O livro que inspirou a Primavera Árabe e outras revoluções.
Livre para baixar.
Da ditadura à democracia Gene Sharp
Gene Sharp é o pioneiro da luta não violenta contra as ditaduras. Fundada em 1983, a Albert Einstein Institution publica trabalhos de Sharp: funciona como carro-chefe seu livro “Da Ditadura à Democracia” que inspiraram não violentas e revoltas. Focalizado em derrubar os pilares sociais que apoiam governos corruptos e policiais unir, militares e pessoas contra um inimigo comum, o trabalho Sharp é duradouro e poderoso, um raio de esperança para os povos oprimidos.
Uma de suas maiores contribuições é um guia com 198 medidas pacíficas a serem tomadas caso você e seus amigos queiram mudar o mundo (disponível gratuitamente para download em 40 idiomas).
Da
DITADURA
à
DEMOCRACIA
Uma Estrutura Conceitual
para a Libertação
Gene Sharp
Tradução José A.S. Filardo São
Paulo – Brasil
The Albert Einstein Institution
Todo o material constante nesta
publicação é de domínio público e pode
ser reproduzido sem a permissão de Gene
Sharp.
Citação da fonte e notificação
à Instituição Albert Einstein para a
reprodução, tradução e reimpressão desta
publicação são apreciados.
Primeira Edição, Maio de
2002 Segunda Edição, Junho de 2003 Terceira Edição Fevereiro de 2008 Quarta Edição, Maio de 2010
Da Ditadura à Democracia foi publicado originalmente em Bangkok em 1993, pelo
Comité para a restauração da democracia na Birmânia, em associação com Khit
Pyaing (O Jornal Nova Era). Desde então foi traduzido em pelo menos trinta e
uma outras línguas, e foi publicado na Sérvia, Indonésia e Tailândia, entre
outros países. Esta é a quarta edição dos Estados Unidos.
.
The Albert Einstein Institution
Caixa Postal 455 East Boston, MA 02128, EUA Tel.: EUA +1 617-247-4882 Fax: USA
+1 617-247-4035 E-mail: einstein@igc.org Website: www.aeinstein.org
ISBN 1-880813-09-2
Sumário
Prefácio
.......................................................................................................................................................
5
UM ENFRENTANDO DITADURAS REALISTICAMENTE
....................................................................................................
7
Um
problema persistente .......................................................................................................................
7
Liberdade
através da
violência?..............................................................................................................
8
Golpes,
eleições, salvadores estrangeiros?
............................................................................................
9
Enfrentando
a dura verdade
.................................................................................................................
11
DOIS OS PERIGOS DE NEGOCIAÇÕES
........................................................................................................................
12
Méritos
e limitações das negociações
..................................................................................................
12
Rendição
negociada?
............................................................................................................................
13
Poder
e Justiça em Negociações
...........................................................................................................
13
Ditadores
"Agradáveis"
.........................................................................................................................
14
Que
tipo de paz?
...................................................................................................................................
15
Razões
para se ter esperança ...............................................................................................................
15
TRÊS DE ONDE VEM O PODER?
...............................................................................................................................
17
A
fábula "O Mestre dos Macacos"
........................................................................................................
17
Fontes
necessárias de poder
político....................................................................................................
18
Centros
de poder democrático
.............................................................................................................
19
QUATRO DITADURAS TÊM FRAQUEZAS
..........................................................................................................................
21
Identificando
o calcanhar de Aquiles
....................................................................................................
21
Fraquezas
das ditaduras
.......................................................................................................................
21
Atacando
as fraquezas das ditaduras
...................................................................................................
22
CINCO EXERCITANDO O PODER..................................................................................................................................
23
O
funcionamento da luta não violenta .................................................................................................
23
Abertura,
sigilo, e altos padrões
...........................................................................................................
25
Mudando
as relações de poder
............................................................................................................
26
Quatro
Mecanismos de mudança
.........................................................................................................
26
Efeitos
democratizantes do desafio político
.........................................................................................
27
Complexidade
da luta não violenta
......................................................................................................
28
SEIS A NECESSIDADE DE PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO
..............................................................................................
29
Planejamento
realista ...........................................................................................................................
29
Obstáculos
ao planejamento
................................................................................................................
30
Quatro
termos importantes em planejamento estratégico
................................................................. 31
SETE ESTRATÉGIA DE PLANEJAMENTO
......................................................................................................................
34
Escolha
de meios ...................................................................................................................................
35
Planejando
para a democracia
.............................................................................................................
35
Ajuda
externa
........................................................................................................................................
35
Formulando
uma grande estratégia
.....................................................................................................
36
Planejando
estratégias de campanha
...................................................................................................
37
Disseminando
a ideia da não cooperação
............................................................................................
38
Repressão
e contramedidas
..................................................................................................................
39
Aderindo
ao plano
estratégico..............................................................................................................
40
OITO APLICANDO O DESAFIO POLÍTICO
.....................................................................................................................
41
Resistência seletiva
...............................................................................................................................
41
Desafio
simbólico ..................................................................................................................................
42
Distribuindo
a responsabilidade
...........................................................................................................
42
Visando
o poder dos ditadores
.............................................................................................................
43
Mudanças
na estratégia
........................................................................................................................
44
NOVE DESINTEGRANDO A DITADURA
........................................................................................................................
45
Escalada
da liberdade ...........................................................................................................................
46
Desintegrando
a Ditadura
.....................................................................................................................
47
Lidando
com o sucesso de maneira responsável
..................................................................................
47
DEZ BASES PARA A DEMOCRACIA DURÁVEl
.............................................................................................................
49
Ameaças
de uma nova ditadura
...........................................................................................................
49
Bloqueando
golpes
...............................................................................................................................
49
Elaboração
da Constituição
..................................................................................................................
50
Um
política de defesa democrática ......................................................................................................
50
Uma
responsabilidade meritória
..........................................................................................................
51
APÊNDICE UM OS MÉTODOS DE AÇÃO NÃO VIOLENTA
.............................................................................................................
53
APÊNDICE DOIS AGRADECIMENTOS E NOTAS SOBRE A HISTÓRIA DE DA DITADURA À DEMOCRACIA
................................................ 61
APÊNDICE TRÊS UMA NOTA SOBRE AS TRADUÇÕES E REIMPRESSÃO
DESTA PUBLICAÇÃO
................................................................ 63
LEITURA COMPLEMENTAR
..............................................................................................................................
64
PREFÁCIO
Uma das minhas grandes
preocupações por muitos anos, foi como as pessoas podem evitar e destruir
ditaduras. Isso foi alimentado, em parte devido à crença que os seres humanos
não devem ser dominados e destruídos por tais regimes. Essa crença foi
reforçada por leituras sobre a importância da liberdade humana, sobre a
natureza das ditaduras (desde Aristóteles até analistas do totalitarismo), e as
histórias de ditaduras (especialmente os sistemas nazista e estalinista).
Ao longo dos anos, tive a
oportunidade de conhecer pessoas que viveram e sofreram sob o regime nazista,
incluindo alguns que sobreviveram aos campos de concentração. Na Noruega,
conheci pessoas que haviam resistido ao domínio fascista e sobrevivido, e ouvi
sobre aqueles que pereceram. Conversei com judeus que haviam escapado das
garras nazistas e com pessoas que tinham ajudado a salva-los.
Conhecimento do terror do
regime comunista em vários países foi aprendido mais com livros do que contatos
pessoais. O terror desses sistemas pareceu-me ser especialmente doloroso porque
essas ditaduras foram impostas em nome da libertação da opressão e da
exploração.
