sábado, 29 de março de 2014

SENADOR CRISTOVÃO BUARQUE EXPLICA E DEFENDE SEU PROJETO DE OBRIGAR FILHOS DE PARLAMENTARES A ESTUDAR EM ESCOLAS PÚBLICAS


Em carta civilizada — como é de seu feitio –, o senador Cristovam Buarque explica e defende seu projeto de obrigar filhos de parlamentares a estudar em escolas públicas




O senador Cristovam Buarque (PDT-DF) e o debate para uma educação melhor: para o ex-reitor da Universidade de Brasília, é inteiramente viável termos uma escola pública de qualidade (Foto: Ana Araujo)

Em resposta a post que publiquei a 5 de novembro de 2010 — há mais de três anos, portanto — e que, por alguma razão que não consegui descobrir, explodiu de audiência nas últimas semanas, o senador Cristovam Buarque (PDT-RJ) me escreveu a carta abaixo, gentil e civilizada como é de seu feitio, defendendo um projeto que apresentou no Senado obrigando os filhos de parlamentares a frequentar a escola pública.

Embora reconhecendo a grande autoridade do senador, ex-reitor da Universidade de Brasília, no tema educação, critiquei o projeto no post por obrigar terceiros (filhos) a fazer algo (estudar em escola pública) em razão da condição de outrem (pai ou mãe), por considerá-lo inconstitucional.

Cristovam diz, a certa altura de seu texto, saber que “cartas longas não são escritas para ser lidas”. Agora me dirijo a ele: quero que saiba, senador, que, sim, li e reli sua carta substanciosa. Mesmo assim, ainda tenho dúvidas sobre a constitucionalidade do projeto. No mais, CONCORDO COM TUDO O QUE ESCREVEU SOBRE A EDUCAÇÃO BRASILEIRA — e o que poderia ser feito, mas não é.

Saiba, caro senador, que de uma ou outra forma estamos no mesmo barco.

Agora, a carta:

(CLIQUE NA IMAGEM PARA VÊ-LA EM TAMANHO MAIOR)

Meu caro Ricardo Setti:

Qualquer parlamentar gostaria de colocar seus filhos no Colégio Pedro II, ou em algum dos Institutos de Aplicação, ou no Colégio Militar, ou ainda em uma das Escolas Técnicas. São escolas públicas federais.

Também gostariam de matriculá-los em uma de cinco escolas municipais que há em Palmas (TO), onde os ricos acionam a Justiça para obterem vagas para os filhos.

Se todos gostaria de ter os filhos em uma dessas escolas, por que não fazer todas iguais a elas? Quando isso acontecer, as escolas públicas serão procuradas naturalmente, como hoje acontece com 425 escolas federais e outras públicas estaduais ou municipais de qualidade.

A implantação em todo o Brasil dessas escolas seguiriam um ritmo, na medida em que boas condições de trabalho fossem atraindo os jovens mais brilhantes para uma Carreira Nacional do Magistério.

Essa implantação esbarraria na falta de recursos humanos: estimo que precisaremos de 20 anos de uma compensadora carreira nacional para atrair os mais brilhantes de nossos jovens à carreira do magistério.

Pelos padrões internacionais de ensino de excelência, o custo do aluno/ano seria de aproximadamente R$ 9.500,00. Ao final dos 20 anos de implementação, o custo total equivaleria a apenas 6,4% do PIB, menos que os 10% previstos no Plano Nacional de Educação – PNE II (supondo, conservadoramente, que o PIB cresça a módica taxa de 2% ao ano nesse período).

Esses dados mostram a viabilidade da ideia. Se desejar fazer uma análise mais acurada das hipóteses e dados, poderei enviar farto material para consulta.

É difícil entender por que no lugar de agirem politicamente para que a escola gratuita tenha qualidade, as classes médias e altas preferem gastar R$ 60 bilhões/ano (1,3% do PIB), com a educação dos filhos em escolas particulares.

Desconsideram o fato de que isso é um “imposto invisível” em um país onda já pagam 35% de carga fiscal visível. Dizem que matricular filhos na escola pública é um sacrifício, no lugar de pensar como fazê-las de qualidade.

