Leonardo Sakamoto
Na entrada do Quinto Círculo do Inferno, da Divina Comédia, de Dante Aligheri, há uma cachoeira de água e sangue borbulhante e fervente, formando um lago chamado Estige, onde estão os acusados de ira. Eles passam a externidade se torturando, numa raiva sem fim. O quadro é “Dante e e Virgílio atravessando o rio Estige'', por Eugène Delacroix. Eu não acredito no inferno, mas fica a dica para quem tem muita raiva do mundo.
A frase faz sucesso nas redes sociais.
É proferida ad nauseam quando o tema é a dura barra enfrentada pela gente negra, índia e parda, fedida, pobre, drogada e prostituída. É só falar da necessidade de políticas específicas que garantam qualidade de vida para esse pessoal que a abobrinha é vociferada.
Como levar para casa um dependente químico, uma pessoa em situação de rua ou uma criança em conflito com a lei vai ajudar na solução do problema? Grandes mistério da humanidade…
Bem, se você é do tipo que acha bonito aquela parábola – deveras brega, diga-se de passagem – do sujeito que, diariamente, pega estrelas-do-mar e as joga na água, achando que basta cada um fazer sua parte para o “mundo ser salvo'', você não compreende muito bem o que é política pública, ação em escala e responsabilidade coletiva. Acha que o coletivo é o somatório apenas das ações individuais, quando, na verdade, é muito mais do que isso.
Para os demais, gostaria de lembrar que criticar uma política publica serve para que o poder público respeite os direitos e dê soluções reais aos problemas e não apenas espalhe-os para que sumam da vista dos mais endinheirados. Não é uma ação isolada que vai surtir efeito com pressão, mas uma mudança de paradigma com medidas em grande escala causada por uma população consciente dos direitos de si e do outro.
Enxotar é mais fácil que implantar políticas de moradia eficazes – como uma reforma urbana que pegue as centenas de imóveis fechados para especulação e os destine a quem não tem nada. Ou repensar a política pública para usuários de drogas, hoje baseada em um tripé de punição, preconceito e exclusão e, portanto, ineficaz. Ao mesmo tempo, muitos vêem os dependentes químicos como estorvo ao invés de entender que lá há um problema de saúde pública.
Tô sim com dó. Mas não dos dependentes químicos. Muito menos da população de rua. Tô com dó dos gestores e de parte dos seus habitantes que compactuam com saídas fáceis para problemas complexos.
Até levaria todos esses “cidadãos de bem'' para casa. Mas temo não ter a quantidade de uísque e outras drogas lícitas vendidas na farmácia a que alguns desses cavalheiros e damas estão acostumados enquanto criticam o mundo de suas janelas.
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