Nas décadas mais recentes,
através de visitas de pessoas provenientes de países governados
ditatorialmente, como o Panamá, Polônia, Chile, Tibete e Birmânia, as
realidades das ditaduras atuais tornaram-se mais reais. De tibetanos que tinham
lutado contra a agressão comunista chinesa; russos que haviam derrotado o golpe
da linha dura em agosto de 1991 e tailandeses, que tinham bloqueado de maneira
não violenta um retorno à ditadura militar, eu ganhei perspectivas muitas vezes
perturbadoras sobre a natureza insidiosa das ditaduras.
O sentimento de emoção e
indignação contra as brutalidades, junto com a admiração pelo heroísmo calmo de
homens e mulheres incrivelmente corajosos, foi, por vezes, reforçado por
visitas a locais onde os perigos ainda são grandes, e ainda assim, o desafio de
pessoas corajosas continuou. Estes incluíram o Panamá sob Noriega; Vilnius na
Lituânia, sob contínua repressão soviética; a Praça Tiananmen, em Pequim, tanto
durante a manifestação festiva de liberdade quanto enquanto os primeiros
veículos blindados entraram naquela noite fatídica, e os quartéis na selva da
oposição democrática em Manerplaw em "Mianmar libertada".
Às vezes, eu visitei os locais
dos caídos, como a torre de televisão e o cemitério em Vilnius; o parque
público em Riga, onde as pessoas tinham sido mortas a tiros; no centro de
Ferrara, no norte da Itália, onde os fascistas alinharam e fuzilaram
resistentes; e um simples cemitério em Manerplaw cheio de corpos de homens que
haviam morrido jovens demais. É uma triste conclusão que todas as ditaduras
deixam tal morte e destruição em seu rastro.
Dessas preocupações e
experiências cresceu uma esperança determinada de que a prevenção da tirania
pode ser possível, que lutas bem sucedidas contra as ditaduras poderiam ser
travadas sem massacres mútuos em massa, que as ditaduras poderiam ser
destruídas e novas ditaduras impedidas de ressurgir das cinzas.
Tentei pensar cuidadosamente
sobre as formas mais eficazes em que as ditaduras podem ser desintegradas com
sucesso com o menor custo possível em sofrimento e vidas. Nisso, ao longo de muitos
anos, eu baseei meus estudos de ditaduras, movimentos de resistência,
revoluções, pensamento político, sistemas governamentais e, sobretudo, luta não
violenta realista.
Esta
publicação é o resultado. Estou certo de que está longe de ser perfeita. Mas,
talvez, ele ofereça algumas orientações para auxiliar o pensamento e
planejamento para produzir movimentos de libertação que sejam mais poderosos e
eficazes do que poderia ser o caso.
Da necessidade e da escolha
deliberada, o foco deste ensaio está no problema genérico de como destruir uma
ditadura e impedir o surgimento de uma nova. Não sou competente para produzir
uma análise detalhada e prescrição para um determinado país. Mas, é minha
esperança que esta análise genérica pode ser útil para pessoas, infelizmente,
em demasiados países que agora enfrentam a realidade de regimes ditatoriais.
Elas precisarão examinar a validade dessa análise para suas situações, e em que
medida as suas recomendações mais importantes são, ou pode ser tornadas
aplicáveis às suas lutas pela liberdade.
Em nenhum lugar desta análise,
eu suponho que desafiar ditadores será uma tarefa fácil e gratuita. Todas as
formas de luta têm complicações e custos. Combater ditadores, é claro,
produzirá vítimas. É minha esperança, no entanto, que essa análise estimulará
os líderes da resistência a considerar estratégias que possam aumentar a sua
potência efetiva, ao mesmo tempo em que reduz o nível relativo de baixas.
Também não deve esta análise
ser interpretada no sentido de que, quando a ditadura em particular terminou,
todos os outros problemas também desaparecerão.
A queda de um regime não traz
consigo uma utopia. Pelo contrário, ela abre o caminho para trabalho duro e
longos esforços para construir relacionamentos sociais, econômicos e políticos
mais justos, e para a erradicação de outras formas de injustiças e opressão.
Minha esperança é que esta breve análise de como uma ditadura pode ser
desintegrada possa ser útil onde quer que as pessoas vivam sob dominação e o
desejo de ser livre.
Gene Sharp
06 de outubro de 1993
Albert Einstein
Institution
Boston, Massachusetts
UM ENFRENTANDO DITADURAS REALISTICAMENTE
Nos últimos anos, várias
ditaduras - tanto de origem interna quanto externa - entraram em colapso ou caíram
quando confrontadas por pessoas desafiadoras e mobilizadas. Muitas vezes vistas
como firmemente entrincheiradas e inexpugnáveis, algumas dessas ditaduras
provaram ser incapazes de suportar o desafio político econômico e social
organizado do povo.
Desde 1980, as ditaduras ruíram
perante o desafio predominantemente não violento de pessoas na Estônia, Letônia
e Lituânia, Polônia, Alemanha Oriental, Checoslováquia e Eslovênia, Madagascar,
Mali, Bolívia e Filipinas. Resistência pacífica tem promovido o movimento em
direção à democratização no Nepal, Zâmbia, Coreia do Sul, Chile, Argentina,
Haiti, Brasil, Uruguai, Malásia, Tailândia, Bulgária, Hungria, Nigéria, e em
várias partes da antiga União Soviética (desempenhando um papel significativo
na derrota do golpe de estado de linha dura de Agosto de 1991).
Além disso, desafio político1 em massa
ocorreu na China, Birmânia e Tibete nos últimos anos. Embora essas lutas não
tenham posto fim às ditaduras ou ocupações dominantes, eles expuseram a
natureza brutal destes regimes repressivos à comunidade mundial, e forneceram
as populações uma valiosa experiência com esta forma de luta.
1 O termo usado neste contexto foi introduzido por Robert
Helvey. "Desafio político" é luta não violenta (protesto,
não-cooperação e intervenção), aplicada desafiadora e ativamente para fins
políticos. O termo surgiu em resposta à confusão e distorção criados por
equiparação da luta não violenta ao pacifismo e "não-violência" moral
ou religiosa. "Desafio" denota uma oposição deliberada à autoridade,
por meio de desobediência, não deixando espaço para submissão. "Desafio
político" descreve o ambiente em que a ação é empregada (político), bem
como o objetivo (poder político). O termo é usado principalmente para descrever
a ação das populações para recuperar o controle de instituições governamentais
através do ataque implacável às fontes de poder das ditaduras, e o uso
deliberado de planejamento estratégico e operações para o faze-lo. Neste
trabalho, desafio político, resistência não violenta e luta não violenta serão
usados como sinônimos, embora os dois últimos termos geralmente se refiram a
uma gama mais ampla de objetivos (sociais, econômicos, psicológicos, etc.).
2 Freedom House, Freedom in the World,
http://www.freedomhouse.org.
O colapso das ditaduras nos
países acima citados, certamente não apagou todos os outros problemas nessas
sociedades: pobreza, criminalidade, ineficiência burocrática, e a destruição
ambiental são, muitas vezes, o legado de regimes brutais. No entanto, a queda
destas ditaduras elevou minimamente grande parte do sofrimento das vítimas da
opressão e abriu o caminho para a reconstrução dessas sociedades com maior
democracia política, liberdades pessoais e justiça social.
Um problema persistente
Tem havido uma tendência de
maior democratização e liberdade no mundo nas últimas décadas. De acordo com a
Freedom House, que compila um relatório anual internacional da situação dos
direitos políticos e liberdades civis, o número de países ao redor do mundo
classificados como "Livres" cresceu significativamente nos últimos
anos:2
No entanto, esta tendência positiva é atenuada pelo grande
número de pessoas ainda vivendo sob condições de tirania. A partir de 2008, 34%
da população mundial de 6,6 bilhões vivia em países designados como "não
livres"3, ou seja, áreas com extremas restrições aos
direitos políticos e liberdades civis. Os 42 países na categoria
"não-livres" são governados por uma série de ditaduras militares
(como na antiga Birmânia), monarquias tradicionais repressivas (como na Arábia
Saudita e do Butão), partidos políticos dominantes (como na China e Coréia do
Norte), ocupantes estrangeiros (como no Tibete e no Saara Ocidental), ou estão
em estado de transição.
