terça-feira, 2 de junho de 2015

Ex-marido visto como vilão


Regina Navarro Linsé psicanalista e escritora, autora de 11 livros sobre relacionamento amoroso e sexual, entre eles o best seller “A Cama na Varanda” e “O Livro do Amor”. Atende em consultório particular há 39 anos, realiza palestras por todo o Brasil e é consultora e participante do programa “Amor & Sexo”, da TV Globo. Nasceu e vive no Rio de Janeiro.


Ilustração: Lumi Mae
Ilustração: Lumi Mae

Comentando o “Se eu fosse você''

A questão da semana é o caso do homem que decidiu se separar, e sua mulher, por vingança, o impede de se relacionar com os filhos. Além disso, passa para as crianças a ideia de que o pai é um mau-caráter, o vilão da história.
A vilania é um aspecto humano que chega a todos nós mais pela ficção do que pela realidade. Para o grande público brasileiro, as novelas de TV são a vitrine da vilania. O vilão da vez foi o interpretado por Mateus Solano em “Amor à Vida”, mas existem vários outros. Na vida real, muitas vezes os vilões são criados. Após, por exemplo, uma separação. O caso relatado pelo internauta não é raro. Um grande número de pais perdem contato com seus filhos por causa das restrições e dificuldades impostas pelas mães, principalmente quando elas não desejavam a separação.
Apesar de o divórcio ser, muitas vezes, a melhor opção não deixa de ser um período bastante difícil. Quando alguém deixa de ser amado é tomado por uma profunda angústia e tristeza. A maioria das pessoas só se sente valorizada, especial, com certeza de possuir qualidades, se tiver um parceiro amoroso. Mesmo que o parceiro não satisfaça nem preencha suas necessidades afetivas e sexuais, a separação é dolorosa porque impõe o rompimento da fantasia do par amoroso, tão cultivada por todos.
No caso de uma separação conjugal há ainda uma agravante: a sensação de fracasso, já que desde criança todos aprendem que o casamento é o lugar onde uma pessoa pode se realizar afetivamente. Acrescente-se a isso a baixa autoestima que ocorre nessas situações e as inseguranças pessoais que reaparecem. O resultado são separações em que a hostilidade e o ódio pelo outro chegam a níveis extremos. E isso pode ocorrer com qualquer um, independente do sexo.
O outro aspecto, que já devia estar sendo discutido mais amplamente, é a situação do homem atual. Durante milênios as mulheres perceberam o homem do mesmo modo como ele aprendeu a se definir: um ser privilegiado, acreditando ser mais forte, mais corajoso, mais decidido, mais responsável, mais criativo e mais racional. Claro que isso serviu bem para justificar a dominação da mulher por tanto tempo. Contudo, de 40 anos para cá, as mulheres começaram a exigir o fim da distinção dos papéis masculinos e femininos, e a certeza do homem superior à mulher foi abalada.
Diante dessa nova mulher desconhecida, muitos homens passaram a questionar a identidade masculina, desejosos de se libertar desses papéis tradicionais a eles atribuídos. Não mais subjugados ao mito da masculinidade, acreditando na igualdade entre os sexos, buscam uma vida afetiva com suas parceiras livres de obrigações e cobranças, que só servem para impedir uma relação verdadeira com elas. Mas nem todas as mulheres se deram conta disso.
Muitas continuam alimentando a mesma forma de pensar e agir de sempre: a mulher é frágil, desamparada, necessitando desesperadamente de um homem ao lado, que lhe dê amor e proteção e, mais do que tudo, que dê um significado à sua vida. Ao mesmo tempo em que qualquer homem é visto como perigoso, sempre disposto a enganar.
Dentro dessa ótica, a separação é percebida como um ataque, merecendo, portanto, ser revidado. O simples fato de um homem não desejar mais a continuidade do casamento o transforma de imediato no déspota opressor, tão conhecido na história do patriarcado. Afinal, o que mais poderia se esperar de um homem? Com os estereótipos masculinos falando mais alto, surge o desejo de vingança. E para que ela tenha êxito, não se pode aceitar que a meta de todos deveria ser a busca de uma vida realmente satisfatória.
É certo que a mudança das mentalidades demora algumas vezes mais de cem anos para se concretizar, mas isso não importa, desde que se abra um espaço definitivo para a autonomia de homens e mulheres. Enquanto isso, sorte de quem tem coragem para aproveitar este momento, em que, felizmente, a culpa e os sacrifícios estão sendo substituídos pela possibilidade de prazer

Nenhum comentário: