Angela Davis: "Enfrentamos hoje um racismo mais perigoso"
- Cleidiana Ramos
Os gestos sutis e comedidos de Angela Davis, 68, enquanto conversa, quase não lembram a imagem que correu o mundo da jovem revolucionária que integrou os Panteras Negras, nos Estados Unidos. Sua prisão, após envolvimento numa ação para libertar jovens negros acusados de matar um juiz, mobilizou o mundo nos anos 1970. Tema de músicas de John Lennon e Yoko Ono (Angela), além dos Rolling Stones (Sweet Black Angela), a hoje professora da Universidade da Califórnia continua ativista. Seu espaço de luta é o movimento anticarcerário e a mobilização de mulheres. Em ambos, ela enfatiza que o racismo continua muito presente, mesmo no país que reelegeu como presidente Barack Obama. "Pessoas que estão encarceradas dizem que um homem negro na Casa Branca não é suficiente para anular um milhão de homens negros na casa-grande, ou seja, no sistema carcerário". Ela conversou com a Muito na sua quarta passagem pela Bahia, onde teve como principal compromisso participar de um fórum na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), em Cachoeira, no dia 20 de novembro.
Como foi a sua experiência no Fórum 20 de Novembro, no campus da Universidade Federal do Recôncavo, em Cachoeira?
Fiquei bastante impressionada com o evento, mas também em perceber como a universidade se expandiu. É uma instituição pública federal majoritariamente negra, com ações afirmativas. Deveria ser um exemplo para os EUA. Lá, as ações afirmativas estão sendo questionadas e abolidas.
No Brasil, vivemos um momento em que o entendimento sobre a importância das ações afirmativas consolidou-se na universidade e nos movimentos sociais. Mas parte da sociedade e da mídia tem dúvidas. Qual a situação dessas medidas nos EUA?
No contexto atual, o Brasil está bem à frente dos Estados Unidos, no que diz respeito à implementação das ações afirmativas. Lá, nos anos 1990, vários programas nesse sentido foram juridicamente eliminados.
Quais as principais consequências desse processo?
Há mais homens negros encarcerados nos EUA do que nas universidades. Há um milhão de homens negros na cadeia. Temos que avaliar o que leva um homem negro a chegar a esse ponto. Se não há oportunidade para ingresso no setor da educação formal, se não há assistência à saúde, condições de habitação e de lazer, a prisão se torna a única alternativa viável. Fiquei muito feliz em saber que o Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil manteve o programa de ações afirmativas nas universidades brasileiras.
Este é um ponto-chave para o combate às desigualdades?
As políticas de ações afirmativas, quando praticadas repetidamente, têm um poder de transformação bastante significativo. Existe a pressuposição de que as ações afirmativas estão beneficiando indivíduos de tal maneira que prejudicam outros. Mas essa é uma interpretação incorreta sobre as ações afirmativas. Essas ações não dizem respeito à ascensão individual. O objetivo é a ascensão de comunidades que foram afetadas desproporcionalmente por legislações e pelo racismo que remetem à época da escravidão.
Fonte: A Tarde
Fui usada para espalhar o medo', afirma a ex-pantera negra Angela Davis
Em entrevista, Davis analisa o período em que foi presa e julgada nos Estados Unidos em um processo eminentemente político que teve grande repercussão internacional
Luciano Monteagudo,
40 anos depois das graves acusações que a levaram a ser julgada e presa nos Estados Unidos, em processo eminentemente político que teve grande repercussão internacional, Angela Davis analisa nesta entrevista aquela etapa difícil de sua vida. Ao referir-se à atual situação dos negros nos EUA, Angela diz que "as coisas são piores, hoje, com um negro na Casa Branca".
"Acho que meus princípios não mudaram em todos esses anos. Nem meu compromisso político." É o que diz Angela Davis, uma das mais famosas ativistas políticas dos anos 1960 e 1970, figura icônica, não só pelo discurso fortemente revolucionário e pela destacada militância nos "Panteras Negras", mas também pelo penteado 'afro' que fez moda em todo o planeta entre as mulheres negras e brancas.
Hoje, com 68 anos, intelectual e professora universitária, formada na Universidade de Frankfurt onde estudou sob orientação de Herbert Marcuse, Angela Davis participou do Festival Internacional de Cinema de Toronto [Toronto International Film Festival], no dia 15 de setembro, para apoiar o lançamento do documentário Free Angela & All Political Prisoners [Liberdade para Angela & Todos os Prisioneiros Políticos].