3
Ibid.
Muitos países
estão hoje em estado de rápida mudança econômica, política e social. Embora o
número de países "Livres" tenha aumentado nos últimos anos, há um
grande risco de que muitas nações, diante de tais mudanças fundamentais
rápidas, se movam na direção oposta, e experimentem novas formas de ditadura.
Panelinhas militares, indivíduos ambiciosos, oficiais eleitos e partidos
políticos doutrinários repetidamente procurem impor suas vontades. Golpes de
Estado são e continuarão a ser uma ocorrência comum. Os direitos humanos e
políticos básicos continuarão a serem negados a um vasto número de
pessoas.
Infelizmente,
o passado ainda está conosco. O problema das ditaduras é profundo. Pessoas em
muitos países vêm experimentando décadas ou mesmo séculos de opressão, seja de
origem nacional ou estrangeira. Com frequência, a submissão cega a figuras de
autoridade e governantes tem sido inculcada por muito tempo. Em casos extremos,
as instituições sociais, políticas, econômicas, religiosas e até mesmo da
sociedade - fora do controle do estado - foram deliberadamente enfraquecidas,
subordinadas, ou mesmo substituídas por novas instituições arregimentadas
utilizadas pelo Estado ou pelo partido governante para controlar a sociedade. A
população tem sido muitas vezes atomizada (transformada em uma massa de
indivíduos isolados) incapazes de trabalhar juntos para alcançar a liberdade,
confiar uns nos outros, ou até mesmo fazer muita coisa por sua própria
iniciativa.
O resultado é
previsível: a população torna-se fraca, não tem autoconfiança, e é incapaz de
resistir. As pessoas estão, frequentemente, muito assustadas para compartilhar
seu ódio à ditadura e seu desejo de liberdade, mesmo com a família e amigos. As
pessoas estão muitas vezes demasiado aterrorizadas para pensar seriamente em
resistência pública. Em todo caso, de que valeria? Em vez disso, elas enfrentam
sofrimento sem fim e um futuro sem esperança.
As condições
atuais nas ditaduras de hoje podem ser muito piores do que antes. No passado,
algumas pessoas podem ter tentado resistir. Protestos em massa de curta duração
e manifestações podem ter ocorrido. Talvez os espíritos tivessem se elevado temporariamente.
Em outras ocasiões, indivíduos e pequenos grupos podem ter feito gestos
corajosos, porém impotentes, afirmando algum princípio ou simplesmente sua
rebeldia. Por mais nobres que fossem os motivos, tais atos passados de
resistência foram, com frequência, insuficientes para superar o medo do povo e
o hábito de obediência, um pré-requisito necessário para destruir a ditadura.
Infelizmente, esses atos podem ter trazido, ao invés, só aumento do sofrimento
e morte e não, vitórias ou até mesmo a esperança.
Liberdade através da
violência?
O que deve ser
feito nessas circunstâncias? As possibilidades óbvias parecem inúteis.
Barreiras legais e constitucionais, decisões judiciais e a opinião pública são
normalmente ignoradas pelos ditadores. Compreensivelmente, reagir às
brutalidades, torturas, desaparecimentos e assassinatos, as pessoas, com
frequência concluíram que só a
violência pode acabar com a ditadura. Vítimas enraivecidas
algumas vezes organizaram-se para lutar contra os brutais ditadores com qualquer
capacidade militar e violenta de que pudessem dispor, apesar das probabilidades
serem contra elas. Essas pessoas, muitas vezes, lutaram bravamente, com um
grande custo em termos de vidas e sofrimento. Suas realizações foram por vezes
notáveis, mas eles raramente ganharam a liberdade. Rebeliões violentas podem
desencadear uma repressão brutal que, frequentemente, deixa a população mais
indefesa do que antes.
Independentemente
do mérito da opção de violência, no entanto, uma coisa é certa. Ao depositar a
confiança nos meios violentos, escolhe-se exatamente o tipo de luta em que os
opressores, quase sempre têm a superioridade. Os ditadores estão equipados para
aplicar violência esmagadora. Não importa quão longa ou brevemente esses
democratas possam continuar, eventualmente, as duras realidades militares
tornam-se inevitáveis. Os ditadores têm quase sempre superioridade em
equipamento militar, munições, transportes, e tamanho das forças militares.
Apesar da bravura, os democratas não são (quase sempre) páreo para eles.
Quando a
rebelião militar convencional é reconhecida como irrealista, alguns
dissidentes, então, preferem a guerrilha. Mas, a guerrilha raramente, se alguma
vez, beneficia a população oprimida ou traz uma democracia. A guerrilha não é uma
solução óbvia, sobretudo tendo em conta a tendência muito forte de produzir um
número imenso de vítimas entre seu próprio povo. A técnica não é garantia
contra a falha, apesar de dar suporte à análise teórica e estratégica, e por
vezes apoio internacional. Lutas de guerrilha muitas vezes duram muito tempo.
As populações civis são frequentemente deslocadas pelo governo estabelecido,
com imenso sofrimento humano e deslocamento social.
Mesmo quando
bem sucedida, as lutas de guerrilha têm frequentemente significativas
consequências estruturais negativas de longo prazo. Imediatamente, o regime
atacado se torna mais ditatorial, como resultado de suas contramedidas. Se os
guerrilheiros finalmente têm sucesso, o regime resultante, com frequência é
mais ditatorial do que seu antecessor devido ao impacto centralizador das
forças militares ampliadas e o enfraquecimento ou a destruição de grupos e
instituições independentes da sociedade durante a luta - órgãos que são vitais
para o estabelecimento e manutenção de uma sociedade democrática. Pessoas
hostis às ditaduras devem procurar outra opção.
Golpes, eleições, salvadores
estrangeiros?
Um golpe
militar contra uma ditadura pode parecer relativamente uma das maneiras mais
simples e rápidas de remover um regime particularmente repugnante. Mas, existem
problemas muito sérios com essa técnica. Mais importante ainda, ela deixa no
lugar a má distribuição de poder existente entre a população e a elite que
controla o governo e suas forças militares. A remoção das pessoas e grupos em
particular de cargos governamentais mais provavelmente possibilitará que outro
grupo tome seus lugares. Teoricamente, esse grupo poderia ser mais suave em seu
comportamento e mais aberto de forma limitada a reformas democráticas. Mas, é
mais provável que aconteça o contrário.
Depois de
consolidar sua posição, a nova camarilha pode vir a ser mais cruel e mais
ambiciosa que a antiga. Por conseguinte, a nova camarilha - em quem foram
depositadas as esperanças - será capaz de fazer o que quiser sem se preocupar
com a democracia ou direitos humanos. Essa não é uma resposta aceitável para o
problema da ditadura.
Não existem
eleições sob ditaduras como instrumento de mudança política significativa.
Alguns regimes ditatoriais, tais como as do antigo bloco oriental dominado
pelos soviéticos, passava por esse trâmite, com o objetivo de parecer
democráticos. Aquelas eleições, no entanto, eram apenas plebiscitos rigidamente
controlados para obter endosso público dos candidatos já escolhidos a dedo pelos
ditadores. Ditadores sob pressão às
vezes podem concordar com novas eleições, mas depois eles as
instrumentalizam para colocar fantoches civis em cargos governamentais. Se os
candidatos da oposição tivessem sido autorizados a concorrer e fossem realmente
eleitos, como ocorreu na Birmânia em 1990 e na Nigéria em 1993, os resultados
podem ser simplesmente ignorados e os "vencedores" submetidos a
intimidação, detenção ou, até mesmo, execução. Ditadores não estão no negócio
de autorizar eleições que possam removê-los de seus tronos.
