segunda-feira, 1 de junho de 2015

Um messias cem anos antes de Jesus







Os manuscritos do Mar Morto descrevem um ‘Mestre da Justiça’, anterior a Cristo

Nas cavernas de Qumrán, perto do Mar Morto, apareceram diversos manuscritos de enorme valor histórico. / HANS P. SZYSZKA (NA/NOVARC/CORBIS)

Quando o futuro imperador Tito destrói o Segundo Templo de Jerusalém, em 70 d.C., arrasa com os candelabros de sete velas e as trombetas de Jericó, destruindo também valiosas fontes documentais da Palestina. Aquele ano ergue-se na história como um muro de silêncio para os investigadores dos textos sagrados. O documento mais antigo depois dessa data já é do ano 200, o Mishná. Com a destruição de Jerusalém, desaparecem também descrições e muitas provas da biodiversidade de seitas judaicas que povoavam a Terra Santa antes do singular sucesso do judaísmo rabínico, do qual provém o atual, e de outra seita judaica, o cristianismo.

Sem ter ideia da magnitude do que fazia, um pastor beduíno derrubou esse muro numa tarde de 1947. Na companhia de outros pastores, parentes seus, Muhammed Ahmed al-Hamed queria proteger suas cabras dos perigos do deserto porque caía a noite sobre as areias de Judá. Aventurou-se a escalar a colina e prestou atenção em duas pequenas aberturas numa rocha. Como não podia passar por elas, jogou uma pedra lá dentro. Ouviu o barulho de uma cerâmica se espatifando. Precisava voltar ali quando pudesse, pois aquilo podia ser um tesouro. E era. O pastor descobriu a primeira das muitas grutas e vasilhas de barro onde se alojavam os Manuscritos do Mar Morto, um monumental conjunto de textos escritos por volta de 250 anos antes de Cristo – mais de mil anos mais velhos que os textos bíblicos considerados mais antigos até o momento de sua descoberta. Datavam de uma época em que a Bíblia ainda não era um texto unificado, e sim uma miríade de lendas e relatos dispersos.
A única carta que aparece, embora muitas vezes reproduzida, fala de um “Mestre da Justiça” enviado por Deus para guiar os judeus atingidos pelo cólera ao redor do ano 196 a.C.
Os mais recentes haviam sido redigidos cerca de cem anos antes do nascimento de Jesus de Nazaré. Um de cada quatro ou cinco dos 2.000 documentos encontrados correspondia a um texto bíblico: uma maravilha para saber se as Sagradas escrituras que tinham sobrevivido até o século XX eram fidedignas ou se as cópias haviam deturpado o seu sentido ao longo dos séculos.
O restante era formado por hinos e salmos, textos jurídicos, referências a tesouros... e alguns textos sectários que parecem descrever aquela que os pesquisadores chamaram de “seita de Qumrán”, em alusão nome do lugar onde apareceram. A única carta que aparece, embora muitas vezes reproduzida, fala de um “Mestre da Justiça” enviado por Deus para guiar os judeus atingidos pelo cólera ao redor de 196 a.C. Contra ele, ergue-se um “Homem de Mentiras” que o leva a fugir com seus seguidores para Damasco. “Ali, adotaram ‘uma nova aliança’ e ali [...] o corpo do Mestre foi ‘deixado’. Eles esperavam que retornasse como Messias ‘no fim dos dias’.
A história soa familiar? Esse relato se refere a um messias que apareceu antes de 196 a.C. e é obra do pesquisador bíblico norte-americano Hershel Shanks em seu apaixonante livro Para Compreender Os Manuscritos do Mar Morto (Imago). Alguns autores identificam essa seita com a dos essênios, à qual João Batista talvez pertenceu.
De alguns documentos, restam apenas fragmentos um pouco maiores que uma unha, mas ainda assim repletos de informação valiosa.
Apesar de seu valor, os documentos sofreram todo tipo de desventuras, deteriorando-se ao passar de mercador em mercador. Também sofreram nas mãos de acadêmicos descuidados. Algumas inscrições foram apagadas à luz do Sol após permanecer dois mil anos na sombra. De alguns, restaram apenas fragmentos um pouco maiores que uma unha, mas ainda assim repletos de informação valiosa.
O Livro de Isaías é o mais conservado dos Manuscritos do Mar Morto expostos no Santuário do Livro de Jerusalém. / MUSEO DE ISRAEL
Quem os deixou ali, no deserto? Para alguns estudiosos, como o arqueólogo francês Roland de Vaux, eles faziam parte de uma biblioteca inserida numa espécie de mosteiro. Talvez tenham sido guardados naquelas cavernas porque as pessoas conheciam seu valor e sabiam que os romanos eram uma ameaça. “Para os judeus, o nome de Yaveh é sagrado e não pode ser destruído. Há cerimônias para enterrar os rolos da Torá que, pelo desgaste do uso, já não podem ser lidos nas sinagogas”, afirma o diretor do Santuário do Livro de Jerusalém, Adolfo Roitman. Ele é o guardião de oito desses rolos, os de melhor conservação, que descansam protegidos nessa dependência do Museu de Israel. A joia é o Livro de Isaías, de mais de sete metros de extensão, que pode ser lido em versão digital de 1.200 megapixels. A tradução de alguns rolos está disponível em espanhol.
Até há pouco tempo, muitos deles não estavam disponíveis nem sequer aos pesquisadores. Tanto segredo “obsessivo”, como o define Shanks, parecia sinal de que os textos iriam contra “os dogmas fundamentais do cristianismo e do judaísmo”. O autor, para a decepção de conspiranoicos do estilo de Código Da Vinci, descarta essa teoria. Adolfo Roitman conforma-se em dizer que, pelo menos no museu, querem “evitar a dispersão desses documentos, que haja fácil acesso e que finalmente exista transparência”.

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