sexta-feira, 29 de maio de 2015

Aborto e Infanticídio - Recortes da resistência da Africana Escravisada

Por Walter Passos




Por Walter Passos

Bastante provocativo é o tema deste simplório artigo. Em verdade, pequenos recortes, rabiscos, sobre a resistência das mulheres escravizadas em um momento que as nossas irmãs pretas estão cada dia mais se organizando no enfrentamento ao racismo e o machismo. Ressalta-se que há pesquisas extensivas sobre o assunto, escrito por algumas mulheres nas Américas.

Existe uma desinformação generalizada acerca da resistência das mulheres na escravidão. Isso se deve pelo conceito machista de que o homem foi o único protagonista de lutas ferrenhas contra a escravidão e a mulher nada participou diretamente.

Colocadas em segundo plano, ou em plano nenhum, fruto de uma concepção equivocada das diversas formas de resistência, a história das resistências na escravização fora escrita por historiadores sem a preocupação da inserção feminina, o que vai de contramão a real importância das mulheres pretas em toda luta antiescravista.

Alguns historiadores destacam a religião e a dança como os primeiros exemplos de resistência feminina. Concordamos de que o imperialismo cultural foi uma maneira significativa em que os europeus tentaram retirar dos escravizados a sua dignidade. As mulheres mantiveram a tradição dos ancestrais e participaram de todas as lutas pela liberdade.

Ensina-se que os homens resistiram constantemente e grandes nomes na América Escravista são ensinados, como exemplos de luta, citam no Brasil: Zumbi, Preto Cosme, Lucas Dantas, Manoel Congo, entre outros. Em nenhum momento pretendo negar ou diminuir estes homens pretos que lutaram em prol de sua liberdade e de outros escravizados. São nomes que devem ser lembrados a todo o momento.

No entanto, foram diversas as formas de resistência à escravidão e as mais comentadas são consideradas exclusivamente masculinas: - Fugas individuais e coletivas, justiçamento dos senhores, quilombos, participação nos movimentos rebeldes contra a monarquia, insurreições, suicídios, greve, sabotagem, automutilação, rebeliões urbanas e rurais, rebeliões em navios negreiros e desamor ao trabalho. Referente às mulheres são mais citadas:

- Preservação dos cultos de matriz africana, Aborto, infanticídio e o envenenamento do senhor e família. O que notamos é a negação da participação de mulheres nas outras resistências, fato não verdadeiro. Negar a mulher na participação das diversas formas de resistência é um olhar machista e perigoso sobre a nossa história.

Ontem, vi em uma rede social uma foto de uma escravizada amamentando uma criança branca, estas fotos de amas de leite são bem divulgadas porque os senhores e artistas achavam interessante preservar fotografias de mulheres humilhadas, que deixavam os seus filhos em inanição e alimentavam os filhos dos senhores e daqueles que pagavam aos mesmos algozes o leite das escravizadas.

As mulheres escravizadas sofreram humilhações psicológicas e físicas que resultou em muitas a loucura e a morte. Sofreram os mais vexatórios castigos em uma sociedade patriarcal que considerava as mulheres brancas inferiores e dignas de proteção, e as mulheres escravizadas foram tratadas como animais, vítimas de estupros e trabalhos forçados.

Outro fato importante a ser destacado, as mulheres brancas foram extremamente cruéis em relação às escravizadas, verdadeiras sádicas em castigos desde a mutilação, quebra de dentes e amputação de membros. No inicio da década de 90 do século passado pesquisando quilombos no interior da Bahia, fui ao município de Camamu e na comunidade do Orojó, conversei com um senhor nonagenário o qual me contou a seguinte história:

- Na época do cativeiro chegou por aqui uma moça da costa da África, e ela veio como as outras só com a parte de baixo das roupas e em cima mostrava a searia (seios) e foi trabalhar na cozinha da senhora. Ela era jovem e muito bonita, devia ter uns 14 anos. O dono da fazenda de manhã ao sair para ver as terras e os cativos, viu a moça e elogiou a searia dela e saiu.