Muitas pessoas
que agora estão sofrendo sob uma ditadura brutal, ou que tenham ido para o
exílio para escapar de seu alcance imediato, não acreditam que os oprimidos
possam se libertar. Eles esperam que o seu povo só possa ser salvo pelas ações
de outros. Essas pessoas colocam a sua confiança em forças externas. Elas
acreditam que somente a ajuda internacional pode ser forte o suficiente para
derrubar os ditadores.
A visão de que
os oprimidos são incapazes de agir eficazmente algumas vezes é precisa por um
determinado período. Como foi observado, muitas vezes as pessoas oprimidas não
estão dispostas e estão temporariamente incapazes de lutar, porque não têm
confiança na suas capacidades para enfrentar a ditadura cruel, e nenhuma maneira
conhecida para se salvarem. Por isso, é compreensível que muitas pessoas
coloquem sua esperança de libertação nos outros. Esta força externa pode ser a
"opinião pública", as Nações Unidas, um determinado país, ou as
sanções econômicas e políticas internacionais.
Tal cenário
pode soar reconfortante, mas há problemas graves com esta confiança em um
salvador externo. Essa confiança pode estar totalmente equivocada. Geralmente,
nenhum salvador externo está vindo, e se um estado estrangeiro intervir, ele
provavelmente não será confiável.
Algumas
realidades duras sobre dependência de intervenção estrangeira devem ser
enfatizados aqui:
•
Frequentemente, estados estrangeiros tolerarão, ou até mesmo ajudarão
positivamente uma ditadura, a fim de defender seus próprios interesses
econômicos ou políticos.
• Estados
estrangeiros também podem estar dispostos a vender um povo oprimido em vez de
manter as promessas de ajudar em sua libertação à custa de outro objetivo.
• Alguns
estados estrangeiros agirão contra uma ditadura só para ganhar o controle
econômico, político ou militar sobre o país.
• Os estados
estrangeiros podem se envolver ativamente para fins positivos somente se e
quando o movimento de resistência interna já começou a abalar a ditadura, tendo,
assim, a atenção internacional direcionada para a natureza brutal do
regime.
Ditaduras
normalmente existem principalmente por causa da distribuição interna do poder
no país de origem. A população e a sociedade são demasiado fracas para causar à
ditadura sérios problemas; a riqueza e o poder estão concentrados em muito
poucas mãos. Embora a ditadura possa se beneficiar ou ser um pouco debilitado
por ações internacionais, sua existência depende principalmente de fatores
internos.
Pressões
internacionais podem ser muito úteis; mas quando elas estão apoiando um
poderoso movimento de resistência interna. Então, por exemplo, boicotes
econômicos internacionais, embargos, rompimento das relações diplomáticas,
expulsão de organizações internacionais, condenação por organismos das Nações
Unidas, e assemelhados podem ajudar muito. Mas, na ausência de um movimento de
resistência interna forte, tais ações por outros são improváveis que
ocorram.
Enfrentando
a dura verdade
A conclusão é
dura. Quando se quer derrubar uma ditadura de forma mais eficaz e com o menor
custo, então se tem quatro tarefas imediatas:
• Deve-se
fortalecer a própria população oprimida em sua determinação, autoconfiança e
habilidades de resistência;
• É preciso
fortalecer os grupos sociais e instituições independentes do povo
oprimido;
• É preciso
criar uma poderosa força interna de resistência; e
• Deve-se
desenvolver um grande e sábio plano estratégico para a libertação e
implementá-lo com habilidade.
A luta de
libertação é um momento de autoconfiança e fortalecimento interno do grupo em
luta. Conforme Charles Stewart Parnell gritou durante a campanha irlandesa de
greve contra os aluguéis em 1879 e 1880:
Não adianta
confiar no governo. . . . Você deve confiar somente em sua própria
determinação. . . . Ajudar-se permanecendo unido. . . fortalecer aqueles entre
vocês que são fracos. . . , unirem-se, organizarem-se. . . e vocês devem
vencer. . .
Quando você
tiver tornado esta pergunta madura para o acerto, então e só então ela vai ser
acertada.4
4 Patrick Sarsfield O’Hegarty, A History of Ireland
Under the Union, 1880-1922 (London: Methuen, 1952), pp. 490-491.
Contra uma
força autossuficiente, dada a estratégia sensata, ação disciplinada e corajosa,
e força genuína, a ditadura acabará por ruir. Minimamente, no entanto, os
quatro requisitos acima precisam ser atendidos.
Como a
discussão acima indica, a libertação das ditaduras, em última análise, depende
da capacidade das pessoas de libertar a si mesmas. Os casos de desafio político
bem sucedido - ou luta não violenta para fins políticos - citados acima indicam
que os meios existem para que as populações se libertem, mas essa opção
permanece subdesenvolvida. Examinaremos esta opção em detalhes nos capítulos
seguintes. Mas, devemos primeiro examinar a questão das negociações como meio
de desmantelar ditaduras.
DOIS OS PERIGOS DE NEGOCIAÇÕES
Quando confrontados com os
graves problemas de enfrentar uma ditadura (como estudado no Capítulo I), algumas
pessoas podem cair de volta em submissão passiva. Outros, não vendo qualquer
perspectiva de alcançar a democracia, podem concluir que devem chegar a um
acordo com a ditadura aparentemente permanente, esperando que através de
"conciliação" de "compromisso" e "negociações"
eles possam ser capazes de recuperar alguns elementos positivos e acabar com as
brutalidades. Na superfície, na falta de opções realistas, há um apelo àquela
linha de raciocínio.
A luta séria contra as
ditaduras brutais não é uma perspectiva agradável. Por que é necessário ir por
esse caminho? Não é possível todo mundo simplesmente ser razoável e encontrar
maneiras de falar, de negociar o caminho até um fim gradual da ditadura? Não
podem os democratas apelar ao senso de humanidade comum dos ditadores e
convencê-los a reduzir a sua dominação progressivamente, e talvez, finalmente a
ceder completamente ao estabelecimento de uma democracia?
Alega-se, por vezes, que a
verdade não está toda de um lado. Talvez os democratas não tenham compreendido
os ditadores, que podem ter agido por motivos bons em circunstâncias difíceis?
Ou talvez alguns possam pensar que os ditadores de bom grado retirar-se-iam da
difícil situação que o país enfrenta se, simplesmente, alguém desse algum
incentivo e seduções. Pode-se argumentar que se poderia oferecer aos ditadores
uma solução em que todos ganhassem, onde cada um ganha alguma coisa. Os riscos
e as dores de mais lutas poderiam ser desnecessários, pode-se argumentar, se a
oposição democrática só estivesse disposta a resolver pacificamente o conflito
através de negociações (que poderiam até, talvez, serem assistidas por alguns
indivíduos qualificados ou mesmo por outro governo). Não seria isso preferível
a uma luta difícil, mesmo se fosse conduzida uma luta não violenta e não pela
guerra militar?
Méritos e limitações das negociações
Negociações são uma ferramenta
muito útil na resolução de certos tipos de problemas em conflitos, e não devem
ser negligenciadas ou rejeitadas quando são adequadas.
Em algumas situações em que não
há questões fundamentais em jogo e, portanto, um compromisso é aceitável, as
negociações podem ser um importante meio para resolver um conflito. Uma greve
por melhores salários é um bom exemplo do papel apropriado das negociações em um
conflito: uma solução negociada pode proporcionar um aumento em algum lugar
entre os montantes inicialmente propostos por cada um dos lados em conflito.
Conflitos trabalhistas com os sindicatos legais são, no entanto, completamente
diferente do que os conflitos nos quais a manutenção de uma ditadura cruel ou a
instauração da liberdade política estão em jogo.
