Do Jornal GGN
Encomendado
pelo PT, um parecer do jurista Luiz Fernando Casagrande Pereira
explica como o ex-presidente Lula, em caso de condenação em segunda
instância, pode judicializar a questão da Lei da Ficha Limpa e
concorrer à presidência em 2018, possivelmente criando um cenário
de instabilidade.
Segundo
o parecer, Lula pode aproveitar que a inelegibilidade decorrente de
decisão colegiada segundo previsto na Lei da Ficha Limpa ainda não
é "firme" e brigar pelo registro de candidatura na
Justiça. Se obtiver uma liminar, poderá respirar um pouco mais
tranquilo. Mas se não conseguir, também não será fácil para a
oposição impugnar a candidatura rapidamente.
Mesmo
com todos os agentes envolvidos apertando o passo na tentativa de
frear a candidatura de Lula, o assunto só vai se esgotar em setembro
de 2018, quando o petista já estará em "plena campanha".
Neste caso, se chegar a ser impedido e não quiser colocar todos os
votos em risco, ele poderá pedir a substituição às vésperas do
primeiro turno.
Controvérsia
Advogado,
Doutor e Mestre em Direito pela Universidade Federal do Paraná,
Pereira explicou que ainda há controvérsias sobre a aplicação
imediata da Lei da Ficha Limpa no caso de uma turma de tribunal
recursal confirmar a sentença imposta em primeiro grau.
No
caso de Lula, esse momento acontece quando a 8ª Turma do Tribunal
Regional Federal da 4ª Região, presidida pelo desembargador João
Gebran Neto, analisar a condenação imposta a Lula por Sergio Moro.
Há
algumas semanas, a grande mídia noticiou que o PT está confiante
que pelo menos um dos três desembagadores dará um voto contra a
sentença de Moro. Isso será suficiente para a defesa de Lula entrar
com um recurso dentro do próprio TRF4.
A
decisão dos 3 desembagadores será o equivalente à decisão em
colegiado, em 2ª instância, que a Lei da Ficha Limpa admite como
suficiente para aplicar a inelegibilidade a um pretenso candidato.
Segundo Pereira, o próprio Tribunal Superior Eleitoral vem
reafirmando essa posição. Mas não de maneira consistente. E aí é
que está a janela para Lula.
"A
Lei de inelegibilidade fala em decisão condenatória colegiada. No
entanto, cabe a interposição de recursos no ambiente do próprio
TRF (embargos de declaração, por exemplo). O TSE tem entendido que
estes recursos não suspenderiam a inelegibilidade
(REsp89.21889218/2012), mas a orientação não é firme. No mínimo
o tema autorizaria boa controvérsia no julgamento do registro."
Pereira
observou que "Pode ainda o próprio Presidente do TRF suspender
os efeitos da condenação e mesmo a inelegibilidade". Assim,
seria "possível adiar a inelegibilidade no próprio TRF",
enquanto a questão não é debatida no Superior Tribunal de Justiça
e Supremo Tribunal Federal.
O
difícil é acreditar que o presidente do TRF4, que já deu
entrevistas dizendo que o julgamento de Lula será rápido porque a
sentença de Moro é "impecável", vai conceder uma ordem
dessas.
Se
Lula for condenado antes da eleição
Mas
e se o TRF4 confirmar a sentença de Moro e o presidente não
suspender os efeitos da inelegebilidade?
Lula
tem duas chances: uma no Supremo, outra no STJ, e uma coisa não
exclui a outra, diz Pereira.
Seria
necessário de conseguir uma decisão liminar para que Lula possa
concorrer. Se a decisão estiver em vigor em caso de eventual
vitória, ele poderia ser diplomado e ainda busca a posse
definitiva.
Pereira
mostra-se otimista com essa opção, ao analisar que o Supremo hoje
tem "outra composição", uma mais inclinada a não
permitir a execução de pena a partir de condenações em segunda
instância. Ele também sugere que essa mesma composição pode
concluir que a Lei da Ficha Limpa, do jeito que está, fere o
princípio constitucional do direito à presunção de inocência.
