domingo, 23 de março de 2014

NUNCA MAIS! MORTOS E DESAPARECIDOS.

Ditadura: militar diz que arrancava dedos, dentes e vísceras de preso morto

Mário Magalhães
MAIS UM MONSTRO DECLARADO: PAULO MALHÃES

Em um dos mais importantes e verossímeis depoimentos já prestados por agentes da ditadura (1964-85), o coronel reformado Paulo Malhães afirmou que ele e seus parceiros cortavam os dedos das mãos, arrancavam a arcada dentária e extirpavam as vísceras de presos políticos mortos sob tortura antes de jogar os corpos em rio onde jamais viriam a ser encontrados.

O relato histórico do oficial do Exército foi feito à Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro e revelado nesta sexta-feira pelo repórter Chico Otávio.

Malhães se referia a presos políticos assassinados na chamada Casa da Morte, um imóvel clandestino na região serrana fluminense onde servidores do Centro de Informações do Exército detinham, torturavam e matavam opositores da ditadura. De acordo com o coronel, os cadáveres eram ensacados junto com pedras. Dedos e dentes eram retirados para impedir a identificação, na eventualidade de os restos mortais serem encontrados. As vísceras, para o corpo não boiar.

Veterano da repressão mais truculenta do passado, Malhães figura em listas de torturadores elaboradas por presos. É ele quem assumiu ter desenterrado em 1973 a ossada do desaparecido político Rubens Paiva (leia abaixo)

Ex-deputado federal Rubens Paiva, cassado em 1964 e assassinado em 1971



O coronel Paulo Malhães, oficial reformado do Exército e legendário membro do aparato repressivo da ditadura(1964-85), afirmou ter participado de operação para desenterrar a ossada do deputado federal cassado Rubens Paiva, desaparecido em 1971 depois de ter sido morto na tortura em dependências militares. Até hoje seu corpo não foi encontrado.

“Recebi a missão para resolver o problema, que não seria enterrar de novo'', disse o coronel à repórter Juliana Dal Piva. “Procuramos até que se achou, levou algum tempo. Foi um sufoco para achar (o cadáver). Aí, seguiu o destino normal.''

O “destino normal'' seria ocultar o corpo para sempre.

A missão teria ocorrido em 1973, na praia carioca do Recreio dos Bandeirantes. Malhães disse que sabia de quem eram os restos mortais: “Eu podia negar, dizer que não sabia, mas eu sabia quem era sim. Não sabia por que tinha morrido, nem quem matou. Mas sabia que ele era um deputado federal, que era correio de alguém”.

Malhães foi apontado por numerosos presos políticos como autor de violências. Integra listas de torturadores. Militou em órgãos como o Centro de Informações do Exército (CIE). Cuidava de alguns dos serviços mais sujos da ditadura.

Sua identificação, com declarações de relevância histórica, estão na edição de hoje do jornal “O Dia'' (reportagem aqui). A matéria nomeia outros militares que teriam atuado com Malhães para desenterrar e desaparecer com o corpo. O coronel disse ignorar o destino dos restos mortais. E que o CIE resolveu dar ao caso uma “solução final''.

De acordo com o oficial, a operação foi necessária porque alguns agentes do Destacamento de Operações de Informações (DOI) do I Exército ameaçavam divulgar onde estava a ossada.

Para onde foi levado o corpo? “Pode ser que tenha ido para o mar. Pode ser que tenha ido para um rio.”

Malhães disse que a ordem para desenterrar Rubens Paiva veio do gabinete do ministro do Exército. À época, o ministro do Exército era o general Orlando Geisel, irmão do futuro ditador Ernesto Geisel. O presidente da República (igualmente ditador) era o general Emílio Garrastazu Médici.

Seu testemunho, sem vestígios de arrependimento, contrasta com o de aparente mitômano surgido em anos recentes. Malhães não é um semi-anônimo,mas personagem marcante para seus pares em orgãos repressivos e para presos políticos.

Dois trechos do seu depoimento à comissão, conforme reprodução de “O Globo'' (a reportagem pode ser lida na íntegra clicando aqui):

1) “Jamais se enterra um cara que você matou. Se matar um cara, não enterro. Há outra solução para mandar ele embora. Se jogar no rio, por exemplo, corre. Como ali, saindo de Petrópolis, onde tem uma porção de pontes, perto de Itaipava. Não (jogar) com muita pedra. O peso (do saco) tem que ser proporcional ao peso do adversário, para que ele não afunde, nem suba. Por isso, não acredito que, em sã consciência, alguém ainda pense em achar um corpo.”

2) “É um estudo de anatomia. Todo mundo que mergulha na água, fica na água, quando morre tende a subir. Incha e enche de gás. Então, de qualquer maneira, você tem que abrir a barriga, quer queira, quer não. É o primeiro princípio. Depois, o resto, é mais fácil. Vai inteiro.”

