O que mancha a imagem do Brasil no exterior não é a falta de alta costura, por Maria Rita Kehl
- Categoria: Colunistas
- Publicado em Sexta, 06 Setembro 2013
Segue a carta aberta de Maria Rita Kehl à ministra Marta Suplicy. A carta é curta e profundamente objetiva. O governo precisa fazer opções. Deixar os Pontos de Cultura à míngua e incentivar a alta costura, é algo absurdo. E algo que aponta lados. Que demonstra escolhas. Ou seja, menos arte popular. Mais elitismo. E tudo em nome da economia.
"Prezada Ministra Marta, como vai?
Escrevo para lhe dizer que concordo com a sua afirmação: moda é cultura. Alta culinária também. No entanto, eu não penso que sejam estas as expressões culturais que precisam dos incentivos do MinC.
O argumento de que desfiles sofisticados "melhoram a imagem do brasil no exterior", a meu ver, é inconveniente. Esta era uma preocupação dos governos militares: enquanto havia tortura aqui dentro, eles se preocupavam com a imagem do Brasil lá fora. Ora, só o fim da ditadura poderia melhorar nossa imagem frente aos países democráticos.
Hoje, em plena democracia, a tortura só é praticada nas delegacias da periferia, contra negros e pobres cujas famílias são intimidadas para que as denúncias não cheguem nem à sociedade local, quanto menos à comunidade internacional. Então, oficialmente, vivemos em plena democracia. Mas o que é que "mancha" a imagem do Brasil no exterior? Não é a falta de alta costura/alta cultura. É a permanência da desigualdade, que nem os programas sociais dos governos petistas conseguem debelar de fato, embora tenham sim diminuído significativamente a miséria que excluía milhões de brasileiros dos padrões mínimos de consumo.
A desigualdade que persiste no Brasil já não é a que impede o povo brasileiro de se alimentar. É a que impede o acesso das classes baixas aos meios de produção. Pescadores perdem as condições de pescar – e com isso, sua cultura tradicional – expulsos de suas comunidades para se tornarem, na melhor das hipóteses, trabalhadores braçais não qualificados. Lavradores, quilombolas e grupos indígenas perdem suas terras – e com isso, as condições de manter suas práticas culturais – expulsos pela ganância do agronegócio.
Os Pontos de Cultura criados na gestão Gilberto Gil estão abandonados em muitas regiões do país. Músicos e poetas das periferias das grandes cidades não conseguem recursos para mostrar sua arte para o resto do país. Pequenos grupos de teatro, que sobrevivem graças à Lei do Fomento criada na sua gestão na Prefeitura de São Paulo, dificilmente conseguem levar sua produção cultural para outros Estados, muito menos para outros países.
Não prossigo indefinidamente com exemplos que sei que são de seu conhecimento. Termino com uma afirmação que me parece até banal: em um país tão desigual quanto o nosso, fundos públicos só deveriam ser utilizados para possibilitar o crescimento de quem não tem acesso ao dinheiro privado.
Tão simples assim. Por isso estou certa de que, a cada vez que o MinC, o MEC, o Ministério da Saúde e quaisquer outros agirem na direção oposta à da diminuição da desigualdade, a sociedade brasileira vai se indignar. As expressões dessa justa indignação é que hão de "manchar a imagem do Brasil no exterior"'.
Respeitosamente, Maria Rita Kehl.
* Maria Rita Kehl, psicanalista, ensaísta, crítica literária, poetisa e cronista brasileira.1 Em 2010, foi vencedora do Prêmio Jabuti de Literatura na categoria "Educação, Psicologia e Psicanálise" com o livro O Tempo e o Cão.2 3 e recebeu o Prêmio Direitos Humanos do governo federal na categoria "Mídia e Direitos Humanos".
Fonte: Revista Fórum
Marta Suplicy rebate Maria Rita Khel em polêmica sobre verba para moda
- Categoria: Notícias Brasil
- Publicado em Domingo, 08 Setembro 2013
A ministra da Cultura, Marta Suplicy, rebateu nesta quarta-feira (4) as críticas feitas pela psicanalista Maria Rita Kehl por ter autorizado o uso da Lei Rouanet para apoiar desfiles de moda no exterior. Maria Rita afirmou em uma carta que o Ministério está deixando a cultura à míngua e incentivando a alta costura.
Em reposta à pergunta da JOVEM PAN , no Programa Bom Dia Ministro, Marta ressaltou que existe muita desinformação sobre o uso dos recursos de sua pasta. "Essas criticas são plantadas, principalmente vindo da Maria Rita Khel. Ela tem uma cabeça ótima e deveria ter uma melhor informação. Não estamos deixando à míngua nada. Sei lá porque as pessoas acabam pensando(...) Não tem informação para falar a verdade", disse Marta.
"Acredito que o importante nesse negócio da moda é que criou uma discussão interessante. As pessoas que nunca pensaram que poderiam concorrer a Lei Rouanet, agora descobriram que podem. Eu nem tinha pensado em colocar moda na Lei Rouanet. Em dezembro, quando os costureiros me procuraram para fazer desfile no exterior, eu disse: 'olha o ministério não tem recurso para fazer isso. Vocês precisam entrar na Lei Rouanet e captar patrocínio'. Eles tentaram entender e viram que era difícil participar porque o único lugar em que eles poderiam entrar era no artesanato. Aí nós criamos alguns eixos para abrir para a moda. O primeiro eixo é a internacionalização, depois tudo que for tradição e simbolismo brasileiro na questão de moda, em seguida a preservação de acervo e a outra formação de estilista", justificou.
No mês passado, a ministra da Cultura Marta Suplicy autorizou a captação de recursos por meio da renúncia fiscal para desfiles de moda de três estilistas brasileiros. Os criadores autorizados a captar cerca de R$ 7 milhões via Lei Rouanet foram Pedro Lourenço, Alexandre Herchcovitch e Ronaldo Fraga.
"Abrimos um campo novo para o Brasil todo. E se tiverem outras áreas que não têm, venham conversar. Nós temos interesse em agregar e não descriminar. Agora, a gente sabe que tudo que você faz de novo têm críticas (...) Depois todo mundo aceita, foi assim também no programa da TV Mulher"
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Marta relembrou ainda outros projetos aprovados pela Lei Rouanet para justificar o caráter social do programa. "O Ministério tem muito pouco recurso. E o recurso que nós estamos fazendo é direcionado exatamente para a inclusão social. A própria Lei Rouanet quando nós percebemos que ela possibilitava pouco acesso aos negros, nós criamos editais especiais. Dois mil e setecentos projetos chegaram da comunidade negra ao Ministério. Depois nós fizemos projetos para mulheres, ciganos e índios. A Funart têm editais para todas as áreas com contemplação grande. É uma prioridade do Ministério realmente a inclusão social"
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