segunda-feira, 1 de junho de 2015

Yasmin Thayná(KBELA): “O negro é o único indivíduo no Brasil que precisa se assumir enquanto sua própria raça/etnia.” Leia a matéria completa em: Yasmin Thayná(KBELA): “O negro é o único indivíduo no Brasil que precisa se assumir enquanto sua própria raça/etnia.” - Geledés http://www.geledes.org.br/yasmin-thaynakbela-o-negro-e-o-unico-individuo-no-brasil-que-precisa-se-assumir-enquanto-sua-propria-racaetnia


Yasmim Thayná – roteirista e diretora do filme KBELA

Já imaginou assistir um filme onde a atriz principal é negra, mora na baixada fluminense e passou por um processo de ‘enbranquecimento’ durante toda a sua vida, mas que ainda assim decidiu se libertar, assumindo o seu cabelo crespo natural e indo contra todos os padrões sociais impostos e contra o próprio racismo? Se identificou? Se você for negra, provavelmente sim. Este filme está prestes a se tornar real, a previsão é ser lançado agora em agosto, tem roteiro e direção de Yasmim Thayná, que conversou comigo sobre este projeto maravilhoso que é o KBELA.

Yasmim em ação com atrizes de KBELA Foto: Aline Dara Onawale

Yasmim em ação com atrizes de KBELA Foto: Aline Dara Onawale

Sabrinah Giampá – Fale sobre o filme KBELA, como foi concebido?
Yasmim Thayná- O KBELA começou a ser desenhado a partir do conto Mc K_bela,que narra a história de uma menina negra, moradora da baixada Fluminense, que passou por um processo de enbranquecimento durante a sua vida, e decidiu se libertar deixando seu cabelo natural, sem nenhum tipo de interferência química. Essa foi a maneira que ela achou para se sentir bonita, poder olhar para si sem qualquer estranhamento. O texto foi publicado pela editora Aeroplano. Além disso, uma atriz e um diretor de teatro do Rio me ligaram pedindo para adaptar o conto para um monólogo. Eu aceitei, claro, e eles apresentaram o monólogo no festival de teatro home Theatre e também em outros festivais de teatro. A atriz e o diretor que realizaram o monólogo aproveitaram o ensejo do festival Home Theatre, que apresenta peças de teatro na casa de pessoas, e fizeram apresentações exclusivas em casas do Rio de Janeiro. As pessoas ligavam para eles e eles iam na casa da pessoa apresentar para os donos da casa e os convidados. Foram em mais de 30 casas!

Atrizes do filme KBELA: Dandara Raimundo, Isabel Martins Zua, Lívia Laso, Daí Ramos. Foto: Alile Dara Onawale
Atrizes do filme KBELA: Dandara Raimundo, Isabel Martins Zua, Lívia Laso, Daí Ramos. Foto: Alile Dara Onawale
KBELA começou a ser desenhado a partir do conto Mc K_bela, que narra a história de uma menina negra, moradora da baixada Fluminense, que passou por um processo de enbranquecimento durante a sua vida, e decidiu se libertar deixando seu cabelo natural, sem nenhum tipo de interferência química. Essa foi a maneira que ela achou para se sentir bonita, poder olhar para si sem qualquer estranhamento.
E ainda sobre o filme: No início do ano de 2013, eu, Debora Dantas, Erica Magni, Luana Dias, Saulo Martins, Felipe Drehmer e Bruno F. Duarte decidimos fazer o filme. Realizamos uma chamada pública na internet convocando atrizes e não atrizes negras para participarem de um vídeo inspirado no meu conto. Os critérios eram: topar participar de uma produção independente – leia-se sem grana – e ter alguma história parecida com a da K-bela para contar. Em três dias, mais de 100 mulheres de todo o Brasil responderam à convocação contando suas histórias e manifestando interesse em participar do filme.