Com a frieza de quem conta ter ido à padaria, Malhães afirmou, referindo-se ao local onde vive, a Baixada Fluminense: “Eu gosto de decapitar, mas é bandido aqui''

Coronel revela como sumiu com corpo de Rubens Paiva

Militar diz que ordem partiu do gabinete do ministro. Deputado federal foi preso em casa em 20 de janeiro de 1971 e torturado até morrer. Seu corpo foi desenterrado dois anos após a morte. E nunca mais encontrado

JULIANA DAL PIVA
Rio - "Recebi a missão para resolver o problema, que não seria enterrar de novo. Procuramos até que se achou (o corpo), levou algum tempo. Foi um sufoco para achar (o corpo). Aí seguiu o destino normal”. Com essa frase, 43 anos depois, o coronel reformado do Exército Paulo Malhães admite pela primeira vez que foi um dos chefes da operação montada em 1973 para sumir com o corpo do então deputado federal Rubens Paiva, que estava enterrado na areia, na Praia do Recreio dos Bandeirantes.
Rubens Paiva ao lado da família. Ele foi morto e enterrado no Alto da Boa Vista
Foto:  Arquivo
P

ara localizar o corpo de Rubens Paiva, duas equipes trabalharam durante cerca de 15 dias na praia. Junto com Malhães, também participou da missão o coronel reformado José Brant Teixeira, parceiro de diversas outras operações. Além dele, os sargentos Jairo de Canaan Cony e Iracy Pedro Interaminense Corrêa. Apenas Cony está falecido.

O oficial admite que sabia de quem era o corpo procurado. “Eu podia negar, dizer que não sabia, mas eu sabia quem era sim. Não sabia por que tinha morrido, nem quem matou. Mas sabia que ele era um deputado federal, que era correio de alguém”, conta.


Aos 76 anos, um dos mais experientes oficiais do Centro de Informações do Exército (CIE), o militar contou ao DIA que recebeu a missão do próprio gabinete do ministro do Exército em 1973 e que viu colegas graduados como o coronel Freddie Perdigão Pereira recusarem o trabalho: “É um troço que você tem que pensar duas vezes antes de fazer. Ele não quis”.

Malhães diz que estava investigando uma guerrilha no sul do Brasil durante a prisão do deputado. Só ao receber a missão, é que foi informado de que o corpo tinha sido inicialmente enterrado em 1971 no Alto da Boa Vista. Mas, na ocasião, os militares temiam que obras na Avenida Edson Passos acabassem revelando o cadáver. Então, o corpo foi retirado do local no mesmo ano e novamente enterrado na Praia do Recreio dos Bandeirantes. Em 1973, o coronel conta que o CIE resolveu dar uma “solução final”.

“A preocupação foi aquela velha briga. Foi o negócio de enterrar. Eles enterram o cara, tiraram cara do lugar que estava enterrado que era no Alto da Boa Vista porque ia passar na beira de um estrada. Aí, tiraram o cara e levaram para o Recreio e enterraram na areia. Só que a Polícia do Exército (PE) quase toda viu isso. Esse translado”, explica.


De acordo com Malhães, O Exército avaliava que a a operação era necessária porque alguns agentes do DOI-Codi ameaçavam tornar o caso público. “O Leãozinho viu, não sei mais quem viu também, mas o troço veio a tona. O Leão dizia que enterraram na praia”, afirma.

Malhães só faz mistério sobre o destino dado após a localização do cadáver. “Pode ser que tenha ido para o mar. Pode ser que tenha ido para um rio”, completa. Em outubro de 1974, o militar recebeu a Medalha do Pacificador com Palma.


Assessor revela identidade de testemunha

Leão era o coronel reformado Ronald José Mota Batista de Leão, ex-chefe do Pelotão de Investigações Criminais (PIC). Em fevereiro, a Comissão Nacional da Verdade apresentou um relatório parcial sobre o caso e informou que recebeu uma carta de Leão informando que tinha vista Paiva ser recebido por dois agentes do Centro de Informações do Exército: Rubens Paim Sampaio e Freddie Perdigão Pereira.


Na divulgação do relatório, a Comissão Nacional da Verdade também apontou o nome de dois agentes que torturaram e mataram o deputado federal Rubens Paiva. De acordo com depoimentos de dois militares prestados a CNV, os autores do crime seriam o então tenente Antônio Fernando Hughes de Carvalho e o comandante do DOI, o também major José Antônio Nogueira Belham.


As informações foram obtidas por meio de um depoimento prestado por um militar que a comissão identificou apenas como “agente Y”. Um assessor da comissão, entretanto, confirmou ao DIA que a testemunha se trata do coronel da reserva Armando Avólio Filho, ex-integrante do Pelotão de Investigações Criminais da Polícia do Exército (PIC-PE).


Há um ano, em fevereiro de 2012, a CNV apresentou as primeiras conclusões de sua investigação até aquele momento. Na ocasião foram apresentados documentos que comprovavam que Rubens Paiva havia sido transferido para o DOI-Codi.

