Com o mundo dividido pela Guerra Fria, os Estados Unidos ampliaram a vigilância sobre as economias dependentes, em especial após a Revolução Cubana. Governos ruíram em cascata, substituídos por ditaduras militares
O medo norte-americano da ‘onda vermelha’ rondava a América Latina. O mundo, após Segunda Guerra Mundial, em 1945, era um tabuleiro com peças divididas. De um lado estava o capitalismo e, do outro, o socialismo. A Guerra Fria alimentava uma disputa sem armas de fogo, mas não menos mordaz. A Revolução Cubana já não era mais um sonho. Era tão real quanto o aumento da vigilância dos Estados Unidos sobre o continente. O Brasil e outras economias dependentes, das américas Central e do Sul, eram cenário de uma sequência de trocas de governos por ditaduras militares. E a repressão tinha cada vez mais cheiro de morte.
É inegável que os norte-americanos temiam que a tomada do poder por guerrilheiros liderados por Fidel Castro em Cuba, em 1959, desencadeasse um efeito dominó do avanço soviético nos países vizinhos. A implantação do programa norte-americano Aliança para o Progresso, idealizado pelo presidente John Kennedy, era a prova disso. A América Latina, mergulhada em problemas sociais crônicos, como altas taxas de desemprego, e com ampla dívida externa, deveria respirar ares de desenvolvimento a partir de um projeto alinhado com a grande potência capitalista. E, claro, se afastar do ‘perigo vermelho’.
Clique na imagem para ver o infográfico completoFoto: Arte O Dia
Falar do papel dos Estados Unidos nos golpes dos anos 1960 e 70 na América Latina exige menos euforia e mais racionalidade. É o que pensam especialistas ouvidos pelo DIA sobre a atuação estadunidense nas ditaduras impostas no continente. “As pessoas sempre gostam de colocar o peso nisso. Acho que ele (o país norte-americano) tem um papel fundamental em parceria com as direitas brasileiras. Não acho que (o regime militar) foi uma imposição dos Estados Unidos”, afirma a historiadora e professora da Universidade Federal Fluminense (UFF), Samantha Quadrat, ao analisar o caso brasileiro.
O professor de Ciência Política da UFRJ, Valter Duarte, é enfático ao afirmar: o fato de Paraguai, Argentina, República Dominicana, Equador e outros países da América Latina terem visto seus governos depostos e substituídos por militares não significa que o golpe no Brasil seria questão de tempo. “Não tem nada a ver dizer que por causa disso o golpe era previsível aqui”, afirma Duarte, que também minimiza a atuação norte-americana para a imposição do regime.
Entre financiamentos da CIA assumidos e especulados aos golpes, um ponto é preponderante para se entender a América Latina: a tradição de interferência militar. “Isso parece óbvio, mas não é. A gente esquece que a República no Brasil foi um golpe militar. Entre 1930 e 1933, houve 12 intervenções militares em toda a América Latina, e elas são frequentes.Por quê? O Exército era visto pelas elites políticas como uma espécie de poder moderador, chamado para conflitos do cenário nacional”, explica o historiador e professor da UniRio, Vanderlei Vazelesk Ribeiro.
O tempero novo que vai se juntar a este passado é que, em 1954, quando a CIA organizou a operação que derrubou o presidente democraticamente eleito da Guatemala, Jacobo Arbenz Guzmán, os Estados Unidos o fizeram de forma mais ostensiva. “A intervenção norte-americana no continente remonta a pelo menos 1898, com a independência de Cuba face à Espanha. Mas o que se tem a partir de 1954 é que estas operações se tornam mais explícitas”, diz Ribeiro.
As ditaduras militares no cenário latino tiveram modelos de atuação diferentes em alguns aspectos, apesar do alinhamento anticomunista. Em 1973, no Chile, o presidente eleito Salvador Allende foi retirado do poder por uma junta liderada pelo general Augusto Pinochet, que viria a impor uma ditadura de 17 anos. Foram cerca de 40 mil as vítimas, sendo mais de três mil mortos ou desaparecidos. Na Argentina, grupos de Direitos Humanos falam em 30 mil assassinatos, inclusive de crianças e idosos, entre 1976 e 1983 . Nos voos da morte, milhares de pessoas foram jogadas vivas em alto mar.
