domingo, 24 de maio de 2015

Quer dizer que sou obrigada a ser feliz?


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THE HUFFINGTON POST

BATATAS



Certa vez, fui preparar um almoço e pensei ter adquirido uma inusitada lição de vida e de perspectiva plácido-otimista ao despejar umas batatas sorridentes e redondas numa frigideira com óleo. Veja bem, aquela gordura estava hiperbolicamente quente, mas isso não impedia aqueles pedaços de amido amarelado de sorrirem e dançarem em volta do próprio destino trágico. Você até pode se queimar e sofrer as esturricadas da vida, mas é preciso ter força, raça, grana e, acima de tudo, sorriso. Joga peteca? Então, não a deixe cair. Porque desânimo é coisa de fracote, e a felicidade é um dever de casa cotidiano resolvido com dificuldade por toda a população global.
Não basta o parabéns pra você desejar UMA felicidade: ele desperta em você a expectativa de MUITAS felicidades. Assim, várias, coletivas, plurais, para quando uma acabar, você ter condições de repô-la com outra e jamais ficar sem. A felicidade, já discutida pela filosofia antes mesmo de Cristo, tornou-se direito do homem em 1787, com a Constituição dos Estados Unidos, e caminha, no século 21, de mãos dadas com a OBRIGAÇÃO, especialmente propagada após a Revolução Francesa.
A gota de orvalho, quem diria, se tornou uma penosa imposição que classifica os seres humanos em vencedores e fracassados, ignorando as nuances dessa estrada altamente customizável e imprevisível chamada VIDA. "No século 21, parece que há um empuxo radical para que sempre, e em todo o momento, o sujeito tenha que se mostrar feliz", denuncia Claudio César Montoto, psicanalista e professor do Curso de Especialização em Semiótica Psicanalítica da PUC-SP.
Mostrar-se feliz, de fato, é imperativo tanto presencialmente quanto nas fotos do Instagram ou nos posts nas redes, fazendo com que real e virtual se embaralhem. Esbanjar felicidade online e off-line é uma lei. "A característica desta contemporaneidade pode ser estudada a partir das redes sociais, como por exemplo o Facebook, onde fica claro que o imaginário que é a rede é tomado como o real, como a vida. Até a pornografia está funcionando, para o sujeito contemporâneo, como um modelo a ser atingido", completa Montoto.
"A obrigação vem de quase todo o mundo. A sua família e seus amigos querem te ver sorrindo e cheia de vida 24 horas por dia. Isso porque as pessoas que se importam conosco ficam aliviadas em ver alguém que ama feliz. A questão é que elas não percebem que essa cobrança pode te deixar ainda mais infeliz", lamenta a jornalista Fabiana Schiavon, 36 anos.
A psicanalista e diretora geral da CLIPP (Clínica Lacaniana de Atendimento e Pesquisas em Psicanálise), Carmen Silvia Cervelatti, lembra que esse imperativo de felicidade é determinado pelo discurso capitalista, na medida em que incessantemente oferece objetos e a satisfação que seu consumo gera é mais fugaz a cada dia. "Isso favorece a ilusão de que ter aquilo que, supostamente, todos poderiam ter, é sinônimo de felicidade. Porém, constata-se que o 'todos iguais' no gozo conduz a um consumo desenfreado e a patologias bastante específicas, como as compulsões."
"Essa pressão pela felicidade automaticamente exclui o sofrimento, a decepção, a limitação e o conflito, condições inseparáveis do ser humano. Onde, nesse pacote de bondades, entraria a tristeza? Simplesmente não entra, é reprimida, já que ela é tratada como depressão e, portanto, para ser medicada, basta um passo."
É grande a tentação para culparmos o Voltaire e seu paraíso terrestre, o supermercado de gente feliz, a batata que sorri, a gelatina com bocona, as propagandas de perfume, o décimo terceiro salário, as pastas de dente tão revolucionárias que até fazem canal. Tomem aqui essa pílula de felicidade, acessível e fácil. Porém, com choro ou não, o papo real é que não vamos atingi-la. Simplesmente não vamos. "O mal-estar é inerente à civilização", Carmen recorda, citando Freud.

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