sábado, 29 de março de 2014

SAKAMOTO SE ENVERGONHOU DE SER HOMEM. EU ME ENVERGONHO DE VER A PARTICIPAÇÃO DA MULHER NESTA PESQUISA: 66,5%


Pesquisa do Ipea: Maioria acha que “se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros”


FOTO DE EDSON MAGOOLIN







SIPS revela percepções sobre a violência contra a mulher

Maioria dos consultados pelo Ipea acredita que comportamento feminino pode induzir ao estupro

do site do IPEA

Realizada entre maio e junho de 2013, uma nova rodada da pesquisa SIPS/Ipea (Sistema de Indicadores de Percepção Social) divulgada nesta quinta-feira, 27, revelou que 91% dos brasileiros defendem, totalmente ou parcialmente, a prisão para homens que batem em suas companheiras. A tendência em concordar com punição severa para a violência doméstica ultrapassa as fronteiras sociais, com pouca variação segundo região, sexo, raça, idade, religião, renda, ou educação: “78% dos 3.810 entrevistados concordaram totalmente com a prisão para maridos que batem em suas esposas”, afirma o documento.

No entanto, esses dados não permitem pressupor um alto grau de intolerância da sociedade brasileira à violência contra a mulher. Quase três quintos dos entrevistados, 58%, responderam que “se as mulheres soubessem se comportar, haveria menos estupros”. Quando a questão é se “casos de violência dentro de casa devem ser discutidos somente entre os membros da família”, 63% concordaram, total ou parcialmente. Da mesma forma, 89% dos entrevistados concordaram que “a roupa suja deve ser lavada em casa”; e 82% que “em briga de marido e mulher não se mete a colher”.

De acordo com os autores do estudo, as percepções manifestadas indicam que a população ainda “adere majoritariamente a uma visão de família nuclear patriarcal, ainda que sob uma versão moderna”. Assim, “embora o homem seja ainda percebido como o chefe da família, seus direitos sobre a mulher não são irrestritos, e excluem as formas mais abertas e extremas de violência”.

Rafael Osorio, diretor de Estudos e Políticas Sociais do Ipea, explicou que outras formas de violência estão sendo percebidas pela população. “Existe atualmente uma rejeição da violência física e simbólica – xingamentos, tortura psicológica –, no entanto, 42% das pessoas acreditam que a mulher é culpada pela violência sexual”, afirmou. Outro fator que chama a atenção são os casos de estupro dentro do casamento. “27% das pessoas concordam que a mulher deve ceder aos desejos do marido mesmo sem estar com desejo, e esse é um dado perigoso.”

Variações

Inspirado numa grande pesquisa nacional realizada na Colômbia, em 2009, que investigou aspectos relacionados aos hábitos, atitudes, percepções e práticas individuais, sociais e institucionais no que diz respeito à violência de gênero, o SIPS também buscou outras opiniões relacionadas à questão da discriminação e do sexismo.

Em um sentido mais geral, 50% dos respondentes concordaram total ou parcialmente com a afirmação “casais de pessoas do mesmo sexo devem ter os mesmos direitos dos outros casais”. Entretanto, diante de uma formulação mais incisiva, de que “o casamento de homem com homem ou de mulher com mulher deve ser proibido”, mais da metade, 52%, concordaram com a proibição.

Quando a situação é ainda mais concreta, de explicitação de uma relação homossexual em público, a oposição cresce: mais de 59% concordam total ou parcialmente que “incomoda ver dois homens, ou duas mulheres, se beijando na boca em público”.

Contribuições

Estiveram presentes ao debate a secretária de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, Aparecida Gonçalves, a técnica de Planejamento e Pesquisa do Ipea Natália Fontoura, e Nina Madsen, do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFMEA), que fez a apresentação Entraves Institucionais ao Enfrentamento da Violência contra as Mulheres: construindo diagnósticos.
Aparecida Gonçalves explicou que mesmo com a Lei Maria da Penha o número de mulheres assassinadas com boletim de ocorrência registrado ainda é alto, e por isso “todas as políticas públicas existentes devem ser preparadas para atender as mulheres”. Segundo ela, “temos apenas 521 delegacias especializadas para atender mulheres no Brasil, o que é pouco”.

Lourdes Bandeira, secretária-executiva da Secretaria de Políticas para as Mulheres, fez os comentários finais. Ela disse que a violência doméstica é um tema delicado e que deve ser tratado com afinco. “Tratar a violência doméstica é tratar o espaço, porque ele revela as relações de intimidade e privacidade. Isso tanto para a violência física quanto sexual”, concluiu.

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O texto completo da pesquisa Tolerância social à violência contra as mulheres tem 39 páginas (na íntegra, ao final destepost).

Destacamos aqui as páginas 23 e 24, que dizem respeito aos gráficos 24 e 25, publicados no topo:

A culpabilização da mulher pela violência sexual é ainda mais evidente na alta concordância com a ideia de que “se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros” (58,5%). Por trás da afirmação, está a noção de que os homens não conseguem controlar seus apetites sexuais; então, as mulheres, que os provocam, é que deveriam saber se comportar, e não os estupradores. A violência parece surgir, aqui, também, como uma correção. A mulher merece e deve ser estuprada para aprender a se comportar. O acesso dos homens aos corpos das mulheres é livre se elas não impuserem barreiras, como se comportar e se vestir “adequadamente”.

Essa frase também é relevante por apresentar variações significativas segundo algumas características. Mais uma vez, residentes do Sul/Sudeste e jovens têm menores chances de concordar com a culpabilização do comportamento feminino pela violência sexual, que também são menores inversamente ao nível educacional dos entrevistados.

Contudo, chama atenção o fato de que católicos têm chance 1,4 vez maior de concordarem total ou parcialmente com essa afirmação, e evangélicos 1,5 vez maior.

A diferença de postura de tolerância/intolerância à violência doméstica e à violência sexual reafirma mais uma vez a dificuldade de se estabelecer no Brasil uma agenda de direitos sexuais e de direitos reprodutivos e uma visão de que os corpos das mulheres a elas pertencem. Neste sentido, demandas feministas presentes há décadas ainda são bastante atuais em nosso país, e a permanência de ideias tão avessas a uma perspectiva de direitos humanos, apesar de confirmarem estudos qualitativos e percepções gerais sobre o ambiente social, ainda causam espanto.

Das 3.810 pessoas ouvidas nesta pesquisa, 66,5% são mulheres. Os homens representam 33,5% da amostra.

Pesquisa SIPS/ Ipea: Tolerância social à violência contra as mulheres by conceicaolemes

Viomundo – O que você não vê na mídia.

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