terça-feira, 10 de setembro de 2013

QUATRO NOBRES VERDADES DO ENSINAMENTO BUDISTA



“As Quatro Nobre Verdades são o maior fundamento dos ensinamentos Budistas, e é por isso que são tão importantes. Na verdade, se você não entende as Quatro Nobre Verdades, e se você não experimentou a verdade deste ensinamento pessoalmente, é impossível praticar o Dharma de Buda. Por isso eu sempre fico feliz de ter a oportunidade de explicá-las”.
~ o XIV Dalai Lama, Tenzin Gyatso

O XIV Dalai Lama já falou e explicou algumas vezes as Quatro Nobre Verdades do Buda e um dos seus discursos que está publicado na Internet, datado de 7 de outubro de 1981, dado em Dharmasala (Índia) e preservado pelo trabalho do Berzin Archives, explica brevemente a Segunda Nobre Verdade e a origem do sofrimento, tema que viemos explorando aqui em alguns posts. “A origem última é a mente“, diz o Dalai Lama. Em seguida, explica como o modo como a mente “se apodera” das coisas e transforma a realidade, acabando por criar identidade, possessividade e sofrimento. Ele não cita nominalmente a impermanência (anicca), um dos três fatos básicos da existência segundo o Budismo (junto com o próprio sofrimento ou insatisfação, dukkha, e a insusbtancialidade do eu ou o não-eu, anatta), mas está exposto claramente no modo como ele descreve a mente – como tomamos as coisas por sólidas (e permanentes).

Curiosamente, o Dalai Lama não cita a palavra desejo e nem mesmo a “sede” (tanha), como está no discurso do Buda tal qual preservado do Pali. Concentrando-se na ignorância e nos caminhos desvirtuados da mente, o ensinamento é simples e elucidador, formando um panorama mais amplo e claro para nossa compreensão sobre o assunto.

O Dalai Lama também já escreveu um livro sobre o assunto, intitulado “Four Noble Truths” (1996), disponível na Amazon, e também há vídeos no site oficial com ensinamentos dados em outubro de 2009, também em Dharamsala (Índia), que podem ser assistidos na íntegra em inglês aqui.

Segue o texto, conforme traduzido originalmente por Alexander Berzin.

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“Verdadeiras Origens (do Sofrimento)”
Por XIV Dalai Lama (via Berzin Archives)

(…) Devemos agora investigar a causa do sofrimento. Será que há uma causa ou não? Se houver, que tipo de causa é: uma causa natural que não pode ser eliminada ou uma causa que depende das suas próprias causas e que pode portanto ser eliminada? Se é uma causa que pode ser eliminada, será para nós possível livrarmo-nos dela? Assim, chegamos à segunda nobre verdade: as verdadeiras origens ou verdadeiras causas do sofrimento.

A respeito disto, o Budismo mantém que não há um criador externo e que, embora um Buda seja o ser mais elevado, nem mesmo um Buda tem o poder de criar nova vida. [Ou seja, um Buda não pode criar o sofrimento todo-abrangente que afeta os agregados contaminados de um renascimento futuro.] Então qual é a causa do sofrimento?

Em geral , a origem última é a mente. Especificamente, a mente que é influenciada por emoções perturbadoras tais como a raiva, apego, ciúme, ingenuidade e assim por diante é a causa principal dos renascimentos e de todos os problemas a ele relacionados. Porém, não é possível acabar com a mente, ou interromper o próprio continuum mental. Além disso, não há nada de intrinsecamente errado com o nível mais profundo e mais sutil da mente [a mente de luz clara] em si. [Por natureza, é completamente pura.] No entanto, a mente mais profunda pode ser influenciada por emoções perturbadoras e pensamentos negativos. Assim, a questão é: se podemos ou não lutar e controlar a raiva, o apego e as outras emoções perturbadoras. Se as pudermos erradicar, ficaremos com uma mente pura que estará para sempre livre das causas do sofrimento.

Isto traz-nos às próprias emoções e atitudes perturbadoras, que são tipos de consciência subsidiária ou fatores mentais. Há muitas formas diferentes de apresentar a discussão sobre a mente; mas, em geral, [mente refere-se à atividade mental e a sua]característica definidora é “mera claridade e apercebimento”.[Isto significa a atividade de produzir aparências mentais ou hologramas mentais de objetos e simultaneamente os conhecer , e nada mais]. Quando falamos de emoções perturbadoras tais como o apego e a raiva, temos de ver a forma como elas são capazes de afetar e poluir esta atividade mental, a mente. Qual é, de fato, a sua natureza? Isto, então, é foco principal da discussão sobre as verdadeiras origens do sofrimento.

