terça-feira, 23 de dezembro de 2014

ARQUIVO DE TERROR REVELA DETALHES DA DITADURA NO PARAGUAI

E AINDA TEM "BRASILEIRO QUE DESEJA O RETRONO DESSA PRAGA" (MF)

Em 22 de dezembro de 1992, um telefonema avisava o paraguaio Martin Almada que havia um monte de documentos da ditadura abandonados no Departamento de Produções da Polícia – uma pequena delegacia localizada no distrito de Lambaré, a quatro quilômetros de Assunção. Um monte, literalmente, como mostra a foto abaixo. Os agentes da repressão no Paraguai deixaram três toneladas de papéis abandonados, milhares de fichas de prisioneiros, informes confidenciais, relatórios de vigilância, além de fitas com gravações de encontros. Na contramão do que fizeram nos países vizinhos, os paraguaios optaram por não destruir as provas de violação de direitos humanos do regime, simplesmente abandonaram o arquivo no escritório e fecharam a porta.
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Escritório onde Almada encontrou os documentos que hoje compõem o Arquivo do Terror
Os papéis se tornaram, 23 anos depois, um dos mais importantes centros de documentação das ditaduras do continente americano. Porque além das provas de prisão clandestina, tortura, perseguição, assassinato e desaparecimento forçado no Paraguai, o arquivo revela a articulação entre os governos do Brasil, Chile, Argentina e Uruguai naquele período.
Um dos documentos, por exemplo, mostra o início formal do Plano Condor. É um convite enviado em setembro de 1975 ao General de Divisão Francisco Brites, chefe da polícia paraguaia, para a Primeira Reunião de Inteligência Nacional, realizada em Santiago entre os dias 25 de novembro e 1º de dezembro daquele ano. O remetente é chileno Manuel Contreras*, chefe da Direção de Inteligência Nacional (DINA), líder de destaque da ditadura de Augusto Pinochet.
A proposta da reunião sul-americana era criar um escritório de coordenação e segurança para enfrentar a oposição na região, e o termo “Operativo Cóndor” aparece várias vezes nos documentos da polícia, assim como a participação do Brasil. Há ainda um memorando assinado por Contreras pedindo US$ 600 mil para reforçar as atividades da DINA, possibilitando o aumento de agentes trabalhando no México, Argentina, Costa Rica, Estados Unidos, França e Itália. Contreras escreveu também sobre a necessidade de “os oficiais desta Direção de prosseguir os cursos de preparação de grupos anti-guerrilheiros no Centro de Adestramento da cidade de Manaus, no Brasil”.
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O “Arquivo do Terror” contém também a ficha de Martin Almada, advogado, pedagogo e ex-sindicalista. Ele fazia doutorado e residia em La Plata, Argentina, durante a ditadura. Foi preso entre 1974 e 1977 porque sua tese foi considerada “subversiva”.
Os documentos estão todos microfilmados, catalogados e disponíveis para consulta no Museu da Justiça, no centro de Assunção, com o nome de “Centro de Documentação e Arquivo para a Defesa dos Direitos Humanos”. Organizados em um espaço de 236 metros quadrados, há 21 pacotes de fichas com dados pessoais; seis pastas sobre “subversivos”; 20 pastas encadernadas com o tema “política”; informações obtidas em interrogatórios; registro de entrada e saída de presos; controle de sindicatos; além de 543 fitas com gravação de reuniões e palestras. No total, existem 60 mil documentos cadastrados na base de dados.
Outras informações sobre o arquivo estão disponíveis nos endereços http://www.unesco.org/webworld/paraguay/index.html e http://www.meves.org.py/
O processo de redemocratização do Paraguai ainda não havia completado um ano quando os papéis foram encontrados. A ditadura de Alfredo Stroessner começou em 1954 e terminou em 1989, com um golpe de Estado do militar paraguaio Andrés Rodríguez Pedotti. Durante alguns anos do stronismo, os dois foram tão aliados que a única filha de Rodríguez se casou com o filho mais velho de Stroessner. Tirado do poder, Stroessner se exilou em Brasília, onde morreu em 2006, sem nunca ser julgado.
Em 1992, eleições foram convocadas para o Executivo e para o Legislativo, que promulgou uma nova Constituição para substituir a de 1967.
* No Chile, a lei de anistia não foi derrubada, tramitam no Legislativo dois projetos para derrubá-la. No entanto, o remetente do documento acima citado, o militar Contreras, cumpre 25 penas consecutivas, totalizando 289 anos de prisão por sequestros, desaparecimentos forçados e assassinatos, mais duas perpétuas pela morte do ex-comandante do exército chileno do governo Salvador Allende, o general Carlos Prats e sua mulher, em 1974.

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