A educação pública garante o mínimo para todo mundo. As escolas públicas são, necessariamente, ruins. Já as escolas privadas, pelo contrário, são boas – e o melhor meio de avaliação da qualidade da escola é o IDEB. Políticas que diminuíssem a presença do Estado na educação deixariam os pobres em situação muito pior. A educação domiciliar é nociva para a socialização dos estudantes. Essas frases resumem alguns dos maiores mitos da educação brasileira. São crenças compartilhadas por pais, estudantes, professores, funcionários da educação, pedagogos, sociólogos, formuladores de políticas públicas e políticos. Patrocinam, no mais das vezes, políticas equivocadas para alguns dos problemas sociais mais importantes do país.
A educação escolar, como vemos no último artigo, está passando por mudanças – impulsionadas, muitas vezes, de fora dela. E é bastante forte o debate acadêmico sobre novas concepções e recursos de educação. “A homogeneidade não é obrigatória para as escolas – e é a pior palavra que podemos usar para resumir um espaço de aprendizagem”, disse recentemente Pilar Lacerda, ex-secretária de Educação Básica do Ministério da Educação (A Reinvenção da Escola, Superinteressante 322, agosto 2013). Contudo, ainda pesam sobre as escolas noções enganosas que acabam contribuindo para coibir a inovação na área. Abaixo, começamos a desmistificar algumas delas.
1. A solução para a educação no país é aumentar os gastos públicos no setor.
O Education at a Glance 2013, organizado pela OCDE, levantou dados referentes à estrutura, finanças e desempenho dos sistemas educacionais de mais de 40 países. O observatório estatístico relevou dados relevantes para o debate acerca da formulação de futuras políticas educacionais no país: em 2010, o Brasil gastou 4,3% do seu PIB em educação básica, acima da média de 3,9% dos países da OCDE; e destinou 18,1% do orçamento público para a educação como um todo (contra 13% da organização internacional).
Trocando em miúdos, o governo brasileiro já gasta uma proporção maior do que os países mais ricos em educação básica, sem que os estudantes de escolas públicas alcancem resultados satisfatórios em testes padronizados de desempenho acadêmico (por exemplo, nas avaliações do PISA). Isso acontece porque há outros fatores que determinam o sucesso escolar, como liderança administrativa e o clima da escola (ambiente de trabalho organizado, expectativa dos professores em relação ao desempenho do aluno etc.).
2. A educação pública garante o mínimo de aprendizado para todo mundo.
A Avaliação Brasileira do Final do Ciclo de Alfabetização, chamada de Prova ABC, é uma iniciativa do movimento Todos Pela Educação em parceria com a Fundação Cesgranrio, o Instituto Paulo Montenegro e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
No ano passado, quando houve sua segunda edição, a avaliação foi aplicada a 54 mil crianças de 2º e 3º ano de escolas públicas e privadas de 600 municípios em todo o país. Os resultados mostraramque pouco menos da metade dos alunos do 3º ano do Ensino Fundamental (44,5%) apresenta proficiência adequada em leitura. Em matemática, o percentual é ainda menor (33,3%). Os demais estudantes ainda não aprenderam o mínimo suficiente para seguirem aprendendo com autonomia.
3. O Ideb avalia a qualidade da escola.
O Ideb é um indicador que sintetiza informações de desempenho em exames padronizados (Prova Brasil e Saeb) – obtidos pelos estudantes do 5º e 9º anos do ensino fundamental e 3º do ensino médio – com dados sobre rendimento escolar (taxa média de aprovação dos estudantes na etapa de ensino).
Ele é, portanto, instrumento útil para a medição da aprendizagem, mas não da eficácia da escola (school effectiveness), isto é, da qualidade dela. O estudo do que se convencionou chamar de “efeito-escola” é o melhor meio de se avaliar o impacto específico das políticas internas e dos projetos pedagógicos escolares sobre o aprendizado. Nessas pesquisas, controlam-se as variáveis relativas à origem social dos alunos e o contexto das escolas, fortemente associados à performance acadêmica.
4. A educação domiciliar é nociva para a socialização dos estudantes.
Esse mito é especialmente relevante no país, visto que a educação domiciliar é considerada por muitos promotores e juízes uma prática ilegal – nos últimos seis anos, dois casais foram condenados pela Justiça brasileira. Muitos dos pais que educam fora da escola são acusados de prejudicarem a socialização dos seus filhos. Pensa-se, muitas vezes, que os estudantes domiciliares serão incapazes de lidar com as “durezas” da vida além do ambiente familiar ou que sofrem com pouco contato social fora de casa.
Há várias formas de definir “socialização” e uma bastante comum, nas pesquisas sobre home education, é a que leva em conta o grau de envolvimento dos ex-estudantes domiciliares em atividades com outras pessoas fora de casa. Duas pesquisas recentes (ver referências abaixo) revelaram que ex-estudantes domiciliares adultos envolviam-se com mais frequência do que a média da população adulta de seus países em atividades comunitárias, grupos culturais, esportivos, religiosos, e em eleições. Richard Medlin (2000), professor de psicologia da Universidade de Stetson, concluiu, depois de revisar a literatura sobre o assunto, que “as crianças educadas em casa estão participando das rotinas de suas comunidades, associam-se com todo tipo de pessoas… e podem ser mais maduras socialmente do que outras crianças” (tradução livre, p. 17).
Pesquisas citadas ao longo do artigo:
RAY, B. D. Homeschooling Grows Up. National Home Education Research Institute, Salem, Oregon, 2003.
VAN PELT, D. A.; ALLISON, D. A; ALLISON, P. A. Fifteen Years Later: Home Educated Canadian Adults. London, Canadian Centre for Home Education (Monograph), 2009.
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