10, cercado por dez cubículos onde ficava quem era punido. Durante a vigência da exposição (até 6 de outubro), o visitante pode conhecer esse lugar, mediante agendamento. Há ainda uma instalação que replica esse ambiente claustrofóbico feita pelo baiano Willyams Martins. “Bispo não tinha contato com a cultura moderna ou contemporânea, mas seu trabalho é de uma atualidade e profundidade extraordinárias. Sua obra dialoga fortemente com certa produção pós-pop art”, avalia o crítico Frederico Morais, credenciado como o descobridor do artista por tê-lo incluído numa mostra no Museu de Arte Moderna carioca em 1982. Originado pela doença ou moldado por ela (como parece mais razoável), o monumental talento de Bispo antecede e supera qualquer estigma. O que ele deixou foram obras de arte, não sintomas.
 
CAMA DE ROMEU E JULIETA Peça feita de sucatas. É uma de suas obras mais elogiadas (Foto: divulgação)
CELA DO MANICÔMIO Instalação recria o ambiente da clausura. Uma atração da mostra (Foto: divulgação)

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