Equipe KBELA Foto: Alile Dara
Equipe KBELA Foto: Alile Dara

Com o coração na mão, e sem um centavo na planilha de orçamento, deixamos de fora da seleção todas as que moravam fora do Rio de Janeiro. Conversamos e propomos desafios cênicos para as futuras K_belas. Escolhemos sete mulheres incríveis, entre atrizes e não atrizes, que estão com a gente na missão de realizar este curta metragem que busca refletir sobre o lugar da mulher negra na sociedade contemporânea, os atuais padrões de beleza, sua expressão, autoimagem e identidade.

Sabrinah Giampá- Como foi o encontro com as Kbelas?
Yasmim Thayná- Quando elas chegaram, vimos a necessidade de fazer um filme, mais encorpado e tudo. O encontro foi mágico, como são a maioria dos encontros entre mulheres negras. É muita história. E naquele momento eu vi o quanto era necessário escrever um roteiro. Depois do teste de elenco, foi desenvolvido um roteiro a partir de uma pesquisa de imagem feita coletivamente. Eu juntei essas imagens e escrevi um roteiro. Sete meninas ficaram conosco desse elenco, muitas delas tiveram que sair do projeto por conta de outros trabalhos, tempos incompatíveis. Mas hoje,
oKBELA tem um elenco de nove.


Maria Clara Araújo, atriz de KBELA Foto: Alile DAra Onawale

Maria Clara Araújo, atriz de KBELA Foto: Alile DAra Onawale
Escolhemos sete mulheres incríveis, entre atrizes e não atrizes, que estão com a gente na missão de realizar este curta metragem que busca refletir sobre o lugar da mulher negra na sociedade contemporânea, os atuais padrões de beleza, sua expressão, autoimagem e identidade.
Sabrinah Giampá – Qual foi a sua inspiração para compor este filme?
Yasmim Thayná- KBELA é um filme inspirado na linguagem do filme Alma no Olho, do grande e importante cineasta negro brasileiro Zozimo Bulbul. Quando vi esse filme pirei, o cara fez o que fez no filme quando eu não era nem nascida. Zozimo era um grande inventor, um grande articulador de linguagem cinematográfica. Ele já hackeava antes mesmo da internet chegar no Brasil. Era um verdadeiro hacker, no sentido de combinar coisas, de reinventar, de hackear mesmo o cinema caretão, sabe?
Thamyris Capela, atriz de KBELA Foto: Alila Dara Onawale
Thamyris Capela, atriz de KBELA Foto: Alila Dara Onawale
Um número bastante considerável e importante de mulheres que estão vendo seus cabelos crescerem pela primeira vez naturais e que expõem isso, o que eu acredito que rola um encorajamento, um estímulo. Não é fácil esse processo para nenhuma de nós. A gente precisa de força uma da outra, seja pelo YouTube, seja em outras esferas da vida.
Sabrinah Giampá- Você acredita que já existe um movimento forte de valorização do crespo natural no Brasil?
Yasmim Thayná- Existe sim um movimento grande na internet através dos blogs e páginas, e até empreendimentos, que ajudam esse movimento. Um número bastante considerável e importante de mulheres que estão vendo seus cabelos crescerem pela primeira vez naturais e que expõem isso, o que eu acredito que rola um encorajamento, um estímulo. Não é fácil esse processo para nenhuma de nós. A gente precisa de força uma da outra, seja pelo YouTube, seja em outras esferas da vida.

Sabrinah Giampá – Acredita que existe uma cultura de um padrão de beleza que cultua os cabelos longos e lisos? Como isso afeta a autoestima de mulheres e crianças negras e contribui para a escravidão dos alisamentos?
Yasmim Thayná- Existe, porque a mídia (TV principalmente), sobretudo a comunicação, pauta nossas relações sociais, nossos gostos e direciona nosso consumo, nosso humor, e nossas preferências. A gente cresce se entupindo de Barbie e Ken durante a infância, chega na adolescência e fica vislumbrando os colírios da Revista Capricho, todos loiros de olhos azuis e brancos, assim como as meninas que aparecem nos comerciais, contribuindo em tudo para você ser lisa e loira, os fracos de xampu estampam: a alta moda é ter os cabelos menos volumosos, a alta moda é ter cabelos lisos. Acho que isso explica, né?

