terça-feira, 28 de novembro de 2017

ZOLA VIDA - A FRONTE DA FONTE

Sutil e breve olhar por dentro da obra: A Fronte da Fonte, do Escritor Angolano, Escritor Zola Vida
O guardador das palavras em sua excrescência do existir

A imagem pode conter: céu, árvore, atividades ao ar livre e natureza

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Zola Vida. Um nome embrionário. Pleno concepto de ser-no-mundo, enquanto ente em relação de interdependência com o mundo e sua mundaneidade de existir. De estar-com, enquanto unidade que não se pode fragmentar. De ser-no-tempo, enquanto soma de um todo em um referencial organismico de pertencimento. De ser-junto, enquanto visão, iluminação, possibilidade e abertura. De ser-com-os-outros em constante Devir.
Conheço Zola Vida há anos. Esporadicamente tecemos uns e outros despretensiosos comentários em posts do facebook. Falamos de nossas impressões, percepções e expressões vivenciais. Certo dia, em uma dessas tantas conversas, Zola me indagou se poderia enviar um livro seu para a minha apreciação. Confesso que me aprazera a alma estes arroubes enviesados. E sempre dou por concluso tudo o que me vem às mãos.
No mesmo dia Zola Vida me enviou o arquivo. Demorei séculos de eternidades para abri-lo. Não que o quisesse mantê-lo fechado. Meus olhos se fustigaram por folheá-lo Não o abri por outros motivos. Outros propósitos. Outras circunstâncias. Ainda não havia chegado o tempo aprazível da leitura. Sabia, de antemão, que a poética de Zola Vida me causaria espécie. Espanto. Incômodo. Surpresa. Estranhamento.
Confesso. De fato é isto que busco. Que procuro a cada livro que leio. Estranhar-me no entranhamento da esccrevência do outro. Estar dentro. Ficar dentro. Explorar o dentro das coisas que só as palavras contém. E depois, bem depois, deitar fora as coisas de dentro em um apanho das que vem de fora. Por fora. Que se afora das coisas que o dentro detém. Retém. Em um afloramento que só aos olhos é dado sentir.
Enfim se fez o tempo da descoberta. Dia claro. Sol pleno. Meu coração me dizia que havia chegado a hora da abertura. Do desprendimento. Da apreensão. Da compreensão constitutiva de existência com o autor. O momento de me situar de frente à poética de Zola Vida. Em verbalização idêntica. Em condição ontológica de ser. Em pé de igualdade. De irmandade. De linguagem ôntica de existir-existindo.
E assim fiz. Abri o arquivo e de imediato a surpresa. A fronte da fonte. A sonoridade do título abriu-se aos meus olhos feito um rasgar de saudade. Suspirei fundo. Sinto saudades do que me suspira a alma. Assim foi o meu primeiro contato com o livro de Zola Vida. Um belíssimo título que alumbrava significância ao meu abranger de vida. Que falava aos meus olhos das existencialidades que estavam por vir.
Reservei-me do tempo a um tempo singular. Necessitava do silêncio. De ouvir a vida em sopro de concha. Entrelaçar-me em indago e encanto. Em uma serenidade de sete-estrelo. De constelação de Orion. Assim fiquei. Permaneci ali, em frente a fronte da fonte do meu existir. Remoendo, vivenciando, significando o título aos intramundos dos versos. Empenhando-me a sentir o livro em suas descobertas de livro.
De um pulo passei ao primeiro poema. “Qual ganso ocioso sob lençóis intuitivos de águas cianas” compreendi “entre sibilantes dentes do escuro e uma bolha de saliva regando-lhe o arco-íris laranjado” a ser-um-com-o-outro em uma pluralidade de pedra ao amanhecer. Permitindo-me “Absorver e sorver a dimensão rosa por onde o macio do verbo imprime afecto”. Dando-me a nutri de esperança o meu coração.
Com a minha fala emudecida pelas “escritas em páginas incongruentes” do sentir, que são “guarnecida com destreza de Mbandi” me vi por dentro de “um futuro vítreo de safiras presentes em espumas perfumadas da frase” tão bem trabalhada por Zola Vida. Logo apreendi, cognitivamente, do que me apresentava à frente. Poemas dos bons. Lapidados por hábeis mãos e atentos olhos. Um artífice das palavras.