Ao retornar a noite, a dona da fazenda foi servir o jantar e ele estranhou não ser servido pelas cativas, mas, não disse nada. A mulher dele colocou o serviu com uma carne macia, e ele perguntou que carne era aquela. Ela respondeu:

- É a searia que você gostou. Agora coma!

A mulher escravizada nas cidades e nos campos foi a mais explorada, realizando serviços considerados masculinos, sendo levadas à prostituição por “boas famílias cristãs” e até por religiosas católicas, que também gostavam de exibir as suas peças aos domingos ornadas de colares de ouro para mostrar o poder das ordens religiosas.

Aquela mulher violentada nos seus conceitos africanos de respeito reage, e estas reações merecem serem melhores elucidadas e contadas. Temos que rasgar as barreiras do silêncio de uma historiografia misógina, que coloca a mulher escravizada como um objeto reprodutor, simplesmente. Entre tantas formas de resistência, a mulher escravizada optou para os mais extremos como o aborto e o infanticídio, violando conceitos ancestres a vida africana, mas conscientes do valor do seu corpo e da respeitabilidade que ele deveria ter. Não podemos olhar o aborto e o infanticídio com os olhares da hipocrisia judaico-cristã e de falsos moralismos masculinos. A consciência da escravizada ao abortar, tendo que se submeter ao trabalho duro estando grávidas, trabalhando de sol a sol, sem respeitabilidade ao seu corpo, inclusive menstruadas, trabalhavam exaustivamente.

Negaram em aceitar o ciclo reprodutivo que foi sujeitada, sabendo que o seu filho, seria considerado mais uma “cria” para o trabalho extenuante e, a sua filha mais uma mulher estuprada pelos senhores. Ao abortar a escravizada acreditava que quebrava este ciclo de exploração. Resistência encontrada em diversas regiões das Américas, importante ressaltar que foram praticadas por um número considerável de escravizadas.

O infanticídio para a escravizada era o extremo, matar o próprio filho foram atos de extrema necessidade. Não há como imaginar os corações daquelas guerreiras em atos de profundo desespero ao saber que os seus filhos e filhas seriam marcados com ferro e humilhados. A podridão da escravidão obrigou as mulheres pretas a tomarem decisões estremas para manter os seus filhos fora dos malditos grilhões impostos no corpo e na alma. A reprodução da mulher escravizada significava lucro para os senhores e o aborto e o infanticídio eram percas pecuniários.

Torna-se necessário que estas discussões pautem os bancos escolares e as organizações pretas, auferindo um novo olhar e falares sobre a resistência das mulheres a escravidão, porque além do aborto e infanticídio ela participou de todas as formas de resistência, como: Luisa Mahin, da Revolta dos africanos islamizados em Salvador no século XIX; as diversas Rainhas de quilombos, como a Rainha Ngola; a valorosa quilombola Zeferina, do quilombo do Orubu, que em 1826 foi presa com arco e flecha na mão gritando:

- Mata Branco! Mata Branco!

Desde a invasão ao continente africano a mulher reagiu de diversas formas. As histórias das candaces, da rainha Nzinga Mbandi, das guerreiras do Daomé, e de milhões de africanas prisioneiras de guerra escravizadas para as Américas, são exemplo que devem ser lembrados sempre.
Resgatar a participação das mulheres pretas na resistência à escravidão é uma obrigação das entidades pretas e dos educadores, é resgatar a memória das nossas ancestrais e concluo com um texto que deixei no Facebook para uma amiga virtual:

“As mulheres pretas são a nossa vida, nossas avós, mães, tias, irmãs, filhas, sobrinhas e companheiras. As mulheres pretas foram sequestradas juntamente com os homens da África-Mãe. Elas entendem as nossas lutas, esperanças e, além do mais, verdadeiramente nos amam. Meus rabiscos são singelos agradecimentos às guerreiras do dia a dia que não nos discriminam e são o bálsamo para os nossos momentos de tristeza. E são as mais belas. Todos os homens pretos devem ao ver uma mulher preta saudá-la como Rainha em sinal de respeito. Porque as mulheres pretas são as nossas Rainhas. Acrescento: Estiveram lado a lado dos homens escravizados na luta contra a escravidão e são responsáveis, iguais aos homens, pela nossa liberdade.”

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