Por Luciano Martins Costa
[programa conduzido por Luiz Egypto]
Mais uma semana termina e mais uma vez o projeto do Marco Civil da Internet não consegue ser votado no plenário da Câmara dos Deputados. Desta feita, a proposta relatada pelo deputado Alessandro Molon, do PT do Rio, encontrou-se sob o fogo cruzado da crise instalada na base aliada do governo na Câmara. O apetite do PMDB e o descontentamento com a partilha de cargos federais provocaram a rebelião que adiou pela enésima vez a apreciação do projeto.
Esta novela tem um enredo extenso. A trama começou a se armar sete anos atrás, quando o professor Ronaldo Lemos, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, produziu um documento contrário a um projeto de lei que à época circulava no Congresso Nacional, de autoria do então deputado Eduardo Azeredo, do PSDB mineiro. Com a intenção de combater os crimes que já pululavam na rede, a proposta de Azeredo tipificava um leque tão amplo de delitos que chegou a receber o apelido de AI-5 da internet.
O projeto de Azeredo foi para o limbo e, em contrapartida, o Brasil assistiu a um dos processos mais inovadores do mundo no tocante à discussão sobre a governança da internet. Em vez de regular o acesso e os serviços da grande rede a partir de um foco criminal, a intenção agora era a de fazê-lo do ponto de vista civil, por meio de uma espécie Carta de Direitos do internauta, uma Constituição da internet.
Por iniciativa da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, com a chancela da Presidência da República e apoio tecnológico da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas, no fim de outubro de 2009 foi lançada uma plataforma para a construção colaborativa de um Marco Civil da Internet no Brasil. Era bem mais do que uma simples consulta pública, mas um espaço virtual aberto ao debate sobre os projetos que então se gestavam. Esta fascinante experiência redundou no projeto de lei nº número 2.126, enviado pela presidente Dilma Rousseff à Câmara dos Deputados em agosto de 2011.
Economia digital
O texto do projeto foi exaustivamente discutido nas Comissões da Câmara e também na sociedade, sobretudo por intermédio da mídia jornalística. O relatório a que chegou o deputado Alessandro Molon apontava para uma legislação moderna, democrática e, sem falso ufanismo, um exemplo para o mundo. Mas a tramitação não evoluía.
A proposta entrou no ramerrão dos procedimentos legislativos e ganhou súbita notoriedade quando explodiram as denúncias do ex-analista da CIA, Edward Snowden. Pela primeira vez havia prova cabal da bisbilhotagem promovida pela Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos sobre pessoas, empresas e governos estrangeiros. No Brasil, o caldo entornou quando se descobriu que a Petrobras fora espionada e telefones da Presidência da República, grampeados.
Constrangido com o teor das denúncias, o governo federal pediu à Câmara agilidade na tramitação do Marco Civil. Em setembro do ano passado, o projeto entrou em regime de urgência constitucional
Eis que surge nessas discussões um ator que não havia participado do amplo debate aberto em 2009, mas que agora age como desenvoltura nas negociações intestinas do Congresso Nacional. São as empresas de telecomunicações. O ponto central de suas demandas com relação ao projeto de lei está na chamada neutralidade da rede. Isto é, as teles querem alterar o princípio segundo o qual todos os internautas podem ter acesso a qualquer tipo de conteúdo, com a mesma velocidade e pelo mesmo preço. A premissa existente desde o nascimento da internet é que o acesso há que ser universal, aberto, sem restrições, com livre concorrência entre produtores de conteúdo.
Numa sociedade cada vez mais conectada, que caminha a passos largos para uma economia digital, o direito a padrões aceitáveis de conectividade deixou de ser um sonho tecnicista para converter-se em um direito fundamental. Na redação do projeto, as teles foram contempladas com a possibilidade de tarifar a velocidade contratada e estabelecer limites de tráfego de dados. Mas daí a fazer cobranças diferenciadas pelo tipo de conteúdo acessado vai uma enorme distância.
Para evitar uma provável derrota em plenário, na quarta-feira o governo retirou o projeto da pauta. A depender dos desdobramentos das próximas semanas, o Marco Civil pode ir para as calendas. Ou seja, para depois das eleições.
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