Poemas que vieram à mim feito “sussurros de gotas prateadas do céu”. Dispondo-se a se in_dispor com o encapsulamento representativo de minh’alma. Vieram sobre a superfície plana do notbook em uma proeminência de excesso de beleza. Em um frontispício de fazer brotar água por sobre o chão. Uma fonte corrente. Água de bica. “Vozes que sussurram nos encantos de mantos bantus”
Um “rio selvagem que à fronte decanta paixões e compaixões” e, diante de meus olhos em um aconchego de abraços “vagueia em combustão (...) “descortinado do linho zolal qual ameixa desnuda”. Oferecendo-se “na elucubração marítima” do meu ser em “sondagens arraigadas na imaginação catártica. Com os tropos a fremir em ouvidos invisíveis todas línguas fremilúcilas dos seres, das coisas (...) a desbravar na eria salina o rito natural.
Assim é este A fronte da fonte. “O tinto corre onde a vida se renova” e “a vida no tinto onde escorre o renovo.” A poética de Zola Vida me faz ouvir “o tilintar e o apito de almas aladas”, feito “o voo do albatroz no fluido verso”, levando-me aos receptáculos dos pomares da vida”, vendo “a orquestra do céu em dúlcidos ecos.” No silêncio espaçoso do dia o li com apetite redobrado. Em uma personificação de afeto.
Por isto digo. Que as palavras que escrevo sejam lidas. Ouvidas. Subentendidas. Feito uma árvore que se ensombra por traz dos muros. “Que a água e o sangue da pedra submerja o homem parido entre umbrais desérticos (...) profetizando a aragem de braços páreos. A listra branquela com pedacinhos de sol.” Mostrando sua florada de ser em uma despojadura de céu ou em uma habitação de quintal.
Eis que o tempo nos coloca diante de uma obra singular. Revela o caráter sagrado dos grandes poetas. Zola Vida imprime à palavra um lugar de morada. A linguagem flui, livremente, feito um rio em seu leito serpenteando o chão. Feito “traços de lâminas riscando a carne (...) para além da cortina do tempo sequioso (...) com a flauta a cochichar nos ouvidos eternos os segredos da voz mui limada do falcão.”
Neste A fronte da fonte Zola Vida se mostrou pronto. Poeta feito. Refeito. Afeito aos des_confortos do poema. Arregimentado aos assombros da poesia. Demonstrou conhecer dos sumidouros e das imensidões do existir. De pedaços em pedaços a sua poética se instrumenta música aos meus exigentes ouvidos, que a cada poema são “paridos por pássaros de asas africanas (...) cujas notas de fogo governam o crisol”.
Nem todos os livros me prendem os olhos. Sou velho de eternidade neste negócio de ler. Conheço os meandros de um livro. De um bom texto. De um poema que se lança além das páginas de um livro. Conheço, e muito bem, o que um autor tem por dizer. Por falar Por gritar. Minhas mãos são afeitas ao “escrutinar sentimentos de argilas.” Mas este A fronte da fonte me surpreendeu. “Me fez um ser inquiridor no coração da galáxia”
Zola Vida gravitou na Fronte da fonte um ensaio de vivências. De querências. De acontecenças que trazem ao leitor um desejo de não parar. De continuar. De permanecer na leitura até que o sol se proteja em seu anonimato de nuvens. Até que “a punjança do horizonte no espectro solar” dardeja aos sol os seus “devaneios turmalinosos, descarrilando formas que transcedem os dicionários.”
Conforme leio mais me atento à `leitura. A força dos poemas me deixa “como o andar da Bessangana entre coqueiros e embondeiros”, que “tece os passos no compasso do crescimento demográfico”, como “os címbalos de balanceamento da mamã zungueira e do saltitar do candengue dos pés descalços”. Abocanho cada poema “lavrado em tendas tecidas de volúpia”. Em “aliança discreta, concreta e secreta” com o sol.
Zola Vida tem uma construção poética própria. Sua linguagem é singular. Faz-nos sentir como se estivéssemos “queimando sacrifícios do pecado parnasiano”. Sua escrita “gravita no colo da folha” e “fulgem do santuário querubins silábicos”, como se cada poema estivesse “enraizado de fibras plantadas de nuvens.” Este A fronte da fonte nos faz ver o guardador das palavras em sua excrescência do existir
Alufa-Licuta Oxoronga
Psicólogo e Poeta - Brasil

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