Che, mito popular
Da Revolução Cubana ao biquíni da übermodel Gisele Bündchen. Que figura é essa que, 47 anos após sua morte, tem a imagem mais viva que sua própria história? Ernesto Che Guevara está no camelódromo da Uruguaiana, ao lado de Jimi Hendrix e Ramones, na tatuagem do braço de Maradona, nos quadros da casa da sambista Beth Carvalho. O mais curioso é que a popularização da imagem do guerrilheiro que lutava por justiça social sempre ressoou até mesmo no improvável. O autor do livro ‘Che Guevara: Mito, Mídia e Imaginário’, Juan Domingues, conta que, nos anos 1960, auge da Guerra Fria, o parceiro de Fidel Castro chegou a ser um das figuras mais lembradas por universitários norte-americanos.
“O mito nasce depois que ele morre, num episódio violento e impactante. Fidel não vai ser um mito, porque vai morrer de causas naturais. Será lembrado como o símbolo do comunismo, da revolução. Mas não será um Che”, afirma Domingues. Falar do revolucionário é, inevitavelmente, esbarrar em lendas. Uma delas é de que a imagem do guerrilheiro morto foi pensada para ser comparada com a de Jesus Cristo. “Quando Che foi morto, ele estava com um aspecto péssimo: doente, com fome, barba supergrande, não foi algo proposital.”
Especulações à parte, Che arrasta uma multidão. Beth Carvalho faz parte dela. A simpatia, que é ideológica, ganhou mais impulso após as três viagens que fez a Cuba, sempre a convite do governo e sem cachê. Numa das vezes, ela se encontrou com Fidel — a quem mais tarde iria entregar o título de cidadão carioca — e, em outra ocasião, cantou ‘Guantanamera’ para funcionárias da fábrica de charutos Partagas. Na sua casa, a admiração está refletida em quadros, camisas e souvenirs: “Che é uma referência para o mundo, um ser que fez da vida uma missão. Sou completamente apaixonada por sua história e o que ele representa contra o imperialismo”, conta ela, que, nas duas últimas vezes que foi a Cuba, debateu questões políticas e o embargo econômico imposto pelos EUA.
EUA influenciaram no ensino público do Brasil - Reportagem: Suzana Blass
A influência dos Estados Unidos na condução de políticas no Brasil foi muito além do apoio ao golpe de 64. Na área da Educação, durante o regime militar, foram feitos acordos entre o MEC e a United States International for Development (USAID), em uma parceria tão significativa que definia reformas e leis na área, garantia recursos financeiros e abrangia desde a educação primária (atual Ensino Fundamental) até o ensino superior.
Quando Jango assumiu a presidência, em 1961, a discussão na Educação passava pela democratização do acesso ao ensino. Havia um debate acalorado sobre a escola pública, que tinha em Darcy Ribeiro seu maior defensor. A ideia de que “todo ato educativo é um ato político” era defendida pelo educador Paulo Freire, que percorria o Brasil e a América
Com o golpe de 64, a ditadura militar passa a impor políticas autoritárias na tentativa de controlar todos os aspectos da vida social, política, econômica, cultural e educacional. Paulo Freire exilou-se, e a prática de seu método foi proibida no país. Para a manutenção dos militares no poder e garantia de sua legitimidade, foi preciso propagar a ideia de que havia um projeto de ‘integração nacional’ e de que o Brasil vivia, plenamente, os ideais democráticos. Os acordos MEC/USAID moldaram o sistema educacional brasileiro, pois seguiam as determinações dos técnicos americanos, que muito mais do que preocupados com a educação brasileira, estavam ocupados em garantir a adequação do sistema de ensino aos desígnios da economia internacional, sobretudo aos interesses das grandes corporações norte-americanas. Instalou-se uma educação tecnicista para atender às necessidades da crescente industrialização, fruto de investimentos do capital estrangeiro.
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