Quando as questões em jogo são
fundamentais, afetando princípios religiosos, questões da liberdade humana, ou
todo o desenvolvimento futuro da sociedade, as negociações não fornecem uma
maneira de alcançar uma solução mutuamente satisfatória. Em algumas questões
básicas não deve haver qualquer compromisso. Só uma mudança nas relações de
poder em favor dos democratas pode proteger adequadamente as questões básicas
em jogo. Tal mudança ocorrerá por meio da luta, não das negociações. Isso não
quer dizer que as negociações nunca devam ser usadas. O ponto aqui é que as
negociações não são uma forma realista para remover uma ditadura forte na
ausência de uma forte oposição democrática.
As
negociações, é claro, podem simplesmente não ser uma opção. Ditadores
firmemente entrincheirados que se sentem seguros em sua posição podem se
recusar a negociar com seus adversários democráticos. Ou, quando as negociações
tiverem sido iniciadas, os negociadores democráticos podem desaparecer e nunca
mais se ouviu falar deles.
Rendição negociada?
Indivíduos e grupos que se
opõem à ditadura e são a favor das negociações, muitas vezes, têm bons motivos.
Especialmente quando uma luta militar continuou durante anos contra uma
ditadura brutal sem vitória final, é compreensível que todas as pessoas,
independentemente da sua orientação política queiram a paz. As negociações são
particularmente susceptíveis de se tornarem um problema entre os democratas,
onde os ditadores têm clara superioridade militar e a destruição e morte entre
seu próprio povo não são mais suportáveis. Em seguida, haverá uma forte
tentação de explorar qualquer outra via que pode salvar alguns dos objetivos
dos democratas, enquanto põe fim ao ciclo de violência e contra violência.
A oferta de "paz" por
uma ditadura por meio de negociações com a oposição democrática é, claro, um
pouco hipócrita. A violência poderia ser encerrada imediatamente pelos próprios
ditadores, se pelo menos eles parassem a guerra contra seu próprio povo. Eles
poderiam, por sua própria iniciativa, sem qualquer negociação restaurar o
respeito pela dignidade humana e direitos, libertar os presos políticos, acabar
com a tortura, suspender as operações militares, retirar-se do governo e pedir
desculpas ao povo.
Quando a ditadura é forte, mas
existe uma resistência irritante, os ditadores podem querer negociar a rendição
da oposição, sob o pretexto de fazer a "paz". O convite para negociar
pode parecer atraente, mas podem existir graves perigos à espreita na sala de
negociações.
Por outro lado, quando a
oposição é excepcionalmente forte e a ditadura está verdadeiramente ameaçada,
os ditadores podem procurar as negociações a fim de salvar o máximo de seu
controle ou o máximo de riqueza possível. Em nenhum caso os democratas devem
ajudar ditadores atingir seus objetivos.
Os democratas deveriam ter
cuidado com as armadilhas que podem ser deliberadamente construídas em um
processo de negociação pelos ditadores. A chamada para as negociações quando
questões básicas de liberdades políticas estão envolvidas pode ser um esforço
por parte dos ditadores para induzir os democratas a se render pacificamente,
enquanto a violência da ditadura continua. Nesses tipos de conflitos, a única
função adequada das negociações pode ocorrer no final de uma batalha decisiva
em que o poder dos ditadores tenha sido efetivamente destruído, e eles buscam
passagem segura pessoal até um aeroporto internacional.
Poder e Justiça em Negociações
Se este julgamento parece ser
um comentário demasiado duro em negociações, talvez um pouco do romantismo
associado a eles deva ser moderado. Pensamento claro é exigido quanto à forma
como funcionam as negociações.
"Negociação" não
significa que os dois lados se sentam juntos em base de igualdade e discutem e
resolvem as diferenças que produziram o conflito entre eles. Dois fatos devem
ser lembrados. Primeiro, nas negociações não é a justiça relativa dos pontos de
vista conflitantes e os objetivos que determinam o conteúdo de um acordo
negociado. Em segundo lugar, o conteúdo de um acordo negociado é largamente
determinado pela capacidade de poder de cada lado.
Várias
questões difíceis devem ser consideradas. O que pode fazer cada lado em data
posterior para atingir seus objetivos se o outro lado não consegue chegar a um
acordo na mesa de negociação? O que pode fazer cada lado depois de um acordo
ser alcançado, se o outro lado quebrar sua palavra e usar suas forças
disponíveis para atingir seus objetivos, apesar do acordo?
Um acordo não é alcançado nas
negociações através de uma avaliação dos erros e acertos das questões em jogo.
Embora esses possam ser muito discutido, os resultados reais nas negociações
vêm de uma avaliação das situações de poder absoluto e relativo dos grupos em
conflito. O que podem os democratas fazer para garantir que suas reivindicações
mínimas não possam ser negadas? O que podem os ditadores fazer para ficar no
controle e neutralizar os democratas? Em outras palavras, se um acordo surgir,
é mais provável que o resultado de cada lado estimando como se compara a
capacidade de poder dos dois lados, e depois calculando quanto uma luta aberta
poderia acabar.
Atenção deve ser prestada ao
que cada um dos lados está disposto a ceder, a fim de chegar a um acordo. Nas
negociações bem sucedidas há compromisso, uma divisão das diferenças. Cada lado
recebe parte do que quer, e cede parte dos seus objetivos.
No caso de ditaduras de
extremas o que as forças pró-democracia devem ceder aos ditadores? Quais os
objetivos dos ditadores são as forças pró-democracia a aceitar? Os democratas
devem ceder aos ditadores (seja um partido político ou uma conspiração militar)
um papel permanente constitucionalmente estabelecido no futuro governo? Onde
está a democracia nisso?
Mesmo supondo que tudo vai bem
nas negociações, é necessário perguntar: Que tipo de paz será o resultado? A
vida será melhor ou pior do que seria se os democratas começassem ou
continuassem a luta?
Ditadores "Agradáveis"
Os ditadores podem ter muitos
motivos e objetivos subjacentes à sua dominação: poder, posição, riqueza,
remodelar a sociedade, e assim por diante. Devemos nos lembrar de que nenhum
destes será atingido se eles abandonarem as suas posições de controle. No caso
de as negociações, os ditadores tentarão preservar seus objetivos.
Sejam quais forem as promessas
oferecidas por ditadores em qualquer solução negociada, não se deve esquecer
que os ditadores podem prometer qualquer coisa para garantir a submissão de
seus adversários democráticos e, em seguida descaradamente violar esses mesmos
acordos.
Se os democratas concordam em
suspender a resistência para obter uma suspensão da repressão, eles podem ficar
muito decepcionados. Um interrupção da resistência raramente leva à redução da
repressão. Uma vez que a força de restrição da oposição interna e internacional
tenha sido removida, os ditadores podem até mesmo tornar sua opressão e
violência mais brutal do que antes. O colapso da resistência popular, muitas
vezes elimina a força de contrapeso que limitava o controle e brutalidade da
ditadura. Os tiranos podem, então, avançar contra quem quer que seja.
"Porque o tirano tem o poder de infligir apenas a quem falta a força para
resistir", escreveu Krishnalal Shridharani.5
5 Krishnalal Shridharani, War Without Violence: A Study
of Gandhi’s Method and Its Accomplishments (New York: Harcourt, Brace, 1939,
and reprint New York and London: Garland Publishing, 1972), p. 260.
A
resistência, não as negociações, é essencial para a mudança nos conflitos em
que questões fundamentais estão em jogo. Em quase todos os casos, a resistência
deve continuar a conduzir os ditadores para fora do poder. O Sucesso é mais
frequentemente
determinado não pela negociação
de um acordo, mas através da utilização racional dos meios mais apropriados e
potentes de resistência disponíveis. É nosso argumento, a ser explorado mais
tarde com mais detalhes, que o desafio político, ou a luta não violenta, é o
meio mais poderoso disponível para aqueles que lutam pela liberdade.
Que tipo de paz?
