CARTA CAPITAL
por André Barrocal — publicado 24/05/2015 08h45
O ex-ministro Roberto Amaral articula uma Frente Nacional Popular para conter o conservadorismo
A campanha "O Petróleo É Nosso", lançada há mais de 60 anos, uniu políticos, movimentos, intelectuais e personalidades de diversas correntes e acabou vitoriosa graças a essa variedade de integrantes. Seria possível repetir algo parecido hoje no Brasil para enfrentar uma ofensiva conservadora que não se limita a pregar arepartição do pré-sal com companhias estrangeiras, mas também o impeachment, a volta da ditadura, o retrocesso em direitos sociais e trabalhistas? Há quem aposte que sim e prepare o lançamento de uma reação por ora chamada de Frente Nacional Popular.
A Frente deverá ganhar vida em junho, a partir de um ato público. Entre seus articuladores circula um esboço de manifesto. Embora o objetivo principal seja o de resistir à onda conservadora, o documento elenca bandeiras propositivas. Prega-se a defesa da democracia e seu aprofundamento pela reforma política, o fortalecimento da soberania nacional contra os efeitos da crise da Petrobras, a volta do crescimento com distribuição de renda e sem arrocho fiscal, o combate às desigualdades e a manutenção de direitos trabalhistas.
Um dos principais mentores é o cientista político e ex-ministro Roberto Amaral, um dos fundadores do Partido Socialista Brasileiro e colunista de CartaCapital. Para ele, assiste-se hoje no País a uma ofensiva da direita conservadora como não se via desde o governo João Goulart, deposto pelo golpe de 1964. Tal avanço, diz Amaral, ameaça conquistas sociais históricas e só pode ser detido por uma união de forças que não se limite a partidos, pois estes estão sob suspeita da sociedade, a começar pelo PT. “Diante da emergência reacionária, os partidos estão atônitos, sem resposta política”, afirma. “A saída é uma frente de massa. Até para defender reformas profundas que nossos governos não tiveram forças sequer para tentar.”
A ideia começou a germinar com inquietações surgidas logo depois da eleição presidencial de outubro. O pedido do PSDB à Justiça Eleitoral de uma auditoria nos votos obtidos por Dilma Rousseff provocou apreensões. Deu uma pista sobre o tamanho e a gana do conservadorismo, mais tarde expressos com clareza em passeatas pelo impeachment da presidenta e a favor da intervenção militar. A apreensão aproximou intelectuais, políticos com e sem mandato, sindicalistas, movimentos sociais e empresários, que começaram a se reunir a partir de novembro, de forma discreta, no Rio de Janeiro, em São Paulo e Brasília. E ganhou corpo durante um debate, em março, no Sindicato dos Professores do Rio, do qual participaram Amaral, os ex-ministros José Gomes Temporão e Luiz Dulci, o economista Theotonio dos Santos, o empresário Pedro Celestino e uma série de acadêmicos.
Foi citada em público pela primeira vez em abril, quando uma mesa-redonda no Clube de Engenharia, também no Rio, discutia a possibilidade de a crise na Petrobras levar a uma invasão do País por petroleiras e empreiteiras estrangeiras. O batismo provisório, sugestão do líder de um famoso movimento social, despontou no dia seguinte, em um debate semelhante ocorrido no sindicato paulista dos engenheiros.
Presidente do Clube de Engenharia e mediador da mesa-redonda de abril, o empresário Francis Bogossian declara-se “inteiramente de acordo com a ideia da Frente”. Foi por essa razão que ele topou acolher debates sobre os rumos do País na entidade, condicionando apenas que não fossem de caráter partidário. “Vemos nitidamente um movimento em prol dos interesses estrangeiros”, avisa.
O caráter suprapartidário ficará nítido caso se confirme a adesão do economista Luiz Carlos Bresser-Pereira, ex-ministro de FHC, hoje crítico da oposição, e o jurista Cláudio Lembo, ex-governador de São Paulo. Não é de hoje, os dois disparam contra a insurgência reacionária. Segundo Bresser-Pereira, a distribuição de renda nos governos Lula e Dilma produziu um ódio de classe contra o PT por parte dos ricos e de uma “classe média que virou muito conservadora, infelizmente”. Ele aponta o fim do pacto nacional-popular da era Lula. Lembo, que esteve no debate de abril no sindicato dos engenheiros, repele o “Fora Dilma” e os clamores em prol da volta dos militares ao poder. “Há uma coisa diabólica acontecendo no Brasil”, resume.
Um dos combustíveis da Frente, o desgaste do PT, é reconhecido até por petistas. Não por acaso o ex-ministro e ex-governador Tarso Genro tornou-se um aliado de primeira hora da proposta e tem se reunido com frequência com Amaral. “A Frente é fundamental para neutralizar o antipetismo instrumentalizado por setores reacionários. Por isso o PT não pode estar sozinho, tem de estar ao lado de outras forças democráticas e populares”, considera o deputado Alessandro Molon, outro participante das discussões.
O papel mais importante do movimento, enxerga Molon, é enfrentar os retrocessos da Câmara dos Deputados, que sob a regência do peemedebista Eduardo Cunha adotou uma pauta marcadamente retrógrada, incluídas a terceirização total do mercado de trabalho, a revogação do Estatuto do Desarmamento e a constitucionalização das doações empresariais de campanha. “Os maiores riscos de retrocesso hoje estão na Câmara. Há conquistas com as quais sonhamos, mas a situação da Câmara é tão grave, que impedir retrocessos já será uma vitória.” A proposta da Frente mostra, enfim, que uma ala progressista da sociedade decidiu reagir. Já era hora.
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