"Se
o TRF confirmar e não suspender os efeitos da condenação ou a
inelegibilidade , bastará a concessão de uma liminar pelo STJ ou
pelo STF (alternativas não excludentes), com fundamento no art. 26-C
da Lei 64/90. Se esta liminar ficar vigente até a diplomação, é o
que basta para LULA garantir diplomação e depois a posse, em
caráter permanente (TSE, ED-RO 29462/2014). O recente movimento do
Supremo em voltar a prestigiar a presunção de inocência até o
trânsito em julgado pode , reflexamente, repercutir no cabimento da
suspensão da inelegibilidade. A discussão no Supremo em torno da
constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa passou pela ofensa à
presunção de inocência, com ótimos votos vencidos. Hoje a
composição do STF é outra. De qualquer forma, com este e outros
argumentos, LULA ainda teria duas chances: uma no STJ; outra no STF."
Problemas
para a oposição
No
parecer, Pereira também aponta o que poderá vir a ser os obstáculos
da oposição a Lula na tentativa de derrubar sua candidatura e
eventual diplomação.
É
que, pelo regra, a candidatura de Lula só poderá ser contestada a
partir do momento em que sair a decisão do TRF4. Dia 15 de agosto de
2018 (deadline para pedido de registro de candidatura) seria o prazo
limite para a corte julgar a sentença de Moro, porque se o fizer
depois disso, o tempo trabalhará em favor do ex-presidente. "A
regra é que se a confirmação da condenação de LULA vier depois
do dia 15 de agosto, LULA disputará a eleição e será diplomado",
disse.
Aqui
entra o entrave à oposição a Lula: o modo como o recurso contra a
candidatura será apresentado, pois por se tratar de uma eleição
presidencial, há dúvidas sobre o trâmite correto.
Segundo
Pereira, o TSE ainda pode entender que a inelegibilidade decorrente
da condenação em segunda instância ainda poderá vir a ser alegada
nas "instâncias ordinárias se houver impugnação ao registro
em trâmite", mas é "necessário ver se esta
jurisprudência se confirma para as impugnações originárias do TSE
(registro de candidaturas a presidente). E também saber se haveria
impugnação em trâmite, pois ausente causa de inelegibilidade sem o
julgamento do TRF."
"Voltando
à regra, o certo é que a inelegibilidade supe rveniente possa ser
alegada apenas em RCED – Recurso contra a expedição de diploma
(art. 262, Código Eleitoral). Entretanto, a maioria da doutrina
afirma não caber esta espécie de recurso para eleições
presidenciais. Para esta doutrina, como é o próprio TSE que diploma
o Presidente (art. 215, CE), não haveria, portanto, tribunal
competente para julgar o recurso contra esta diplomação. O CE teria
excluído o presidente eleito do alcance do RCED."
Se
Lula for condenado depois da eleição
E
se a condenação do TRF4 só sair após a eleição? "Neste
caso, não haveria nenhuma repercussão na inelegibilidade de LULA
(Súmula nº 47 do TSE). Ainda que venha entre a eleição e a
diplomação", disse Pereira.
E
se não tiver liminar?
Se
Lula for condenado em segunda instância antes do prazo para registro
de candidatura, e não obter uma liminar de tribunal superior para
suspender os efeitos da inelegibilidade até que o processo do caso
triplex tenha tramitando sem mais recursos, caberá a impugnação da
candidatura do petista.
O
problema para a oposição, neste caso, é que "há uma enorme
distância" entre o início do processo de impugnação e sua
conclusão com o eventual afastamento de Lula.
Esse
trâmite, segundo Pereira, deve começar somente a partir de 15 de
agosto de 2018 e, se todos os prazos forem rigorosamente pela Justiça
("o que não é regras"), só deve ser encerrado às
vésperas do primeiro turno. Até lá, e mesmo que tenha a
candidatura sub judice, Lula poderá continuar em campanha.
"(...)
até o indeferimento do registro, LULA seguiria candidato como se
tivesse o registro deferido, com direito a fazer campanha (inclusive
com direito ao horário eleitoral). E o importante é que o direito
de ser candidato permanece mesmo com o registro indeferido, por conta
do art. 16-A da Lei Eleitoral: 'O candidato cujo registro esteja sub
judice poderá
efetuar
todos os atos relativos à campanha eleitoral (...) e ter seu nome
mantido
na
urna eletrônica (...)'."