Por que nos lembramos do direito à liberdade do responsável pela educação pública para usar a rede privada, sem pensarmos no direito humano de cada brasileiro ser matriculado em boas escolas?

E dizem que obrigar parlamentares a usarem as atuais escolas fere a liberdade individual, esquecendo que ninguém é obrigado a ser parlamentar. Se escolheu essa função, tem de cumprir obrigações como qualquer trabalhador é obrigado.

Se aprovado, meu projeto só entraria em vigor sete anos depois de sancionado: a obrigação só valeria para os que fossem eleitos depois da lei estar aprovada.

Caro Setti, imagine você acordar um dia e dizer aos donos da VEJA que, em nome dos direitos humanos e de sua liberdade individual assegurada na Constituição, você não aceita a obrigação de escrever artigos! Quando você foi contratado, conhecia as obrigações.

Como você se lembra, o projeto de lei tem o papel de provocar o debate sobre o fato de o agente público usar o salário que recebe do público para fugir do serviço ao público. Mas não é apenas provocação, é uma proposta, certamente precoce, mas que se fará em algum momento do futuro de nossa história, como algo normal.

Muitos países, alguns mais pobres que o Brasil, já fizeram isso.

No início de sua revolução educacional, há quarenta anos, a Coreia do Sul tinha população deseducada e renda per capita equivalente à metade da brasileira; hoje, graças à qualidade em todas as suas escolas, tem renda per capita duas vezes maior que a brasileira e uma infraestrutura científica e tecnológica equivalente à dos países mais desenvolvidos, abastecendo o Brasil de sofisticados produtos com alta tecnologia que nós não temos condições de criar; porque ao relegar a educação de nossas crianças, optamos por ser um país que se contenta com o “Made in Brazil”, no lugar de “Created in Brazil”.

(CLIQUE NA IMAGEM PARA VÊ-LA EM TAMANHO MAIOR)

Sei que cartas longas não são escritas para serem lidas, mas esta precisou ser longa para convencê-lo da ideia: é preciso e é possível que também no Brasil o filho do eleito estude na escola de seu eleitor, que o filho do trabalhador estude em escola como a de seu patrão, que a criança pobre tenha escola igual à criança rica.

E, tendo a mesma chance na infância, cada uma construa seu futuro usando seu talento, vocação e persistência.

Antes de concluir, não posso deixar de agradecer pelas palavras elogiosas a mim na abertura da sua nota publicada no seu Blog, em 5 de novembro de 2010. Deve ser lembrança de quando o conheci há duas décadas, ou mais.

Sendo o que se apresenta no momento, reiteramos protestos de respeito e elevada consideração.

Um grande abraço

CRISTOVAM BUARQUE

OLHA O POST AÍ:

Projeto absurdo de Cristovam quer obrigar políticos a colocarem filhos em escola pública




O senador reeleito Cristovam Buarque (PDT-DF) é um homem de bem e, ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB), um dos baluartes em defesa da educação no Congresso.

Mas é completamente delirante e descabelado o projeto de lei 480/07, de sua autoria, ora em tramitação na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, que obriga “os agentes públicos eleitos” a matricularem “seus filhos e demais dependentes em escolas públicas” até 2014.

Desafiar os políticos que não se preocupam suficientemente com a educação — presidente, governadores, senadores, deputados, prefeitos, vereadores — a matricularem os filhos em escolas que deveriam ser melhores é um bom desafio para fazer em discurso, na tribuna do Senado ou em palanque. É uma ótima provocação, é uma forma de constrangê-los e mostrar que o rei está nu.

Transformar isso em lei, porém, e interferir na vida privada e nas decisões sobre a família — “filhos e demais dependentes” — de cidadãos que, circunstancialmente, são políticos, não tem o maior cabimento. É um absurdo.

É coisa para uma Coréia do Norte da vida e ditaduras congêneres.

O projeto é claramente inconstitucional e, além disso, jamais será aprovado.

Se o apresentou para chamar atenção para o descaso mais ou menos generalizado pela educação no país, Cristovam deveria explicar isso, deixar bem claro.

Porque o projeto, propriamente dito, não está à altura da inteligência do senador e ex-governador do Distrito Federal.


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