Dirigida por Shola Lynch, o filme narra os padecimentos de Davis há 42 anos, quando foi envolvida pelo FBI no sequestro e morte do juiz Harold Haley, do condado de Marin, na California. Angela acabou por ser absolvida, apesar da pressão que fez contra ela o governador da California, Ronald Reagan, o qual, em 1969, conseguira expulsá-la da Universidade da California (UCLA) pela declarada militância de Davis no Partido Comunista.
Foragida da Justiça, na qual evidentemente não confiava, Angela Davis chegou a integrar, aos 24 anos, a lista dos 10 foragidos mais procurados do FBI, até afinal ser localizada e presa, em outubro de 1970. Cresceu então uma campanha internacional por sua libertação, que contou com a solidariedade até de John Lennon e Yoko Ono, que compuseram a canção "Angela" para seu LP Some Time in New York City (1972) , e dos Rolling Stones, que gravaram um single, "Sweet Black Angel", incluído em seguida no álbum Exile on Main Street (1972).
"Nunca procurei esse grau de exposição pública e foi muito difícil de aceitar, naquela época" – lembra Miss Davis em entrevista exclusiva ao jornal Página/12, numa suíte do Soho Metrotel de Toronto. "Minha aproximação original foi estritamente política, e nem nos meus sonhos mais loucos pensei que seria empurrada nessa direção. Mas, ao mesmo tempo, fui consciente de que era algo com que teria de aprender a conviver. Portanto, decidi tratar de usar aquilo tudo, nem tanto em meu nome, mas em nome de tanta gente que não tinha voz naquele momento."
A senhora refere-se a seus companheiros de militância nos Panteras Negras?
Exatamente. Porque a campanha nacional pela minha libertação começou sob a bandeira de "Libertem Angela Davis", mas decidi que teria de ser "Libertem Angela Davis e todos os presos políticos" – a frase que Shola Lynch escolheu para título do seu documentário.
No filme, a senhora diz que a tripla pena de morte que os promotores pediram, no seu caso, não se dirigia pessoalmente à senhora, mas a toda a construção que a senhora encarnava. Pode falar um pouco mais sobre isso?
Logo percebi que todo aquela fúria contra mim excedia minha pessoa e a minha situação pessoal. Em primeiro lugar, porque não conseguiriam me executar três vezes. Percebi também do que se tratava ali. Estavam decididos a matar um inimigo imaginário que estava sendo construído. E eu era a encarnação perfeita do inimigo que eles começavam a construir: negra, mulher e comunista. Quando o FBI começou a me perseguir, aproveitaram prender centenas de mulheres negras e jovens como eu. Aproveitaram a situação para tentar espalhar o medo em toda a comunidade negra nos EUA.
Desde então, o que mudou?
Acho que muitas coisas mudaram. E penso que mudaram, em grande medida, por causa da luta que fizemos. Quando cheguei à universidade, eram raríssimas as negras em cursos superiores nos EUA. Hoje, são milhões, embora ainda haja enorme desproporção entre negros e brancos nos cursos superiores. Hoje o que me angustia muito é que, naquele tempo, quando lutávamos pela libertação de todos os presos políticos em especial e contra a instituição carceral em geral, surpreendeu-nos muito a quantidade de gente presa nos EUA. Mas hoje, esse número é muitas vezes maior. Hoje, em meu país, há 2,5 milhões de pessoas encarceradas. Um, de cada 37 adultos vive no sistema penitenciário. É porcentagem altíssima. Os EUA somos o país de maior população encarcerada no mundo.
E a que a senhora atribui isso?
Há a miséria, sem dúvida. A maioria dos homens negros jovens nos EUA estão hoje desempregados. Há aí o problema político, mas há também o racismo. É verdade que os livros escolares já não manifestam abertamente o racismo, como antes, e que já não há segregação racial oficial, mas em muitos sentidos a situação é hoje pior que antes, há meio século.
Angela Davis, atualmente - Foto: Reprodução
Apesar do presidente afroamericano, Barack Obama?
