sexta-feira, 29 de maio de 2015

Sobre as crianças escravas e filhas de escravos

  













Ana Almeida  -

   A realidade de Ullungas, Gastãos, Alexandrinas, Agostinhos, é a mesma. Talvez com pequenas diferenças, mas a história não muda. Crianças sem infância, caídas na rede de trafego de escravos, que cortou e manchou de sangue a rota da África para o Brasil. Entre 1789 e 1830 a população escrava no Rio de Janeiro crescia. Os navios negreiros despejavam no porto carioca cerca de 9 mil escravos por ano, até 1808. A partir de então eram 24 mil até 1830. Nos navios dava-se preferência para os homens. De todos que viajavam, apenas 4% chegavam vivos.

   Entre os cativos do Brasil, predominava a presença de adultos. Poucos deles completavam cinqüenta anos. O equilíbrio entre os sexos era a norma. As crianças poderiam corresponder a um terço da escravaria. Na média, elas representavam apenas dois entre cada dez cativos. Não existia propriamente um mercado de crianças cativas. Mas algumas eram compradas e vendidas. Essas transações eram feitas nas etapas finais da infância, especialmente durante as fases de desembarque africano. Também é verdade que outras eram doadas ao nascer. Poucas crianças chegavam a idade adulta. Com menos de 10 anos correspondiam a um terço dos cativos falecidos: dentre estes, dois terços morriam antes de completar um ano de idade, 80% até os 5 anos.

   Os pequenos que escapavam da morte prematura, iam perdendo os pais. Uma infância incomum, vista apenas em comunidades destruídas por guerras ou epidemias. Também a alforria entre os cativos fazia desaparecer dos registros os pais. Quando um Senhor morria, uma entre cada quatro famílias escravas, eram destruídas na partilha dos bens.

   O batismo era feito com poucas semanas do nascimento de uma criança. E no livro de batismos, o Inhaúma, registravam-se os nomes donos dos escravos e os padrinhos, que na maior parte das vezes eram escravos, alguns libertos e poucos homens livres.

   As crianças cativas até os 6 anos viviam em "igualdade familiar" na casa senhoril. O aprendizado da criança escrava se refletia no preço que alcançava. Por volta dos 4 anos, o mercado pagava uma aposta contra a altíssima taxa de mortalidade infantil. Mas quando os pequenos começavam a lavar, cozinha, trabalhar com madeira, etc, o preço crescia.  O "adestramento" também se fazia pelo suplício do dia-a-dia, e pelas pequenas humilhações. Por volta dos 12 anos, esse adestramento, que tornava a criança adulta, estava concluído. Nessa idade os meninos e meninas começavam a trazer a profissão no sobrenome: Chico Roça, João Pastor, Ana Mucama.

   Conclui-se, então, que a criança escrava no Brasil não foi criança, não teve infância. Esta época foi sem dúvidas muito cruel e marcou para sempre a nação. Uma história que infelizmente não pode ser apagava. Que sirva então como exemplo de tragédia humana.

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GÓES, José Roberto, FLORENTINO, Manolo. Crianças escravas, crianças dos escravos. Em: PRIORE, Mary del.(Org.), História das crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 1999, p. 177-191.

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