Em janeiro deste ano a Comissão da Verdade do Rio tornou público um depoimento do general reformado Raymundo Ronaldo Campos. Ele confessou que Exército montou uma farsa ao sustentar, na época, que Paiva teria sido resgatado por companheiros “terroristas”. A versão oficial era de que , ao ser transportado por agentes do DOI no Alto da Boa Vista, os militares entraram em confronto com um grupo de esquerda, quando Paiva havia conseguido fugir. Raymundo, era capitão, e conduzia o veículo supostamente atacado. Também estavam no carro os sargentos e irmãos Jacy e Jurandir Ochsendorf.


Rubens Paiva foi preso em casa no dia 20 de janeiro de 1971 por agentes do Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica (Cisa). Horas depois, o deputado foi entregue ao DOI-Codi, no Rio, onde foi torturado até a morte. Deputado federal, eleito pelo PTB, mesmo partido de João Goulart, Rubens Paiva foi cassado em 1964, logo após o golpe militar. Após um período no exílio, retorna ao Brasil, mantendo suas atividades empresariais. Sua morte se deu em 21 de janeiro de 1971 e uma farsa foi montada para ocultar o crime.

Seu corpo nunca foi encontrado.


Emboscada do Exército mata líder guerrilheiro

Onofre Pinto era da Vanguarda Popular Revolucionária. Foi capturado ao cruzar a fronteira em Foz do Iguaçu

JULIANA DAL PIVA


Rio - Outro segredo guardado nas memórias do coronel reformado Paulo Malhães é o destino final de um dos líderes da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), o sargento Onofre Pinto. Preso em 1969, Onofre deixou o país no sequestro do embaixador dos Estados Unidos Charles Burke Elbrick no mesmo ano. Ele ficou exilado no Chile e depois na Argentina até 1974, quando decidiu retornar para formar um novo grupo de luta armada. Foi nesse desejo que Malhães e sua equipe encontraram a oportunidade para prendê-lo.

Onofre Pinto foi atraído pelos militares em julho de 1974 junto com os brasileiros Daniel José de Carvalho, Joel José de Carvalho, José Lavecchia, Vitor Ramos e do argentino Enrique Ernesto Ruggia para uma emboscada em um suposto campo de guerrilha que estava sendo formado no Parque do Iguaçu, em Foz do Iguaçu.


“Fui até lá e me apresentei ao Onofre como um contato da guerrilha. Gostava da adrenalina.Eu era o carioquinha ”, conta o militar , ao revelar que foi o líder da operação.


Para a missão, o coronel conta que teve ajuda de um agente infiltrado chamado Alberi Vieira dos Santos, ex-militante de esquerda. De acordo com ele, a operação durou cerca de dois meses. Primeiramente, foi montada uma casa em um bairro afastado de Foz do Iguaçu, e lá os agentes ficaram fazendo contato com guerrilheiros.

Malhães diz que naquela época o governo brasileiro não tinha autorização para atuar no território argentino e, por isso, os militantes brasileiros precisaram atravessar a fronteira para serem presos. Todas as operações que envolviam outros países se chamavam ‘Operações Arco-Íris’. “É por causa das cores das bandeiras”, explica.


De acordo com o oficial, o líder da VRP impunha a liderança no grupo, mas estava desconfiado sobre a existência real do campo no lado brasileiro.


“Onofre liderava. Tinha boa receptividade. Mas estava desconfiado. No primeiro dia em que nos encontramos ele pediu que alguém fosse comigo ver o local de treinamento”, afirma Malhães.


No outro dia, ele e um dos guerrilheiros foram até o local em uma perua. Dois dias depois da visita, o grupo de militantes cruzou a fronteira durante a tarde e chegou ao falso campo de treinamento à noite.


Assim que chegaram foram cercados e receberam ordem de prisão. O primeiro a morrer foi José Lavecchia, que tentou reagir. Os outros foram executados ainda naquela noite. O único que sobreviveu foi Onofre Pinto, levado para a casa de fachada em Foz do Iguaçu, onde os agentes tramaram toda operação.

Lá, o líder da VPR passou quase um mês sendo interrogado e recebeu a proposta de trabalhar para a repressão. De acordo com Malhães, após quatro semanas, Onofre concordou. “Ele me pediu que cuidasse da família dele, me passou os contatos e eu fiquei de escrever aos meus outros infiltrados para avisar que ele tinha ‘virado”, explica.

No entanto, o comando do Centro de Informações do Exército não quis manter o guerrilheiro vivo. Segundo Malhães, um oficial, que ele não quis revelar o nome, não queria que ele tivesse um agente da importância política de Onofre.“Recebi uma ordem direta: fecha tudo, acaba tudo e volta para o Rio”, conta Malhães.
Onofre então foi executado e seu corpo foi jogado de uma ponte dentro de um rio na região de Foz do Iguaçu.

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