sábado, 29 de março de 2014

A VERDADE DA DITADURA


Por isso, em tempos de memória curta, seguem duas recomendações: a primeira é que não se deve pedir de volta aquilo que jamais pode voltar; a seguinte, que a verdade deve ser sempre revelada, pois democracia sem verdade é como presente sem passado, o resultado será tão incerto quanto o futuro imprevisível.




Escrito por Daniel Pearl Bezerra

Por Marcelo Ribeiro Uchôa -
Advogado e professor de Direito da Unifor

Passaram-se 50 anos, mas vozes pedindo a volta da ditadura lembram que foi ontem. É o ônus que se paga pela resignação ante uma transição para a democracia esquálida, que não bastasse ocultar o passado, produziu uma autoanistia, livrando da justiça pessoas que praticaram crimes contra a humanidade, os direitos humanos, ignorando até a ordem jurídica que impuseram.

O desafio atual é robustecer a transição outrora mitigada. Comissão da Verdade pra cá, Comissão de Anistia pra lá, todavia restam, ainda, inúmeras verdades não reveladas. Verdades não só relacionadas à dor dos vitimados pelos sordidos sequestros, a tortura medieval, os cárceres inumanos, a vida clandestina, a separação eterna. Verdade como a confiança de que não havendo o golpe o Brasil seria, hoje, muito melhor em termos de igualdade social, respeito à coisa pública, desenvolvimento político, econômico e cultural.

Pelas reformas de Jango, o país experimentaria uma reforma agrária, que protegeria a boa propriedade, mas conceberia finalidade social a territórios improdutivos. Usufruiria de uma taxação sobre lucros enviados ao exterior, investindo o plus em saúde, educação, moradia. Tocaria adiante o ritmo de aceleração e crescimento econômico dos anos Juscelino, livrando-se lá atrás da dependência yankee.
O Brasil teria aproveitado mais de uma plêiade de intelectuais que como ninguém compreendeu o país em suas entranhas e que foi boicotada pela caserna (Celso Furtado na economia, Sérgio Buarque de Holanda na história, Darcy Ribeiro na antropologia, Paulo Freire na educação, Faoro na justiça, Niemayer no urbanismo...), e não seria privado da inevitável chegada ao poder da politizada geração de 64/68, repelida durante o regime e escanteada no processo de transição política, que fechou os portões para o fascismo, escancarando-os, porém, para o neoliberalismo, ao custo alto de uma CSN, uma Vale, enfim, situação só remediada no século XXI, quando o país retomou seu curso natural e histórico, de imediato resultando em avanço econômico e melhora social.

A ditadura foi corrupta do começo ao fim, com o endosso manifesto de todo aparato estatal. Iniciou-se surrupiando o poder de um presidente legítimo, manteve-se cerceando liberdades civis e políticas do povo (proibiu o voto e impôs a censura), abusou do patrimonialismo sobre o erário, privatizou a coisa pública em benefício do fisiologismo, e ai de quem fosse às ruas protestar! Liberdade zero. Foram 21 anos que geraram 100 de atraso em desenvolvimento e bem-estar.

Por isso, em tempos de memória curta, seguem duas recomendações: a primeira é que não se deve pedir de volta aquilo que jamais pode voltar; a seguinte, que a verdade deve ser sempre revelada, pois democracia sem verdade é como presente sem passado, o resultado será tão incerto quanto o futuro imprevisível.
Publicado no Jornal O Povo.

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