Sim, é triste dizer, mas as coisas são piores com um presidente afroamericano na Casa Branca. Essa é a ironia. Porque há meio século era impensável que um negro chegasse, algum dia à presidência dos EUA. Hoje, é possível. Mas também é preciso dizer que ninguém, na Casa Branca, hoje, está preocupado com o fato de que há um milhão de negros nas prisões norte-americanas. E isso tem relação direta com o desmantelamento completo do sistema de bem-estar social e com a desindustrialização pela qual os EUA estão passando, e a consequente perda de postos de trabalho. Antes, a população negra tinha onde trabalhar, na indústria siderúrgica, na indústria automobilística, em tantas outras indústrias que já deixaram os EUA e mudaram-se para outros países onde a mão de obra é muito mais barata. Eu nasci e fui criada em Birmingham, Alabama, e ali a indústria siderúrgica era era a principal fonte de trabalho. Ainda é, mas com muito menos postos de trabalho que antes. E se se soma a isso a falta de assistência social, a falta de educação, a falta de sistema eficiente de assistência pública à saúde, as prisões viram uma espécie de solução ao avesso, para todos os problemas sociais que não recebem qualquer atenção política.
Já que falamos de prisões... Por que, na sua avaliação, Obama não cumpriu a promessa de fechar a prisão de Guantánamo?
Deveria tê-la fechado no primeiro momento. Deveria ter sido seu primeiro ato oficial. Em vários sentidos, a chamada "guerra ao terrorismo" atropelou Obama. Mas também é verdade que a principal razão pela qual Obama não fechou Guantánamo foi que não saímos às ruas para exigir que fechasse. Em várias instâncias, os eleitores que elegeram Obama não se mantiveram mobilizados e em alerta. Teria sido preciso criar um movimento para fechar Guantánamo, um movimento que pressionasse, até Guantánamo ser fechada. Também para criar melhor sistema de saúde pública, de educação etc. São coisas que ainda temos de fazer.
Para as próximas eleições?
Claro. Já. Imediatamente. Temos de sair e ocupar os espaços, construir para nós uma dimensão do que é necessário e possível fazer
Fonte: Brasil de Fato
Política e Prisões: uma entrevista com Angela Davis
A ENTREVISTA COMO MÉTODO: DIÁLOGO COM ANGELA DAVIS
Nos últimos anos, Eduardo Mendieta tem desenvolvido interessante projeto, que agora pode ser percebido com maior claridade. Trata-se de uma proposta de resgatar a dignidade filosófica do diálogo por meio de entrevistas com importantes intelectuais. Esse método, que a muitos pode parecer trivial ou superficial, proporciona um contato mais intimista com o interlocutor que, por sua vez, revela-nos detalhes autobiográficos ou nuances que publicações teóricas apagam por meio de parcimoniosas revisões editoriais.
Após realizar e coletar entrevistas por vários anos com Jürgen Habermas, Richard Rorty, Enrique Dussel, Angela Davis, Cornell West e outros expoentes do pensamento crítico, Mendieta tem lançado várias publicações nas quais essas entrevistas vêm a público.
A revista Impulso tem sido um espaço privilegiado para a publicação de tais trabalhos, registrados em suas páginas antes mesmo de aparecerem em importantes publicações nos Estados Unidos, Alemanha, Espanha e outros países
Na presente conversa com Angela Davis surgem dados sobre sua militância na busca da libertação de presos políticos e em seu envolvimento nos movimentos pelas liberdades civis dos negros nos Estados Unidos. A entrevista também revela que Davis estudou filosofia com Herbert Marcuse, Theodor Adorno e Jürgen Habermas em Frankfurt e que se preocupa atualmente com o sistema prisional nos Estados Unidos, o qual, em sua opinião, é uma perpetuação do sistema escravagista e deve ser abolido. Além disso, ela estabelece um diálogo com importantes nomes na história do movimento e cultura negra nos Estados Unidos durante o século XX, como W.E.B. DuBois, George Jackson, Markus Garvey, Zora Neale Hurston, Martin Luther King, Malcom X, Alice Walker e Toni Morrison.
Nos limites dessa breve introdução não podemos apresentar todos esses personagens ou indicar o importante papel deles mais além da história estadunidense. Mas é possível pelo menos afirmar que essa entrevista é leitura fundamental para quem quer conhecer Angela Davis, ter uma visão crítica da situação atual nos Estados Unidos, entender as relações raciais naquele país e considerar o possível impacto dessas experiências em países como o Brasil.
