domingo, 7 de junho de 2015

Uma onda de tribos isoladas da Amazônia sai em busca de socorro

EL PAÍS - 

Uma mulher awá guajá repousa doente depois de romper seu isolamento em janeiro. /SURVIVAL INTERNATIONAL


“Contra o petróleo, [os anticapitalistas] criaram a figura do nativo selvagem não conectado; ou seja, desconhecido mas presumível, por isso milhões de hectares não devem ser explorados, e o petróleo peruano deve ficar debaixo da terra enquanto se paga no mundo 90 dólares por barril”, proclamou em 2007 o então presidente do Peru, Alan García. No mesmo ano, o presidente da estatal PeruPetro, Daniel Saba, foi ainda além: “É absurdo dizer que existem não contatados quando ninguém os viu”.
Ambos estavam equivocados ou mentiam. As últimas tribos isoladas do planeta estão saindo da selva e entrando em contato com as populações mais próximas, segundo uma pesquisa financiada pelo Centro Pulitzer para a Cobertura Informativa de Crise e publicada nesta quinta-feira na revista norte-americana Science. As aparições se multiplicam na mata tropical da fronteira entre Brasil e Peru.
No Brasil, a Fundação Nacional do Índio (Funai) entrou em contato com cinco tribos isoladas entre 1987 e 2013. Só nos últimos 18 meses, três grupos contataram os povoados próximos: os xinane, os korubo e os awá guajá. No Peru, o jornalista Andrew Lawler confirma na revistaScience outro punhado de contatos.
O Governo peruano, com Ollanta Humala à frente desde 2011, já não nega a existência de tribos isoladas. Nos últimos anos, destinou três milhões de hectares à criação de cinco reservas para manter esses grupos à margem do resto do mundo. A antropóloga peruana Beatriz Huertas, autora do livro Los pueblos indígenas en aislamiento [Os povos indígenas em isolamento], aponta as causas que podem estar empurrando essas tribos para fora da selva: os madeireiros ilegais, a mineração, as prospecções de gás e petróleo, os conflitos com outros grupos isolados, a falta de alimento e o tráfico de drogas do Peru, o maior produtor de coca do mundo, para o Brasil.

    Índios xinane durante um contato voluntário no Brasil, em junho de 2014. / FUNAI
“Aqui está ocorrendo algo mais, mas não há pesquisa suficiente para saber o que é”, reconhece Lorena Prieto, diretora de Povos Indígenas em Contato Inicial e Isolamento do Ministério da Cultura peruano. No ano passado, um grupo de indígenas mashco-piro abandonou seu refúgio na selva amazônica para aproximar-se da margem de um rio próximo ao povoado peruano de Monte Salvado. “Onde estão os caititus?”, perguntavam aos gritos. O caititu, ou porco-do-mato, é um de seus principais meios de subsistência nas profundidades da mata tropical.
No Peru vivem 8.000 indígenas isolados, segundo os cálculos de Huertas. A principal ameaça para eles é a transmissão de doençascontra as quais não têm defesas. As infecções chegam com madeireiros, mineiros, missionários, traficantes de droga e até mesmo jornalistas, segundo a pesquisa da Science. Na década de 1980, 350 membros de uma tribo isolada morreram de doenças contraídas no contato com trabalhadores da petroleira holandesa Shell, denuncia a antropóloga peruana. “Estamos no limiar de grandes extinções de culturas”, afirma Francisco Estremadoyro, diretor da ProPurus, uma organização dedicada a blindar a biodiversidade das nascentes amazônicas no sudeste peruano.
A pesquisa da Science expõe a falta de preparo dos governos do Brasil e Peru para enfrentar essa onda de contatos. “É impossível cobrir essa extensão territorial com nosso orçamento”, admite Prieto, que administra um milhão de dólares e uma reduzida equipe de 17 pessoas.

As doenças contraídas em um primeiro contato podem exterminar até 90% de uma tribo
Os mesmos problemas se repetem no Brasil. “A Fundação Nacional do Índio está morta”, sentencia o septuagenário explorador brasileiro Sydney Possuelo, que em 1987 fundou seu Departamento de Tribos Desconhecidas. Em 2014, o Governo de Dilma Rousseff aprovou um orçamento de 1,15 milhão de dólares (3,5 milhões de reais) para localizar e proteger os povos isolados, 20% do que pedia a Funai. A mesma soma foi destinada neste ano, desta vez 15% do solicitado.
Os especialistas entrevistados pela jornalista Heather Pringle acusam o Governo brasileiro de sobrepor o crescimento econômico aos direitos dos povos indígenas. Os dados também sugerem isso. Sem dinheiro, a Funai não pode coletar os dados necessários para demarcar legalmente as florestas reservadas aos grupos isolados.
Entre 1995 e 2002, o Governo de Fernando Henrique Cardoso ratificou 118 solicitações de terras por parte dos grupos indígenas. Entre 2003 e 2010, a equipe do presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou outras 81. Entre 2011 e 2015, Rousseff ratificou apenas 11, e só uma desde 2013. “O Governo vê os índios como um obstáculo ao agronegócio, à expansão da mineração e à extração de recursos naturais”, opina Antenor Vaz, outro veterano da Funai.
Nem a fundação nem o Ministério da Saúde brasileiro têm planos de contingência para agir com rapidez em caso de contato. Em junho do ano passado, um grupo isolado de índios xinane se aproximou do pequeno povoado de Simpatia. Fizeram um primeiro contato com uma tribo próxima e voltaram para a mata. Algum tempo depois, o pequeno grupo deixou o isolamento novamente. Um dos homens estava espirrando. Depois de algum tempo, já eram em 24 índios em contato. Muitos deles ficaram doentes. O Ministério da Saúde demorou quase uma semana para enviar um médico. 

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