terça-feira, 26 de maio de 2015

Os Campos de Concentração do Século XXI

JUSTIFICANDO


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Por Maristela Basso

// Colunistas Just

Na semana passada, o “The New York Times” classificou os locais onde são mantidos os refugiados da etnia “rohingyas”, no Sudeste Asiático, de “campos de concentração”. Mas alguém se importa com eles? Parece que não.
Para a ONU, os “rohingyas” são uma das minorias étnicas mais perseguidas do mundo. Para a pesquisadora Andrea Gittleman, do Centro de Prevenção de Genocídios no Museu Memorial do Holocausto nos EUA, o que acontece com o “rohingyas” é muito semelhante ao que aconteceu com os genocídios de Ruanda e Srebrenica (Bósnia-Herzegóvina).
Os “rohingyas” são considerados imigrantes dentro de Mianmar, mesmo tendo suas origens cravadas no noroeste do país. Classificados como apátridas, são proibidos de votar e frequentar as redes de saúde e de educação.
A origem da perseguição cruel contra os membros dessa etnia remonta ao ano de 1982 e a ascensão do budismo, quando o Parlamento da Birmânia, nome depois substituído por Mianmar, retirou a cidadania de mais de 2 milhões de “rohingyas” com fundamento no fato de que esta etnia teria sido implantada durante a colonização britânica, que trouxe milhares de trabalhadores muçulmanos de Bangladesh. Na verdade, historiadores sustentam que a origem dos “rohingyas” é anterior à demarcação das fronteiras modernas naquela parte do mundo, na medida em que seus membros se encontravam justamente na área de fronteira entre os dois países: Mianmar e Bangladesh.
Determinados os limites entre esses dois países, sem respeito à fronteira viva, os “rohingyas” ficaram no meio do caminho e passaram a sofrer discriminações e ameaças de extinção de ambos os países.
Por serem apátridas em Mianmar, não podem trabalhar e precisam de autorizações para se locomoverem dentro do país – via de regra, obtidas por meio de caros subornos. Não recebem tratamento médico nem odontológico, não podem casar e nem ter filhos.
Desde 2009 a situação piorou consideravelmente, e gangues budistas nacionalistas passaram a atacar impiedosamente os muçulmanos, neles incluídos os mais vulneráveis, os “rohingyas”, incendiando suas casas e pequenos negócios. De 2012 para cá, em várias cidades de Mianmar, centenas de “rohingyas” têm sido mortos a machadada, queimados e enterrados vivos em valas comuns. Em grande parte desses crimes, sabe-se da participação de forças de segurança e de autoridades governamentais.
Mesquitas foram e são destruídas para dar lugar a templos budistas e os poucos “rohingyas” que ainda existem estão confinados aos guetos – criados nas principais cidades de Mianmar. A Agência especializada da ONU dá conta da existência de 58 guetos onde estão confinados mais de 140 mil “rohingyas”; outros 120 mil, que conseguiram fugir desses locais, são considerados deslocados internamente.
Os confinados aos guetos não podem sair, vivem sem acesso a nenhum tipo de medicamento ou tratamento médico, assim como à alimentação e água potável. Aqueles que conseguem evadir do país (e sobrevivem), jogam-se ao mar na tentativa de chegar com vida à Tailândia, Malásia ou Indonésia – países que os têm rejeitado ou acolhido temporariamente.
Constrangidos, nós, por aqui, temos visto, nos últimos dias, “rohingyas” famintos moribundos rogando por comida em volta de embarcações imundas nos portos dos países vizinhos, onde alguns, e apenas muito poucos deles, conseguem chegar.
Não é difícil concluir que estamos diante de abjetos crimes contra a humanidade, de limpeza étnica, de violência em massa e de genocídio. Portanto, é imperioso que os governantes, nos países de tradição democrática e humanitária, assumam sua responsabilidade internacional em defesa dos membros da (nossa) família humana que, subjugados, são tiranizados, encurralados, despersonalizados, desumanizados, brutalizados e mortos.  Quando um crime contra a humanidade é praticado dentro de um Estado (país/nação) o governo local é responsável – e sua responsabilização é imediata -, mas todos os demais também são.
Maristela Basso é Advogada, árbitra, professora livre-docente de Direito Internacional da Faculdade de Direito da USP e professora na academia da Organização Mundial da Propriedade Intelectual. É Conselheira Editorial do Justificando.

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