AMÓS NASCIMENTO
Hoje na História, 1972: É absolvida militante negra Angela Davis
Angela Yvonne Davis, militante negra, antiga professora de filosofia na Universidade da Califórnia e auto-proclamada comunista é absolvida em 4 de junho de 1972 das acusações de conspiração, assassinato e sequestro por um júri de San Jose, Califórnia, constituído somente por jurados brancos.
Davis, nascida em Birmingham, no dia 26 de janeiro de 1944, alcançou notoriedade mundial nos anos 1970 como integrante do Partido Comunista dos Estados Unidos, dos Panteras Negras, por sua militância pelos direitos das mulheres e contra a discriminação social e racial nos EUA e por ser personagem de um dos mais polêmicos e famosos julgamentos criminais da recente história norte-americana.
Em outubro de 1970, Davis foi presa em Nova York pela acusação de envolvimento em um tiroteio em 7 de agosto numa sala do tribunal de San Raphael, Califórnia. Ela foi acusada de ter fornecido armas a Jonathan Jackson, homem que invadiu a sala do tribunal e tentou libertar réus que estavam sendo julgados para transformá-los em reféns, na esperança de poder trocá-los por seu irmão George, um militante radical negro preso na prisão de San Quentin.
No tiroteio que se seguiu, já com a participação da polícia, Jackson foi morto, assim como o juiz da Corte Superior Harold Haley e mais dois réus.
Davis, líder da causa dos prisioneiros negros e amiga de George Jackson, foi indiciada pelo crime, mas permaneceu escondida. Uma das supostas criminosas mais procuradas pelo FBI foi capturada somente dois meses mais tarde.
O julgamento começou em março de 1972 e atraiu atenção internacional em virtude da debilidade das acusações contra Davis e pela evidente natureza política do processo. Em junho de 1972, ela foi absolvida de todas as acusações.
Depois de prestar contas com a justiça, Davis retornou à cátedra e a seus escritos. Em 1980, foi candidata a vice-presidente pelo Partido Comunista. Em 1991, tornou-se professora na disciplina de História da Consciência na Universidade da Califórnia, em Santa Cruz.
Quatro anos depois, foi eleita reitora da universidade em meio à controvérsias, já que seus adversários a acusavam de ser comunista e de ter um passado de militância nos movimentos negros.
Entre os livros publicados encontram-se Angela Davis: An Autobiography e Women, Race, and Class (Mulher, Raça e Classe). Embora não seja mais membro do Partido Comunista, Davis segue sendo uma ativista política de esquerda, manifestando-se, particularmente, em palestras e debates contra a pena de morte.
Fonte: Diário Liberdade
Mulheres rebeldes II: Ângela Davis
Angela Davis: Obama vai aprender algumas lições no Brasil
Aos 65 anos, Angela Davis continua a mostrar por que se tornou um ícone do movimento negro norte-americano nos anos 1970. Bastam minutos de conversa com a hoje pesquisadora e professora da Universidade da Califórnia, em Santa Cruz (EUA), para perceber a facilidade em expor, numa linguagem clara, linhas de raciocínio complexo, fruto do aprofundamento que marca sua produção acadêmica.
Um exemplo é quando explica a visão que tem do feminismo, para além do embate de gênero. A jovem ativista de outrora continua também a fascinar a juventude.Este segmento foi o público mais constante nas palestras que ela realizou, na última semana, em Salvador, como convidada da 12ª Edição da Fábrica de Ideias, programa anual sediado no Centro de Estudos Afro-Orientais da Universidade Federal da Bahia (Ceao/Ufba ).
Coordenada pela doutora em sociologia Ângela Figueiredo e pelo doutor em antropologia Lívio Sansone, a Fábrica oferece treinamento para jovens pesquisadores em estudos étnicos.
Angela Davis, inclusive, discorda de quem costuma apontar a juventude do mundo atual como apática, do ponto de vista político. Para ela, cada geração tem sua forma própria de atuação."A minha postura é a de aprender com os jovens, porque sempre são eles que provocam as mudanças radicais", afirma.