Para
Pereira, "comm certeza o registro de LULA estará sub judice até
o dia da eleição." Mas até lá, Lula é candidato, terá
direito a ter seu nome nas urnas até que a questão seja concluída
no TSE e ainda passe pelo Supremo por causa do recurso.
"De
qualquer forma, é muito provável que a decisão do TSE não
aconteça antes de meados de setembro (data limite para a
substituição). Até lá, nenhuma dúvida, LULA seguiria candidato
com todas as prerrogativas inerentes."
Se
Lula ganhar sem registro deferido
Se
Lula ganhar a disputa com o registro ainda indeferido, abre-se uma
crise. Segundo Pereira, os votos do ex-presidente e de seu candidato
a vice serão computados, mas nenhum dos dois poderão ser
diplomados. Uma nova eleição será convocada em 90 dias e, até lá,
quem assume é o presidente da Câmara.
Para
o jurista, contudo, o fator crise pode ser determinante neste
cenário, pois "uma vez eleito, será delicado ao Judiciário
(TSE ou STJ/STF) não confirmar o registro (por qualquer das vias
aqui indicadas)."
Pereira
explicou que Lula ainda tem condições de reverter a inelegibilidade
depois de eleito.
"A
regra é que os requisitos para a candidatura sejam verificados no
momento do pedido de registro. No entanto, se a inelegibilidade for
posteriormente afastada, o registro deve ser deferido (art. 11, § 10
da Lei das Eleições). Com isso, LULA, já eleito, ainda poderia
afastar a inelegibilidade até a diplomação (TSE, ED-RO nº 29462).
Bastaria conseguir uma liminar no STJ ou STF (com fundamento no já
citado art. 26 -C). Ou mesmo um efeito suspensivo em RE, interposto
contra a decisão do TSE. Para insistir, parece evidente que o
Judiciário (TSE ou STJ/STF) teria elevado grau de dificuldade de
impedir a posse de um presidente eleito. Uma liminar, entre algumas
possibilidades, teria razoáveis chances."
A
hipótese da substituição
Pereira,
ao final, diz que "na pior das hipóteses", o PT pode
substituir Lula no prazo de até 20 dias antes do primeiro turno,
para evitar o risco de ficar sem um candidato com votos válidos.
Ele
diz que, nesse cenário, o substituto poderá herdar votos de Lula,
já que pesquisas apontam que a população tende a reagir mal quando
a Justiça veta um candidato que vinha aparecendo bem avaliado.
"Pela
linha do tempo desenhada acima, LULA permaneceria candidato
controvertendo o registro até meados de setembro e depois , se o PT
quiser evitar o risco de ficar sem candidato com votos válidos,
faria a substituição. Vários exemplos mostram que há rejeição
popular à decisão judicial que indefere
o
registro, em especial de um candidato que esteja à frente nas
pesquisas. Este movimento costuma beneficiar o substituto, como está
em levantamento da Folha de S. Paulo veiculado há três anos."
"Inelegibilidade
perpétua"
Pereira
ainda frisa que se Lula for condenado em segunda instância depois de
eventualmente eleito, ganha imunidade em função do cargo e não
sofrerá nenhuma sanção.
Contudo,
ele ressalta que se for condenado em segunda instância, dada a idade
que tem hoje e as penas impostas no caso triplex (8 anos sem poder ou
ocupar disputar cargo público, a contar depois do cumprimento da
senteça), seria o equivalente a dizer que ele seria sentenciado à
inelegibilidade perpétua.
"A
eventual confirmação da condenação pelo TRF geraria uma
inelegibilidade por oito anos depois do cumprimento da pena (art. 1º,
I, letra “e” da Lei Complementar 64/90). Ou seja: tempo de
cumprimento da pena e mais oito anos. Após o trânsito em julgado,
ainda há suspensão dos direitos políticos (art. 15 da CF). A
sentença impôs também a vedação de ocupar qualquer cargo ou
função pública por sete anos, correspondentes ao dobro da pena de
prisão pela lavagem de dinheiro (art. 7º, II, da Lei 9.613/98).
Noutras palavras: a decisão impõe a LULA, com a idade atual do
ex-presidente, uma inelegibilidade perpétua.
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