Se finalmente ditadores e
democratas devem falar sobre a paz, raciocínio extremamente claro é necessário
devido aos perigos envolvidos. Nem todo mundo que usa a palavra "paz"
quer a paz com liberdade e justiça. A submissão à opressão cruel e aquiescência
passiva a ditadores cruéis que cometeram atrocidades em centenas de milhares de
pessoas não é a verdadeira paz. Hitler muitas vezes pediu paz, com o que ele
queria dizer submissão à sua vontade. A paz dos ditadores é muitas vezes nada
mais que a paz da prisão ou do sepulcro.
Há outros perigos. Os
negociadores bem intencionados, às vezes confundem os objetivos das negociações
e o processo de negociação em si. Além disso, negociadores democráticos ou
especialistas em negociação estrangeiros aceitos para ajudar nas negociações
podem em um único golpe fornecer aos ditadores a legitimidade interna e
internacional que havia sido negado anteriormente devido à sua tomada do
estado, violações dos direitos humanos e brutalidades . Sem aquela legitimidade
desesperadamente necessária, os ditadores não pode continuar a governar
indefinidamente. Expoentes da paz não devem lhes dar legitimidade.
Razões para se ter esperança
Conforme afirmado
anteriormente, os líderes da oposição podem se sentir forçados a prosseguir as
negociações com um sentimento de desesperança da luta democrática. No entanto,
essa sensação de impotência pode ser alterada. Ditaduras não são permanentes.
As pessoas que vivem sob ditaduras não precisam permanecer fracas, e os
ditadores não precisam ser autorizados a permanecer fortes por tempo
indeterminado. Aristóteles observou há muito tempo "6 . . . A
oligarquia e a tirania têm vida mais curta do que qualquer outra constituição.
. . . Todas juntas, as tiranias não duraram muito tempo. " 6 As ditaduras
modernas também são vulneráveis. Seus pontos fracos podem ser agravados e o poder
dos ditadores pode ser desintegrado. (No Capítulo Quatro, examinaremos esses
pontos fracos em detalhes.)
6 Aristóteles, A Política, tradução de Sinclair TA
(Harmondsworth, Middlesex, England and Baltimore, Maryland: Penguin Books 1976
[1962]), Livro V, Capítulo 12, pp. 231 e 232.
A história recente mostra a
vulnerabilidade das ditaduras e revela que elas podem se desintegrar em um
curto espaço de tempo: enquanto que dez anos - 1980-1990 - foram necessários
para derrubar a ditadura comunista na Polônia; na Alemanha Oriental e na
Tchecoslováquia em 1989 ela ocorreu dentro de semanas. Em El Salvador e na
Guatemala em 1944, as lutas contra os ditadores militares brutais
entrincheirados exigiram cerca de duas semanas cada. O poderoso regime militar
do Xá do Irã foi solapado em alguns meses. A ditadura de Marcos nas Filipinas
caiu diante do poder do povo dentro de algumas semanas em 1986: o governo dos
Estados Unidos abandonou rapidamente o presidente Marcos quando a força da
oposição tornou-se aparente. O golpe da linha dura tentado na União Soviética
em Agosto de 1991 foi bloqueado em dias pelo desafio político. Depois disso,
muitos de suas nações constituintes dominadas por longo tempo, em poucos dias,
semanas, meses recuperaram suas independências.
O
antigo preconceito de que meios violentos sempre funcionam rapidamente e meios
não violentos exigem mais tempo claramente não é válido. Embora muito tempo
possa ser necessário para a evolução da situação e da sociedade subjacentes, a
luta efetiva contra uma ditadura, por vezes, ocorre de forma relativamente
rápida através de luta não violenta.
As negociações não são a única
alternativa a uma guerra contínua de aniquilação de um lado e capitulação do
outro. Os exemplos que acabei de citar, bem como aqueles enumerados no Capítulo
I, mostram que existe outra opção para aqueles que querem a paz e a liberdade:
o desafio político.
TRÊS DE ONDE VEM O PODER?
Alcançar uma sociedade com
liberdade e paz não é, obviamente, tarefa simples. Exigirá grande habilidade
estratégica, organização e planejamento. Acima de tudo, exigirá poder. Os
democratas não podem esperar derrubar uma ditadura e estabelecer liberdade
política sem a capacidade de aplicar o seu próprio poder de forma eficaz.
Mas como isso é possível? Que
tipo de poder pode a oposição democrática mobilizar que será suficiente para
destruir a ditadura militar e sua vasta redes militar e de polícia? As
respostas estão em uma compreensão frequentemente ignorada do poder político. A
aprendizagem dessa percepção não é realmente uma tarefa tão difícil. Algumas
verdades básicas são bastante simples.
A fábula "O Mestre dos Macacos"
Uma parábola chinesa do Século
XIV de autoria de Liu Ji, por exemplo, descreve muito bem esse entendimento
negligenciado do poder político:7
7 Esta história, intitulada originalmente "Governo
por truques" é de Yu-li-zi por Liu Ji (1311-1375) e foi traduzida por
Sidney Tai, todos os direitos reservados. Yu-li-zi também é o pseudônimo de Liu
Ji. A tradução foi publicada originalmente em Nonviolent Sanctions: News from
the Albert Einstein Institution (Cambridge, Mass.), Vol. IV, n º 3 (Inverno
1992-1993), p. 3.
No estado feudal de Chu, um
velho sobrevivia mantendo macacos ao seu serviço. O povo de Chu o chamava de
"ju gong" (mestre dos macacos).
Todas as manhãs, o velho reunia
os macacos em seu pátio, e dava ordem ao mais velho de liderar os outros até as
montanhas para colher frutos de arbustos e árvores. A regra era que cada macaco
tinha que dar um décimo de sua colheita ao velho. Aqueles que não conseguissem
fazê-lo seriam chicoteados impiedosamente. Todos os macacos sofriam
amargamente, mas não se atreviam a reclamar.
Um dia, um pequeno macaco
perguntou aos outros macacos: "Foi o velho quem plantou todas as árvores
de fruto e arbustos ?" Os outros disseram: "Não, eles cresceram
naturalmente." O pequeno macaco ainda perguntou: "Não podemos colher
os frutos sem a permissão do velho ?" Os outros responderam: "Sim,
todos nós podemos," O pequeno macaco continuou: "Então, por que
devemos depender do velho; por que todos nós devemos servi-lo?"
Antes que o pequeno macaco
pudesse terminar sua declaração, todos os macacos de repente se tornaram
iluminados e despertos.
Naquela mesma noite, vendo que
o velho tinha adormecido, os macacos derrubaram todas as barricadas da paliçada
em que estavam confinados e destruíram totalmente a paliçada. Eles também
levaram os frutos que o velho tinha em estoque, trouxeram todos eles consigo
para a floresta, e nunca mais retornaram. O velho finalmente morreu de
inanição.
Yu-li-zi diz, "Alguns
homens no mundo governam seus povos por meio de truques e não através de
princípios justos. Eles não são exatamente como o mestre dos macacos? Eles não
estão conscientes das suas confusões
mentais.
Assim que seus povos se tornam iluminados, seus truques não funcionam
mais."
Fontes necessárias de poder político
O princípio é simples.
Ditadores exigem o apoio do povo que governam, sem a qual eles não pode
garantir e manter as fontes de poder político. Estas fontes de poder político
incluem:
• Autoridade, a crença entre as pessoas
de que o regime é legítimo, e que têm o dever moral de obedece-lo;
• Recursos humanos, o número e a
importância das pessoas e grupos que estão obedecendo, cooperando, ou a
prestando apoio aos governantes;
• Habilidades e conhecimentos
necessários para o regime execute ações específicas e fornecidos pelas pessoas
e grupos que colaboraram;
• Fatores intangíveis, fatores
psicológicos e ideológicos que podem induzir as pessoas a obedecer e ajudar os
governantes;
• Recursos materiais, o grau em que os
governantes controlam ou têm acesso a bens, recursos naturais, recursos
financeiros, o sistema econômico, e meios de comunicação e transporte, e
• Sanções, punições, ameaçadas ou
aplicadas contra o desobediente e não-cooperativo para assegurar a submissão e
cooperação que são necessárias para que o regime exista e realize suas
políticas. Todas estas fontes, no entanto, dependem da aceitação do regime, da
submissão e obediência da população, e da colaboração de inúmeras pessoas e as
diferentes instituições da sociedade. Estes não são garantidos.