Candidata pelo PC dos EUA
Angela tornou-se bastante conhecida nos anos 1970, como integrante do Partido Comunista dos Estados Unidos e dos Panteras Negras, por sua militância pelos direitos das mulheres e contra a discriminação social e racial nos Estados Unidos e por ser personagem de um dos mais polêmicos e famosos julgamentos criminais da recente história americana.
Angela nasceu no estado do Alabama, um dos mais racistas do sul dos Estados Unidos e desde cedo conviveu com humilhações de cunho racial em sua cidade.Nos anos 60, Angela tornou-se militante do partido e participante ativa dos movimentos negros e feministas que sacudiam a sociedade americana da época.
Em 7 de agosto de 1970, três rapazes interromperam o julgamento de James McClain, acusado de ter esfaqueado um policial. Os três retiraram o juiz, o promotor e vários jurados para uma van estacionada do lado de fora.
No tiroteio que se seguiu com a perseguição policial ao grupo, dois rapazes foram mortos pela polícia. O incidente também terminou com a morte do juiz Harold Haley com um tiro na garganta.
O promotor raptado ficou paralítico com um tiro da polícia. A polícia afirmou que a arma de um dos rapazes estava registrada em nome de Angela Davis.
Com sua prisão decretada pelo estado da Califórnia e o FBI em seu encalço, Ângela fugiu do estado e desapareceu por dois meses, sendo alvo de uma das maiores caçadas humanas do país na época, acompanhada dia a dia pela mídia, até ser presa em Nova York em outubro.
O julgamento de dezoito meses que se seguiu, colocou uma mulher negra, jovem, bonita, culta e politizada, assessorada por uma equipe brilhante de advogados, no centro das atenções da imprensa americana.
Dezoito meses após o início do julgamento, Angela foi inocentada de todas as acusações e libertada. John Lennon e Yoko Ono lançaram a música Angela em sua homenagem e os Rolling Stones gravaram Sweet Black Angel em sua homenagem.
Angela Davis candidatou-se a vice-presidente dos Estados Unidos em 1980 e 1984 como companheira de chapa de Gus Hall, presidente do Partido Comunista americano, tendo votação irrisória. Continuou sua carreira de ativista política e escreveu diversos livros, principalmente sobre as condições carcerárias no país.
Nos últimos anos continua a fazer discursos e palestras principalmente em ambientes universitários e se mantém como uma figura proeminente na luta pela abolição da pena de morte na Califórnia. Em 1977-1978 foi-lhe atribuído o Prêmio Lênin da Paz.
Nesta entrevista concedida à repórter Cleidiana Ramos, do jornal baiano A Tarde, com o auxílio da tradutora Raquel Luciana de Souza, Angela Davis falou, dentre outros assuntos, sobre as lições que o governo brasileiro pode oferecer a Barack Obama, em relação a uma política de maior aproximação com a África.
A TARDE — É a segunda vez que a senhora vem à Bahia. O que notou sobre a questão racial e de gênero aqui?
Angela Davis — O termo feminismo é ainda bastante contestado, como também é contestado nos EUA. Mas, eu descobri que há mulheres ativistas que estão fazendo um trabalho bastante semelhante. Então, nesse sentido, não faz diferença como uma pessoa se identifica. Tem mulheres que estão trabalhando nessas questões de violência contra a mulher, assistindo vítimas dessa violência e, ao mesmo tempo, pensando em formas de se erradicar um fenômeno que é uma pandemia por todo o mundo. São questões que eu acredito que perpassam as fronteiras nacionais. Acredito que ativistas nos EUA podem aprender muito com ativistas aqui do Brasil.
Ao que atribui a resistência ao termo feminismo?
Há essa resistência ao termo feminismo porque pressupõe-se que se adotem posições vazias: Há posições antimasculinas, anti-homem. Quando feministas brancas formularam pela primeira vez essa noção de direitos das mulheres, elas estavam somente prestando atenção à questão de gênero e não prestavam atenção à questão de raça e de classe. E nesse processo elas racializaram gênero como branco e colocaram uma questão de classe como uma classe burguesa, mas as feministas negras argumentaram que você não pode considerar gênero sem considerar também a questão de raça, a questão de classe e a questão de sexualidade. Então isso significa que as mulheres têm de se comprometer a combater o racismo e lutar tanto em prol de mulheres como de homens
.
É uma visão bem diferente daquela que a maioria das pessoas tem sobre feminismo.
