Gustavo Villela
Dirigido ao povo brasileiro e aos governos, um manifesto lançado por um grupo de notáveis, em 1932, indicava a prioridade das prioridades do país: a educação. Ousado para a época e ainda atualíssimo oito décadas depois, o documento assinado por educadores, escritores e intelectuais chamava a atenção das autoridades e da sociedade para a necessidade de reformar o sistema educacional e investir na escola pública, obrigatória, essencial ao desenvolvimento do Brasil. Entre os pioneiros da educação nova, signatários do manifesto, estavam Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, Cecília Meirelles, Afrânio Peixoto, Roquette Pinto, Hermes Lima, Paschoal Leme e Lourenço Filho.
“Na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva em importância e gravidade ao da educação. Nem mesmo os de caráter econômico lhe podem disputar a primazia nos planos de reconstrução nacional”, dizia o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. Publicado na íntegra pelo jornal O GLOBO, em 28 de março de 1932, o documento afirmava que “é impossível desenvolver as forças econômicas ou de produção, sem o preparo intensivo das forças culturais e o desenvolvimento das aptidões à invenção e à iniciativa, que são os fatores fundamentais do crescimento de riqueza de uma sociedade”.
Divulgado em meio à reorganização do Estado brasileiro após a Revolução de 30, no governo de Getúlio Vargas, o manifesto contrariava a Igreja Católica da época, por defender também uma escola laica e gratuita. Responsáveis pela educação de tradição religiosa, voltada para a formação de uma elite intelectual, as ordens ligadas ao catolicismo mantinham colégios particulares em todo o país.
O documento — que se encaixaria na agenda de discussão de qualquer política pública atual — também pregava a necessidade de se criar uma escola de qualidade no Brasil, em sistema integral e acessível a todos, sem discriminação de classes ou de gênero. Para isso, era preciso investir nos professores, com “formação e remuneração equivalentes que lhe permitam manter, com eficiência no trabalho, a dignidade e o prestígio indispensáveis aos educadores”.
Três anos após o lançamento do manifesto e depois de ocupar o cargo de diretor da Instrução Pública do Distrito Federal (equivalente a secretário de Educação do Rio de Janeiro), Anísio Teixeira liderou a criação, em 1935, da Universidade do Distrito Federal. O projeto de Teixeira, então com 35 anos, foi inspirado num modelo de fomento à ciência e à tecnologia desenvolvido nos Estados Unidos, onde o educador estudara, nos anos 20, na Universidade Columbia (assim como o sociólogo e antropólogo Gilberto Freyre).
Na Universidade do Distrito Federal ensinavam prestigiados pesquisadores e artistas, como Villa-Lobos, Mário de Andrade e Portinari. Mas o sonho terminou durante a ditadura do Estado Novo (1937-1945), instaurado por Vargas. Contestada pelo ministro da Educação, Gustavo Capanema, a universidade acabou fechada por decreto, em 1939.
Nas décadas seguintes, porém, a utopia de Anísio Teixeira — autor da célebre frase “educação não é um privilégio, é um direito” — inspirou projetos educacionais espalhados pelo país, desde escolas de ensino básico até o nível superior. Com a ajuda dos educadores e intelectuais que também apoiavam as ideias de uma educação como base da democracia no país, Teixeira idealizou, por exemplo, a Universidade de Brasília (UnB), junto com Darcy Ribeiro. Conselheiro para assuntos de educação de Juscelino Kubitschek, o educador foi convidado pelo presidente para fazer o plano educacional da nova capital da República, criando então a UnB, em 1962, com uma estrutura defendida desde a experiência da Universidade do Distrito Federal, na década de 30.
Pioneiro. Anísio Teixeira diante da Escola Parque, projeto inovador em Salvador, em 50: educador defendeu ensino integral e incentivo à criatividade e à liberdade
Pioneiro. Anísio Teixeira diante da Escola Parque, projeto inovador em Salvador, em 50: educador defendeu ensino integral e incentivo à criatividade e à liberdade Arqui.