sexta-feira, 20 de setembro de 2013

EDUCAÇÃO DOMICILIAR À MARGEM DA LEI NO BRASIL

No Brasil, educação domiciliar está à margem da lei – Parte 2

994841_407743709345358_1002186417_nOitocentas famílias fazem educação em casa no Brasil, segundo a Associação Nacional de Educação Domiciliar. Há dois anos, eram 400 registros. “Não sabemos se houve crescimento ou se mais gente veio a público”, diz Alexandre Magno Moreira, diretor jurídico da associação.
A lei brasileira não trata da educação domiciliar, o que dá margem a interpretações. A Constituição diz que educação é dever do Estado e da família; para a Lei de Diretrizes e Bases e o Estatuto da Criança, os pais devem matricular os filhos na escola.
“O mesmo artigo da Carta é usado para defender o ensino em casa e para dizer que é inconstitucional”, diz Luciane Barbosa, doutoranda em educação na USP.
No entendimento do Superior Tribunal de Justiça, educação domiciliar é inconstitucional. Seis famílias já foram processadas pela prática, e, uma delas, condenada a pagar multa. Mas já há parecer favorável a uma família.
“Temos base legal para defender a prática”, diz Moreira, que é professor de direito.
Hoje em trâmite na Câmara dos Deputados, o projeto de lei 3.179/2012, do deputado federal Lincoln Portela (PR), faz a Lei de Diretrizes e Bases admitir a educação domiciliar com acompanhamento do Estado. “Há homeschool’ em 60 países. É um direito dos pais”, diz Portela.
Para Maria Celi Vasconcelos, pós-doutora em educação, é muito cedo. “A universalidade da educação é recente. A desescolarização ainda é vista sob suspeita”, diz ela, que é professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. “As últimas políticas públicas vão no sentido de aumentar a permanência de crianças na escola”, lembra.
O sociólogo André de Holanda pesquisou 62 famílias brasileiras que educam em casa. A maioria (90%) diz que sua motivação é dar uma educação melhor que a escola; 75% acham que a socialização na escola é prejudicial e 60% têm motivos religiosos.
Algumas dessas razões levaram Samuel Silva, 42, executivo, a decidir não matricular seus cinco filhos no colégio. “Eles podem render mais se forem tutoreados por nós.”
A família segue um currículo americano com os dois filhos mais velhos, de nove e sete anos. O material vem dos EUA e é complementado com textos em português.
“Meus filhos me perguntam se vão para a escola um dia. Um dia podemos achar que eles estão prontos”, diz o pai. E se esse dia não chegar e os filhos precisarem de certificados para entrar na faculdade? “Podem fazer supletivo. Há alternativas.”
Silva não teme problemas legais e rebate as críticas da falta de socialização. “É escola em casa, não é monastério. Meus filhos têm amigos, fazem futebol, coral na igreja.”
Para Barbosa, a socialização na escola também é questionável. “A escola seleciona o tipo de socialização. Há colégios de ricos, de pobres. Há contato com o diferente’, mas um diferente igual”, diz.
REFERÊNCIA INFANTIL
A pesquisadora enxerga na mobilização desses pais a necessidade de repensar a instituição de ensino. “Tudo mudou na sociedade, menos a escola. Eles têm razão nas críticas”, afirma. “Mas, apesar dos problemas, a escola é uma referência para a infância no Brasil e esses questionamentos poderiam ser usados para mudar a instituição. Se esses pais superengajados estivessem dentro da escola, ela seria diferente.”
Vasconcelos pesquisou famílias brasileiras e portuguesas para seu pós-doutorado e diz não ser possível classificar a educação domiciliar. “Há famílias com bons resultados, mas não significa que o homeschool’ é um sistema de qualidade.” Isso porque não há um só método, há milhares. Cada família tem um.
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‘Aqui a jornada é muito mais solitária’
Quando se mudaram dos EUA para o Brasil, há dois anos, Nadine Toppozada, 39, e Jean Trapenard, 48, precisaram mudar também o jeito de educar os dois filhos.
Karine e Alan, hoje com dez e 12 anos, nunca foram à escola e são “unschoolers”, palavra que define adeptos de uma educação ainda mais livre que o “homeschooling”. Aqui, ninguém segue manuais ou apostilas.
No Brasil, as crianças continuam sem ir à escola, mas a família teve que se adaptar ao fato de ser exceção. “A jornada ficou muito mais solitária”, diz Nadine, que tem formação em ciências políticas e é de origem egípcia.
“Morávamos em Los Angeles, fazíamos parte de uma rede de 700 famílias que praticavam educação em casa. Toda semana havia encontros em parques da cidade. As crianças ficavam juntas, compartilhavam experiências. Aqui isso não existe”, conta.