O tipo de feminismo que eu abraço não é um feminismo divisivo. É um feminismo que busca a integração. Mas, como disse anteriormente, estou mais preocupada com o trabalho que as pessoas fazem e o resultado que alcançam do que se estas pessoas se denominam feministas ou não. Muito do trabalho histórico tem descoberto tradições e legados feministas de mulheres que nunca se denominaram feministas, mas nós as localizamos dentro de uma tradição feminista. Eu já vi trabalhos que falam sobre Lélia Gonzalez no Brasil denominando-a feminista e eu não sei se ela se considerava feminista. .
.
A senhora pensa em escrever algo sobre as suas impressões em relação à Bahia?
Eu acho que sim. Mas eu teria de voltar aqui e passar um pouco mais de tempo fazendo uma pesquisa substantiva. Estou bastante impressionada com o ativismo das mulheres em Salvador e, em geral, aqui é um lugar maravilhoso.
A Cidade das Mulheres, de Ruth Landes, trabalho realizado na década de 30, trata do poder feminino no candomblé da Bahia.
Aqui no Brasil, o poder que as mulheres exercem é uma base muito poderosa para o poder feminista no Brasil. Eu escrevi um livro, Legados do Blues, e o meu argumento é que as mulheres do blues, durante os anos 20, ajudaram a forjar um feminismo da classe trabalhadora.
Os EUA elegeram pela primeira vez um presidente negro. Passado esse primeiro semestre do governo Obama, como a senhora avalia as suas ações?
Ele fez coisas boas e fez algumas coisas ruins. A minha posição em relação a Obama nunca foi de pressupor que um homem sozinho, independentemente de sua raça ou classe, pudesse salvar o país e o mundo. O que foi bastante entusiasmante em relação à sua eleição foi o que nós aprendemos sobre o país. O fato de que tantas pessoas estavam predispostas a votar nele nos diz que houve progresso. É claro que não atrapalhou o fato de ele estar disputando a eleição com o partido de George Bush. A segunda questão é que Obama apresentou-se como alguém conectado a uma tradição de luta negra. Ele se identifica com o movimento dos direitos civis, com figuras como Martin Luther King. Um homem negro que tivesse uma política conservadora não teria feito a diferença em termos de ponderarmos sobre onde estamos agora. A terceira questão e, provavelmente, a mais importante, é que Obama foi eleito porque os jovens criaram esse movimento em massa.
Este é um aspecto bem interessante sobre a vitória de Obama.
A eleição de Obama nos transmitiu o que estava acontecendo em termos de organização de uma juventude com um movimento de base. Eram jovens negros, brancos, latinos, indígenas. A minha esperança está na capacidade de esse movimento ir na direção correta. Por outro lado, Obama não tem tomado bons posicionamentos, como em relação à questão da manutenção das tropas militares no Afeganistão.
O governo brasileiro adotou uma política de aproximação com os países africanos. Há muita esperança de que o governo Obama possa fazer o mesmo. Esta esperança, em sua opinião, pode se confirmar?
Obama tomou uma boa decisão ao visitar à África. Ele visitou Gana. Isso prova que sua visita não era simplesmente em função das suas origens, mas também para discutir problemas sérios. Em, termos de relação entre os EUA e a África, principalmente na questão histórica, foi muito importante a visita de Obama aos fortes de Gana, da Costa do Cabo e à porta do não-retorno. Foi muito importante para os EUA verem isso. Os afro-americanos já conhecem esses lugares. Eles viajam ao Senegal, a Costa do Cabo, mas esta foi a primeira vez que essa conexão histórica entre EUA e a África foi evidenciada. Isso estimulou uma discussão sobre o papel da escravidão. Logo depois, por exemplo, houve reportagens sobre a plantação onde um bisavô de Michelle Obama foi escravo.
As questões históricas ganharam destaque.
Estas questões históricas são importantes. Mas o que eu considero ser muito difícil para Obama fazer é reconhecer os danos horrendos que o capitalismo causou à África. As políticas de ajustes estruturais do FMI e do Banco Mundial fizeram com que vários países africanos desviassem recursos de serviços sociais para setores lucrativos da economia. Acredito que isso é que tem de ser abordado. Eu sei que o Brasil tem uma posição mais progressista em relação à África. Então, provavelmente, quando Obama visitar o Brasil ele vai poder aprender algumas lições. Quando isso acontecer, estaremos extremamente felizes porque nós ficamos muito envergonhados quando o George Bush veio e disse: Eu não sabia que havia negros no Brasil.
