17 de janeiro de 1976: O assassinato de Manuel Fiel Filho
| Enviado por: Lucyanne Mano
Eram 9 horas da manhã de uma sexta-feira, quando dois indivíduos, numa caminhonete bege, pararam em frente à Metal Arte Industrial Reunidas, na zona leste da capital paulista e, identificando-se como agentes do DEOPS dirigiram-se ao encarregado do Departamento de Pessoal da empresa, em busca de Manuel Fiel Filho, empregado há 19 anos - encarregado do setor de prensas hidráulicas, informando urgência em contactá-lo. Cinco minutos depois, de uniforme em brim azul, estava diante deles o funcionário, que havia chegado às 7h ao trabalho.
Os agentes pediram que Manuel os acompanhasse para prestar um esclarecimento. Segundo o chefe do Departamento de Pessoal, Manuel estava tranquilo e antes de acompanhar os agentes fez uma única pergunta: "Será preciso eu trocar de roupa ou posso ir assim mesmo"? E ouviu a seguinte resposta de um deles: "Pode ir assim mesmo, que logo você estará de volta".
De lá, os três seguiram para a casa de Manuel, também na zona norte de São Paulo, onde estavam sua esposa e filhas. Sem nada explicá-las, apenas recomedaram: "Ninguém deve falar nada com ele". E começaram a revistar o domicílio. Ao final das buscas, permitiram que Manuel ficasse a sós com a família por alguns instantes, mas ao ser questionado pela esposa, apenas a abraçou e disse: "Não se preocupe, nega, que eu não vou demorar". Em seguida, Manuel e os policiais entraram no carro e deixaram o local.
Manuel Fiel Filho não foi mais visto.
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MANOEL FIEL FILHO
A Agência Central do Serviço Nacional de Informações – SNI -, para imediato conhecimento do Chefe do SNI, aos 19 de janeiro de 1976, produz Informação, que se constitui em Relatório recebido do II Exército, sobre fato acontecido no DOI/CODI do II Exército.
Narra que, a partir de investigação sobre o Partido Comunista Brasileiro – PCB – foi preso Sebastião de Almeida em 15 de janeiro, que apontou como seu contato: Manoel Fiel Filho.
Manoel Fiel Filho foi detido na manhã do dia seguinte, 16; conduzido à sua residência, onde se procedeu a busca e apreensão.
Levado ao DOI/CODI, o Relatório consigna que:
“Às 08.30 hs. de 17 jan 76, o nominado foi interrogado, tendo sido recolhido de volta ao xadrez às 10.30 hs. Às 11.00 hs., Manoel foi novamente retirado do xadrez, face a necessidade de acareá-lo com seu contato Sebastião de Almeida. Na acareação ficou comprovado ter Manoel mentido quando declarou anteriormente que recebia apenas um exemplar do jornal Voz Operária, de Sebastião de Almeida, o qual declarou fornecer a Manoel oito exemplares do citado jornal, mensalmente.”
Registra-se que a acareação durou 15 minutos, findos os quais Manoel foi novamente recolhido ao cárcere.
Prossegue o Relatório:
“Às 12.15 hs., aproximadamente, o carcereiro de serviço, ao fazer a costumeira verificação dos presos, viu Manoel sentado no interior do xadrez, apresentando, como se deu desde o início de sua prisão, estar absolutamente tranqüilo. Já às 13.00 hs., quando o oficial de permanência encontrava-se no refeitório, foi cientificado pelo carcereiro de serviço que Manoel Fiel Filho suicidara-se no xadrez, utilizando-se de suas meias, que atou ao pescoço, estrangulando-se.”
O Relatório anotando, em continuação, que Manoel Fiel Filho residia, com seus familiares na periferia e “em área de atuação do Cardeal D. Paulo Evaristo Arns”, expressamente admitiu que:
“considerando o método de enforcamento usado, que não caracteriza de maneira geral o suicídio, o Cmt. Do II Exército, na manhã de hoje, determinou a prisão incomunicável dos elementos da equipe de interrogatório (1 Ten. PM, 2 delegados e 2 investigadores da Polícia civil ).”
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Disse, ainda, o Relatório:
“O Cmt. Ex. inicialmente designou um oficial do QG para proceder a uma sindicância. No entanto, por sugestão do Min. Do Exército, instaurou-se IPM, designado como encarregado o Cel. Alexander, Ch EM/2. Determinou também ao General Marques Ch EM II Ex, que face ao fato, antecipasse a reorganização do DOI/CODI/II Ex. Até o presente momento a imprensa ignora o assunto.”
Consta, também, da ACE nº 15.413 – tomo 13 – fonte dessa evidência, encontrada na página 3, em pesquisa no Arquivo Nacional, outro documento, na página 2, que é manuscrito, em papel timbrado da República Federativa do Brasil, sem assinatura, destacando em tópicos os seguintes registros:
“- Cmt II Ex tinha designado o Cel. Charmiaut para proceder sindicância. Entretanto, por det. M. Ex. mandou instaurar IPM, cujo encarregado será oficial não representante do QG II Ex, possivelmente o Cel. Alexander, Ch. EM 2ª DE
- Cmt II Ex det. Ao Gen. Marques, Ch. EM II Ex imediata reorganização do DOI/CODI/II Ex
- Imprensa até momento ignora fato ( ainda não se manifestou )
- Gen. Ednardo mostra-se muito preocupado, contrariado e constrangido, particularmente pela intervenção do Governador de S. Paulo ( lembrou o Gen. Marques que qdo. foi solicitado IML, foi dito que tão logo tivesse uma informação concreta, o Governador seria informado )
( Informação recebida às 11.45 hs de 19 de janeiro do chefe da AC/SNI pelo ch. SNI ).”
A conclusão claríssima é que aos 17 de janeiro de 1976, o operário Manoel Fiel Filho foi morto, mediante tortura, pela equipe de interrogatório, composta de 1 tenente PM; 2 delegados e 2 investigadores da Polícia civil do Estado de S. Paulo, pertencente ao DOI/CODI do II Exército, local em cujas dependências aconteceu a morte de Manoel Fiel Filho.
Seus carcereiros atestaram a tranqüilidade de ânimo de Manoel Fiel Filho por todo o período em que preso estava – já por um dia -, enfatizando-a até nos 45 minutos que antecederam a descoberta de seu corpo.
Como justificar-se a intervenção do próprio Ministro do Exército?
Como justificar-se a determinação do Comandante do II Exército no sentido da imediata prisão, em regime de incomunicabilidade, de todos os componentes da equipe de interrogatório?
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Como justificar-se a determinação do Ministro do Exército no sentido da imediata reorganização do DOI/CODI/II Exército?
Por que o general Ednardo, comandante do II Exército, é acometido de estado de preocupação, contrariedade e constrangimento, dada a intervenção do Governador do Estado de S. Paulo?
Reitera-se: essa documentação secreta, advinda dos próprios serviços do Estado Ditatorial militar, é a comprovação eloqüente da morte do operário Manoel Fiel Filho, nas dependências de unidade militar, por agentes públicos, que conspurcaram o nome das Instituições a que serviam.
Resta, também, amplamente corroborado, e reforçado ante essa documentação, fica reiterado, secreta e emanada dos próprios serviços do Estado ditatorial militar, o quadro já traçado em literatura, e mesmo oficial, a propósito da morte de Manoel Fiel Filho.
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