Sara Hana, atriz de KBELA Foto: Alile Dara Onawale
Sara Hana, atriz de KBELA Foto: Alile Dara Onawale
O negro é o único indivíduo no Brasil que precisa se assumir enquanto sua própria raça/etnia. É o único indivíduo que passa por um momento em que ‘se descobre’ enquanto negro. Isso não existe para as pessoas brancas porque elas nunca tiveram sua cultura tomada. Os seus privilégios são dados desde que nascem.


Sabrinah Giampá- Assumir o cabelo crespo é um ato político, porquê?
Yasmim Thayná – Político por tudo que eu escrevi ali em cima e sobretudo porque você escolhe resgatar uma história que lhe foi tirada. Tem a ver com reconstrução da identidade. O negro é o único indivíduo no Brasil que precisa se assumir enquanto sua própria raça/etnia. É o único indivíduo que passa por um momento em que ‘se descobre’ enquanto negro. Isso não existe para as pessoas brancas porque elas nunca tiveram sua cultura tomada. Os seus privilégios são dados desde que nascem. Gostar de ser negro numa sociedade que o nega, usando ferramentas do Estado (a polícia, por exemplo), usando ferramentas públicas de comunicação e representando o negro como submisso, com baixa autoestima, como servil, é claro que isso é um ato completamente político.

Thamyris Capela, atriz de KBELA Foto: Alile Dara Onawale
Thamyris Capela, atriz de KBELA Foto: Alile Dara Onawale
Tive em contato com mulheres em depressão porque o namorado a largou quando ela tirou o aplique. É uma anulação, né? Você já imaginou ser abandonada por causa do seu cabelo? De certa forma o episódio também se repete quando se chega numa entrevista de emprego e quem te entrevista diz que você não pode trabalhar lá com ‘esse cabelo’.
Sabrinah Giampá – Como o preconceito afeta a vida destas mulheres e o empoderamento gerado por assumir o cabelo natural e a própria raça podem ajuda-las a superar estas adversidades?
Yasmim Thayná – Tive em contato com mulheres em depressão porque o namorado a largou quando ela tirou o aplique. É uma anulação, né? Você já imaginou ser abandonada por causa do seu cabelo? De certa forma o episódio também se repete quando se chega numa entrevista de emprego e quem te entrevista diz que você não pode trabalhar lá com ‘esse cabelo’ ou até mesmo quando você não é convidada para participar de reuniões e apresentações, enquanto seus colegas todos participam, e você só cumpre tarefas, só executa. Isso também é um processo de anulação. As pessoas se incomodam mesmo. Onegro é uma força da natureza, é exuberância, é beleza que escorre por todos os lados. Um sorriso de um pretinho ou uma pretinha é capaz de derrubar estruturas (risos), é um negócio bonito. O corpo do negro incomoda. Hoje vejo um movimento interessante que está rompendo com isso e é exatamente esse movimento que tem feito muitos negros gostarem de serem negros, porque o gostar implica em vários fatores. Você passa a pensar que você é capaz de fazer coisas, de falar do seu lugar, de escrever, de ir pra faculdade, de ter uma vida melhor, você se sente mais seguro. Acho que ajuda nisso também, e, claro, numa luta antiracista. Toda vez que uma pessoa se levanta para anular um racista ela está contribuindo para a luta contra o racismo com o seu corpo, com sua voz. Passar por uma situação de racismo numa sala de aula e falar isso na internet é importante. O caso da Gabi Monteiro, por exemplo, estudante de moda da PUC-Rj, que foi e falou, ganhou imprensa no caso. Hoje noto como os professores lá estão ligados que ninguém vai ficar mais calado. Que as pessoas estão falando e estão sendo ouvidas.


Se interessou pelo filme? Assista o teaser:





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