O que pensa sobre as ações afirmativas no Brasil?
Não tenho acompanhado esta discussão rigorosamente. Mas, na minha primeira visita ao Brasil, em 1997, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, as pessoas estavam apenas começando a reconhecer que o Brasil não era uma democracia racial. As ações afirmativas ainda estão sendo muito atacadas nos EUA, mas têm sido responsáveis pela integração de várias instituições em lugares, por exemplo, como a África do Sul. Eu sei que aqui no Brasil elas acontecem no que diz respeito às universidades. As ações afirmativas são um instrumento muito importante. O discurso nos EUA modificou-se. No lugar de se falar sobre ações afirmativas fala-se agora sobre diversidade, o que é problemático. A administração de George Bush foi a administração mais diversificada na história dos EUA antes da administração de Obama. Mas ele colocou em seu governo negros e latinos conservadores. Essa diversidade tem sido definida como a diferença que não faz a diferença.
Quando foi implantada a política de ações afirmativas nos EUA?
Em 1977, tivemos o primeiro desafio jurídico às ações afirmativas. Isso aconteceu num caso levantado por um homem branco que não foi admitido para a Universidade da Califórnia e desde então há o caso de vários outros processos judiciais impetrados por brancos que argumentam ser vítimas de um racismo às avessas.
No Brasil, o STF prepara-se para julgar a constitucionalidade das cotas a partir de uma provocação do DEM.
A meu ver, deve-se desafiar pressuposições de que o caso trata apenas de homens brancos como indivíduos e mulheres negras como indivíduos que estão ali lutando por um emprego. As ações afirmativas nunca foram concebidas para ajudar indivíduos apesar do fato de que indivíduos se beneficiam das mesmas. A ideia é soerguer uma comunidade inteira. Trata-se de uma população que foi objeto de discriminação. Tanto nos EUA como no Brasil nós ainda vivemos com o sedimentos da escravatura. A escravidão não é somente algo que existe no passado. Habita o nosso mundo hoje em dia, com toda a pobreza, o analfabetismo. As ações afirmativas são um passo inicial em termos de se abordarem questões de escravatura, colonização. Esquece-se tudo isso. Parece que existem só duas pessoas: um homem branco e um homem negro, ou um homem branco e uma mulher negra.
A senhora vem de uma geração muito politizada. Como analisa a ação política da juventude do mundo atual?
Eu estou muito entusiasmada. Não sou o tipo de pessoa que gosta de deitar nos louros da minha geração. Eu sei que cada geração abre uma nova trilha. Frequentemente pessoas que se engajaram em movimentos pressupõem que cada geração tem de fazer a mesma coisa da mesma forma. A minha postura é a de aprender com os jovens, porque sempre são eles que provocam as mudanças radicais. Grande parte do meu ativismo é contra o complexo industrial carcerário. Este é um movimento cuja maioria é constituída por jovens que utilizam métodos diferentes. Eles utilizam representações culturalistas, como música, e usam novas formas de comunicação, como facebook. Estou aprendendo muito com isso.
É um movimento interessante, então.
Estou feliz que eles tenham feito isso, porque se transforma o terreno para que se possa desenvolver novas ideias, expandindo o nosso conhecimento sobre as possibilidades para a liberdade. Por isso eu acho tão importante prestar atenção nos jovens. Eu não acredito nessas pessoas que dizem que os jovens são apáticos que eles não estão fazendo nada. Nós precisamos acompanhar este movimento, de maneira que estas noções de liberdade se expandam e se tornem mais abrangentes porque eu não acredito que chegaremos num ponto no qual possamos dizer isto é liberdade, nós chegamos ao topo da montanha e podemos parar de lutar. Acho que será uma luta infinita e as vitórias que conquistamos nos permite imaginar novas liberdades. O discurso de Martin Luther King, conhecido como Eu tenho um sonho, fala sobre chegar ao topo da montanha. Ele nunca diz o que se vê ao chegar ao topo da montanha. Acredito então que cada geração vai criar novas imaginações do significado de ser livre.
Fonte: Viomundo
Nenhum comentário:
Postar um comentário