Se perguntarmos como o apego e a raiva surgem, a resposta é que o seu surgimento é sem dúvida assistido pelo nosso agarramento à existência das coisas como encontráveis e verdadeiramente estabelecidas por seus próprios lados: nosso chamado “agarramento à existência verdadeira”. Por exemplo, quando estamos irritados com algo, sentimos que o objeto está lá fora, sólido, verdadeiro, não-imputado, e que nós próprios somos de igual modo algo sólido e encontrável. Antes de ficarmos irritados, o objeto aparece normalmente; mas quando as nossas mentes são influenciadas pela raiva, o objeto parece feio, completamente repelente, nauseante, algo que nos queremos livrar imediatamente. A sua existência como repelente parece ser estabelecida do seu próprio lado, pela sua própria self-natureza. O objeto parece existir realmente dessa maneira: sólido, independente, e muito feio. Esta aparência de “verdadeiramente feio” estimula a nossa raiva. Porém, quando vemos o mesmo objeto no dia seguinte, quando a nossa raiva desapareceu, parece mais bonito do que no dia anterior. É o mesmo objeto, mas não parece tão mau. Isto mostra como a raiva e o apego são influenciadas pelo nosso agarramento à existência das coisas como encontráveis e verdadeiramente estabelecidas dos seus próprios lados.

Assim, os textos sobre a filosofia Madhyamaka afirmam que a raiz do apego e de todas as emoções perturbadoras é o agarramento à existência verdadeiramente estabelecida, no sentido em que este agarramento produz estes distúrbios mentais, os suporta e os sustenta. Assim, o não-apercebimento ingenuo que se agarra à existência das coisas como verdadeiramente estabelecidas pelas suas próprias naturezas é a fonte fundamental de todos os nossos sofrimentos. Com base neste agarramento à existência verdadeiramente estabelecida, desenvolvemos todos os tipos de emoções e atitudes perturbadoras, e com base nestas nós agimos destrutivamente e acumulamos uma enorme quantidade de força cármica negativa.

Em seu Suplemento aos (“Versos Raiz sobre) O Caminho do Meio”, Madhyamakavatara, (de Nagarjuna), o grande pandita indiano Chandrakirti escreveu que primeiro há o agarramento à existência verdadeiramente estabelecida do “eu”, ao “meu “, e o ficar apegado a esse “meu”. Isso é então seguido pelo agarramento à existência verdadeiramente estabelecida das coisas e pelo ficar apegado a elas como “minhas” e a “eu, como o proprietário delas”.

Ou seja, no início parece haver um “eu” muito sólido, existindo independentemente, que é muito grande – maior do que qualquer outra coisa – e que estabelece a sua existência pelo seu próprio poder. Esta é a base. Daqui, vem a aparência falsa dos outros objetos [e pessoas], como se a sua existência também fosse estabelecida dos seus próprios lados. Com base nisso, vem a aparência da existência de um “eu”, estabelecido verdadeiramente como o proprietário deles como “meus”. Depois, uma vez que tomamos o lado desse “eu”, vem a aparência do “o outro”, estabelecido verdadeiramente como existindo do seu próprio lado, por exemplo como o “meu” inimigo. Em relação a “mim”, ao “eu, o proprietário das coisas”, e às “coisas como ‘minhas’”, surge o apego. Em relação a ele ou ela, nós sentimos distância e raiva. E depois o ciúme e todos esses sentimentos competitivos surgem. Assim, no final, o problema é esse sentimento de “eu” – não o mero “eu”, mas o falso “eu” com o qual nos tornamos obcecados. Isto produz pensamentos de raiva e irritação, juntamente com o dizer de palavras ásperas, e as várias ações físicas baseadas na antipatia e no ódio. Todas estas ações destrutivas do corpo, fala e mente acumulam força cármica negativa.

Matar, mentir, e todas as ações destrutivas semelhantes resultam também da motivação negativa das emoções e atitudes perturbadoras. O primeiro estágio é exclusivamente mental: o pensar de pensamentos destrutivos baseados em emoções e atitudes perturbadoras. No segundo estágio, este pensamento destrutivo leva às ações físicas e verbais destrutivas. Imediatamente, a atmosfera é perturbada. Com a raiva, por exemplo, a atmosfera torna-se tensa; as pessoas sentem-se inquietas. Se alguém ficar furioso, as pessoas meigas tentam evitar essa pessoa. Mais tarde, a pessoa que ficou irritada também se sente embaraçada e envergonhada por ter dito todos os tipos de coisas absurdas, o que quer que lhe veio à mente então .

Quando ficamos irritados, não há espaço para a lógica ou a razão; tornamo-nos literalmente “loucos”. Mais tarde, quando as nossas mentes voltam ao normal, sentimo-nos envergonhados. Não há nada de bom sobre a raiva e o apego; deles não pode resultar nada de bom. Podem ser difíceis de controlar, mas todos nós podemos ver de que não há nada de bom sobre eles. Esta, então, é a segunda verdade nobre.
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