Total cooperação, obediência e
apoio aumentarão a disponibilidade das fontes de poder necessárias e, consequentemente,
ampliarão a capacidade de poder de qualquer governo.
Por outro lado, a retirada de
colaboração popular e institucional com os agressores e os ditadores diminui, e
pode até cortar a disponibilidade das fontes de poder de que todos os governantes
dependem. Sem disponibilidade dessas fontes, o poder dos governantes enfraquece
e, finalmente, se dissolve.
Naturalmente, os ditadores são
sensíveis a ações e ideias que ameaçam sua capacidade de fazer o que gostam. Os
ditadores são, portanto, susceptíveis de ameaçar e punir aqueles que
desobedecem, fazem greve, ou deixam de cooperar. Mas, esse não é o fim da
história. Repressão, até mesmo brutalidades, nem sempre produzem uma retomada
do grau necessário de submissão e de cooperação para que o regime funcione.
Se, apesar da repressão, as
fontes de poder podem ser restringidas ou cortadas por tempo suficiente, os
resultados iniciais podem ser incerteza e confusão dentro da ditadura. É
provável que isso seja seguido por um claro enfraquecimento do poder da
ditadura. Com o tempo, a retenção das fontes de poder pode produzir a paralisia
e impotência do regime, e em casos graves, sua desintegração. O poder de
ditadores morrerá, lenta ou rapidamente, de inanição política.
O grau de liberdade ou a
tirania em qualquer governo é, consequentemente, em grande parte um reflexo da
determinação relativa dos súditos de serem livres e sua disposição e capacidade
de resistir aos esforços para escravizá-los.
Contrariamente
à opinião popular, mesmo as ditaduras totalitárias dependem da população e das
sociedades que governam. Como o cientista político Karl W. Deutsch observou em
1953:
O poder totalitário só é forte
se ele não tem que ser usado com muita frequência. Se o poder totalitário
precisa ser utilizado em todos os momentos contra toda a população, é
improvável que continue poderoso por muito tempo. Uma vez que os regimes
totalitários exigem mais poder para lidar com seus súditos do que outros tipos
de governo, tais regimes exigem mais hábitos generalizados e confiáveis de
cumprimento de normas entre seus povos, mais que isso, eles precisam ser
capazes de contar com o apoio ativo de pelo menos partes significativas da
população em caso de necessidade.8
8 Karl W. Deutsch, “Cracks in the Monolith,” in Carl J.
Friedrich, ed., Totalitarianism (Cambridge, Mass.: Harvard University Press,
1954), pp. 313-314.
9 John Austin, Lectures on Jurisprudence or the
Philosophy of Positive Law (Fifth edition, revisada editada por Robert
Campbell, 2 vol., London: John Murray, 1911 [1861]), vol. I, p. 296
10 Niccolo Machiavelli, "Os Discursos sobre os dez
primeiros livros de Tito Lívio," nos discursos de Nicolau Maquiavel
Londres (: Routledge e Kegan Paul, 1950), vol. I, p. 254.
11 Ver Gene Sharp, The Politics of Nonviolent Action
(Boston: Porter Sargent, 1970. 75 e frequentemente para outros exemplos
históricos.
O teórico inglês do século XIX,
John Austin descreveu a situação de uma ditadura confrontando um povo
descontente. Austin argumentava que, se a maioria da população estava
determinada a destruir o governo e estava disposta a suportar a repressão para
fazê-lo, então o poder do governo, incluindo aqueles que a apoiavam, não
poderia preservar o governo odiado, mesmo que ele recebesse ajuda externa. O
povo desafiador não poderia ser forçados a voltar à obediência e submissão
permanente, concluía Austin.9
Nicolau Maquiavel muito mais
cedo argumentou que o príncipe ". . . que tem o público como um todo como
seu inimigo nunca poderá estar seguro, e quanto maior a sua crueldade, o mais
fraco seu regime se torna" .10
A aplicação prática política
dessas ideias foi demonstrada pela heroicos resistentes noruegueses contra a
ocupação nazista e, conforme citado no Capítulo I, pelos bravos poloneses,
alemães, tchecos, eslovacos, e muitos outros que resistiram à agressão
comunista e à ditadura e, finalmente, ajudaram a produzir o colapso do regime
comunista na Europa. Este, naturalmente, não é fenômeno novo: casos de
resistência não violenta, ocorriam já em 494 A.C., quando plebeus retiraram sua
cooperação de seus senhores patrícios romanos.11 Luta não violenta tem sido
empregada em vários momentos pelos povos de toda a Ásia, África, Américas,
Australasia, ilhas do Pacífico, assim como a da Europa.
Três dos fatores mais
importantes para determinar em que grau o poder de um governo será ou não
controlados, são: (1) o desejo relativo da população de impor limites ao poder
do governo, (2) a força relativa das organizações independentes e instituições
dos súditos de retirar coletivamente as fontes de poder, e (3) a capacidade
relativa da população de reter seu consentimento e apoio.
Centros de poder democrático
Uma característica de uma
sociedade democrática é que existem, independente do estado, um grande número
de grupos e
instituições
não governamentais. Estas incluem, por exemplo, famílias, organizações
religiosas, associações culturais, clubes desportivos, instituições econômicas,
sindicatos, associações estudantis, partidos políticos, vilas, associações de
bairro, de jardinagem, clubes, organizações de direitos humanos, grupos
musicais, sociedades literárias, entre outros. Esses órgãos são importantes
para servir os seus próprios objetivos e também para ajudar a atender às
necessidades sociais.
Além disso, esses órgãos têm um
grande significado político. Eles fornecem as bases institucionais e de grupo
através das quais as pessoas podem exercer influência sobre os rumos da sua
sociedade, e resistir a outros grupos ou ao governo quando eles são vistos como
interferindo injustamente sobre os seus interesses, atividades ou finalidades.
Indivíduos isolados, não integrantes desses grupos, geralmente são incapazes de
produzir um impacto significativo sobre o resto da sociedade, muito menos sobre
um governo e, certamente, não sobre uma ditadura.
Consequentemente, se a
autonomia e a liberdade de tais organismos podem ser tiradas pelos ditadores, a
população estará relativamente impotente. Além disso, se essas instituições
podem ser elas mesmas ditatorialmente controladas pelo regime central ou
substituídas por novos entes controlados, elas podem ser usadas para dominar
tanto os membros individuais quando também aquelas áreas da sociedade.
No entanto, se a autonomia e a
liberdade das instituições civil independentes (fora do controle do governo)
podem ser mantidas ou restabelecidas, elas são muito importantes para a
aplicação do desafio político. A característica comum dos exemplos citados em
que as ditaduras foram desintegradas ou enfraquecidas tem sido a corajosa
aplicação em massa de desafio político pela população e suas instituições.
Conforme foi dito, estes
centros de poder proporcionam as bases institucionais a partir das quais a
população pode exercer pressão ou pode resistir aos controles ditatoriais. No
futuro, elas farão parte da base estrutural indispensável para uma sociedade
livre. Sua independência e crescimento contínuos, portanto, são muitas vezes um
pré-requisito para o sucesso da luta de libertação.