A solução para seguir com a educação domiciliar foi matricular as crianças em muitas aulas. “Faço tênis, violão e arco e flecha”, diz Alan, que já chegou a passar uma semana em uma escola, só para conhecer. “Não gostei. Tem muito faz isso, faz aquilo’. É tudo muito coordenado, tem hora para fazer as coisas.”
Foi sua mãe quem programou a visita. Karine foi conhecer um colégio por três dias. Também não gostou.
“A opção está aberta para eles se tiverem curiosidade. É uma escolha mais deles do que minha. Entendemos que a opinião da criança deve ser respeitada e tem o mesmo valor que a opinião do adulto.”
Quando começou a educação em casa, a família tentou comprar métodos com apostilas. Durou seis meses. “Não dava certo. Naturalmente saímos do currículo”, diz a mãe.
Nadine e o marido, que é engenheiro e brasileiro, quase não ocupam o papel de professores. As crianças aprendem lendo, pesquisando na internet e a partir de experiências práticas. Em um restaurante, por exemplo, uma delas pergunta como é calculada a gorjeta do garçom. Então os pais explicam.
A maioria dos conhecidos da família nunca ouviu falar em ensino domiciliar. “Perguntam: quando eles vão para a escola? Como se dissessem Chega, vocês moram no Brasil’.” Eles dizem não se incomodar. “Para nossa família vale a pena, mas sei que não é para todo mundo.”
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Herdeiros de ‘mãe tigre’ vão mal nos estudos
Fazer marcação cerrada para que os filhos tirem notas altas e ganhem competições pode ter efeitos contrários e resultar em baixo desempenho escolar, segundo pesquisa da Universidade do Texas em Austin (EUA).
O estudo avaliou o que ficou conhecido como método “mãe tigre”, depois do livro “Grito de Guerra da Mãe Tigre”, lançado em 2011 nos EUA, escrito por Amy Chua, descendente de chineses.
No best-seller, Chua conta as estratégias usadas por famílias chinesas para criar filhos bem-sucedidos – entre elas, proibi-los de ver TV, jogar no computador ou brincar na casa dos amigos e exigir que sempre tirem nota dez.
A pesquisa acompanhou por oito anos 444 famílias asiático-americanas e identificou quatro perfis de pais: dos mais aos menos severos.
Os filhos de “pais tigre” foram associados a menores notas e níveis de escolaridade mais baixos, sintomas depressivos e menor senso de obrigação familiar, segundo a pesquisa. Os filhos também se sentiam mais distantes dos pais em comparação aos de outros perfis familiares.
O estudo foi publicado em março deste ano na revista “Asian American Journal of Psychology”.
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‘Foi meu filho que pediu para sair da escola’
Empreendedor social, nômade, vegetariano, superdotado, minichef de cozinha e palestrante. É assim que Biel Baum, 11, se define em uma rede social. Filho de Sabrina Campos, 32, “empreendedora social em série”, ele é “unschooler”: não vai à escola desde os oito anos, é educado de forma livre pela mãe.
Não faltaram tentativas. “Ele passou por muitas escolas. De colégio de elite em São Paulo à escola pública no interior. Eram os mesmos problemas”, diz Sabrina. “Sofria bullying. Não se adaptava.”
Até que Biel disse à mãe que não queria mais ir à escola. “Não estranhei, mas pedi tempo para me preparar.”
Na época, eles moravam em Barcelona. Por um ano, Sabrina fez um “desmame”: matriculou o filho em uma escola americana à distância. Hoje, ele não é ligado a nenhuma instituição. Sabrina segue o próprio método para ensinar os filhos: além de Biel, Raquel, 4, e David, 2.
“Biel trabalha com projetos. Se não sei algo, vamos buscar juntos. Mobilizei tutores no mundo todo. Ele faz de cursos on-line em universidades a aulas de gastronomia. Sua produção é rica, já tem convite de universidades.”
Os resultados fizeram com que o pai de Biel aceitasse melhor o fato de o filho não ir à escola. “Ele se preocupou no começo, mas agora vê que tem coisa boa acontecendo.”
Sabrina hoje é casada com o catalão Rafael Megías. Há um ano a família faz intercâmbio de casas. Nesse tempo, moraram em seis cidades no Brasil. “Vamos dar uma parada. A Raquelzinha pediu para ter o próprio quarto”, conta a mãe, já adiantando que o intervalo é só até o fim do ano. “Em 2014 vamos para Granada [na Espanha].”
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Autora: Juliana Vinesde – São Paulo
Fonte: Folha de São Paulo

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