Advertência do velho e sábio presidente do Uruguai: “A pior doença para um país é as pessoas não acreditarem mais em seu governo”Ricardo Setti
A revista semanal do jornal madrilenho El País encomendou ao grande escritor espanhol Juan José Millás, autor de três dezenas de romances, relatos e livros de reportagens, um longo perfil do presidente do Uruguai, José “Pepe” Mujica.
Sim, o ex-integrante do grupo terrorista-guerrilheiro Tupamaros que passou 15 anos na cadeia, sofreu as mais inimagináveis torturas — chegou a comer papel higiênico, sabão e moscas ao sentir-se morrer de fome em sua cela — e hoje, aos 80 anos, eleito por uma frente de partidos de esquerda, é um pacato chefe de governo sem ressentimentos contra ninguém, que dirige ele mesmo um fusquinha velho, mora em uma casa quase miserável de quatro cômodos numa chácara próxima a Montevidéu (que Millás visitou), doa 80% de seu salário a projetos sociais e abençoa os investimentos estrangeiros e a democracia liberal.
Ele concedeu, há tempos, uma entrevista às páginas amarelas de VEJA que desconcertou os “esquerdistas” brasileiros ao defender o enxugamento do funcionalismo público e outros itens supostamente “neoliberais” de governo.
Na revista de El País, já no final da reportagem, quando Millás e o presidente estão em Colonia del Sacramento, a cidade de onde se tomam os velozes aliscafos (espécie de ferry-boats que deslizam sobre grandes esquis) em direção a Buenos Aires, o escritor descreve a seguinte cena:
“Terminamos a tarde (…) tomando uma cerveja no terraço de uma cafeteria. A partir deste instante, Mujica se converte em propriedade da gente que se acerca dele, beija-o, toca-o, pergunta-lhe sobre Manuela (a cachorrinha do presidente que perdeu uma perna), pede-lhe que resolva isso e aquilo. Mujica pega o telefone e chama aqui e ali. Parece que levou seu gabinete para fora do palácio do governo. A mesa da cafeteria se converte em instantes numa mesa de despachos, onde o presidente toma nota de todos os pedidos”.
E aí vem a parte que considero mais importante e que justificou, para mim, este post. O que o presidente diz ao escritor:
– É muito importante dessacralizar a Presidência — dirá depois. — Isso tem um sentido político: acentuar o republicanismo. A distância dos políticos com as pessoas comuns está criando muito descrédito. E a pior doença [para um país] é as pessoas não acreditarem mais em seu governo. Quando as pessoas dizem: “são todos iguais”. Pois não, não são!
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