Se a ditadura foi amplamente
bem-sucedida em destruir ou controlar organismos independentes da sociedade,
será importante para os resistentes criar novos grupos sociais e instituições
independentes, ou reafirmar o controle democrático sobre os organismo
sobreviventes ou parcialmente controlados. Durante a Revolução Húngara de
1956-1957, uma infinidade de conselhos de democracia direta surgiram, mesmo se
unindo para estabelecer, por algumas semanas, todo um sistema federado de
instituições e de governo. Na Polônia, durante o final dos anos 80, os
trabalhadores sindicatos Solidariedade ilegais e, em alguns casos, assumiram o
controle dos sindicatos oficiais dominado pelos comunistas. Tais evoluções
institucionais podem ter consequências políticas importantes.
Naturalmente, nada disto
significa que fragilizar e destruir as ditaduras é fácil, nem que toda
tentativa será bem sucedida. E certamente não significa que a luta estará livre
de baixas, porque aqueles que ainda servem os ditadores provavelmente reagirão
em um esforço para forçar a população a retomar a cooperação e a obediência.
A percepção do poder acima
não significa, contudo, que a desintegração deliberada das ditaduras é
possível. Ditaduras em particular,
têm características específicas que as tornam altamente vulneráveis ao desafio
político habilmente implementado. Vamos examinar essas características com mais
detalhes.
QUATRO DITADURAS TÊM FRAQUEZAS
As ditaduras frequentemente
parecem ser invulneráveis. As agências de inteligência, policia, forças
militares, prisões, campos de concentração e esquadrões da morte são
controlados por um punhado de poderosos. As finanças de um país, os recursos
naturais e as capacidades de produção são muitas vezes arbitrariamente
saqueadas por ditadores e utilizadas para apoiar a vontade dos ditadores.
Em comparação, as forças da
oposição democrática parecem frequentemente extremamente fracas, ineficazes e
impotentes. Essa percepção de invulnerabilidade contra a impotência torna
improvável a oposição eficiente.
Mas, essa não é toda a
história.
Identificando o calcanhar de Aquiles
Um mito da Grécia Clássica
ilustra bem a vulnerabilidade daqueles supostamente invulneráveis. Contra o
guerreiro Aquiles, nenhum golpe feriria e nenhuma espada penetraria sua pele.
Quando ainda bebê, a mãe de Aquiles o teria supostamente mergulhado nas águas
do rio mágico Estige, resultando na proteção de seu corpo contra todos os
perigos. Houve, no entanto, um problema. Uma vez que o bebê foi segurado por
seu calcanhar para que ele não fosse lavado pelas águas, a água mágica não
cobriu essa parte pequena de seu corpo. Quando Aquiles era um homem adulto, ele
parecia a todos ser invulnerável às armas dos inimigos. Mas, na batalha contra
Tróia, instruído por alguém que conhecia a fraqueza, um soldado inimigo apontou
sua flecha para o calcanhar desprotegido de Aquiles, o único lugar onde ele
poderia ser ferido. O golpe se provou fatal. Ainda hoje, a expressão
"calcanhar de Aquiles" refere-se a parte vulnerável de uma pessoa, de
um plano, ou de uma instituição que se for atacado não oferece qualquer proteção.
O mesmo princípio se aplica
ditaduras cruéis. Elas, também, podem ser conquistadas, mas mais rapidamente e
com menor custo, se os seus pontos fracos puderem ser identificados e o ataque
concentrado neles.
Fraquezas das ditaduras
Entre os pontos fracos das
ditaduras estão os seguintes:
1. A cooperação entre uma multidão de pessoas, grupos e
instituições necessárias para operar o sistema pode ser limitada ou
revogada.
2. Os requisitos e os efeitos das políticas do passado do
regime de alguma forma limitam sua capacidade atual de adotar e implementar
políticas conflitantes.
3. O sistema pode se tornar rotineiro em sua operação,
menos capaz de se adaptar rapidamente às novas situações.
4. O pessoal e os recursos já alocados para as tarefas
existentes não estarão facilmente disponíveis para novas necessidades.
5. Os subordinados com medo de desagradar seus superiores
podem não relatar informações precisas ou completas necessárias pelos ditadores
para tomar decisões.
6. A ideologia pode corroer, e mitos e símbolos do
sistema podem se tornar instáveis.
7. Se uma forte ideologia estiver presente, que
influencie a visão da realidade das pessoas, a firme adesão a ela pode causar
desatenção às condições e necessidades reais.
8. A deterioração da eficiência e competência da
burocracia, ou controles e regulamentos excessivo podem tornar ineficazes as
políticas e operação do sistema.
9. Os conflitos institucionais e rivalidades pessoais
internos e hostilidades podem prejudicar e até mesmo interromper o
funcionamento da ditadura.
10. Intelectuais e estudantes podem se tornar inquietos em
resposta às condições, restrições, doutrinalismo e repressão.
11. O público em geral pode, ao longo do tempo, tornam-se
apático, cético e até mesmo hostil ao regime.
12. Diferenças regionais, de classe, culturais, ou
nacionais podem se tornar agudas.
13. A hierarquia de poder da ditadura é sempre instável,
até certo ponto, e às vezes extremamente instável. Os indivíduos não só se
mantêm na mesma posição no ranking, mas pode subir ou descer até outros graus,
ou ser totalmente removido e substituído por novas pessoas.
14. Seções da polícia ou das forças armadas podem agir
para alcançar seus próprios objetivos, mesmo contra a vontade estabelecida dos
ditadores, inclusive através de golpe de Estado.
15. Se a ditadura é nova, é necessário tempo para que ela
se torne bem estabelecida.
16. Com tantas decisões tomadas por tão poucas pessoas nas
ditaduras, erros de julgamento, política e ação provavelmente ocorrerão.
17. Se o regime visa evitar esses perigos e descentraliza
controles e tomada de decisão, seu controle sobre as alavancas centrais do
poder pode ser ainda mais corroído.
Atacando as fraquezas das ditaduras
Com o conhecimento de tais
fraquezas inerentes, a oposição democrática pode procurar agravar estes
"calcanhares de Aquiles" deliberadamente, a fim de alterar
drasticamente o sistema ou desintegrá-lo.
A conclusão então é clara:
apesar da aparência de força, todas as ditaduras têm fraquezas, ineficiências
internas, rivalidades pessoais, deficiências institucionais, e conflitos entre
organizações e departamentos. Essas fraquezas, ao longo do tempo, tendem a
tornar o regime menos eficaz e mais vulneráveis às mudanças de condições e
resistência deliberada. Nem tudo o que o regime se propõe a realizar será
completado. Às vezes, por exemplo, mesmo as ordens diretas de Hitler nunca
foram aplicadas porque aqueles abaixo dele na hierarquia se recusaram a
cumpri-las. O regime ditatorial pode, às vezes, até mesmo desmoronar
rapidamente, como já observamos.
Isso não significa que as
ditaduras possam ser destruídas sem riscos e vitimas. Cada curso de ação
possível para a libertação envolverá riscos e sofrimentos em potencial, e
levará tempo para funcionar. E, naturalmente, nenhum meio de ação pode garantir
o sucesso rápido em qualquer situação. Mas, os tipos de luta que visam os
pontos fracos identificados da ditadura têm maior chance de sucesso do que
aqueles que visam combater a ditadura onde ela é claramente mais forte. A
questão é como essa luta deve ser travada.
CINCO EXERCITANDO O PODER
No Capítulo Um observamos que a
resistência militar contra as ditaduras não os ataca onde eles são mais fracos,
mas sim onde eles são mais fortes. Ao optar por concorrer nas áreas de forças
militares, fornecimento de munições, tecnologia de armas, e assemelhadas, os
movimentos de resistência tendem a se colocar em clara desvantagem. As
ditaduras quase sempre serão capazes de reunir recursos superiores nestas áreas.
Os perigos de contar com potências estrangeiras para a salvação também foram
descritos. No Capítulo Dois examinamos os problemas de se depender de
negociações como meio para remover as ditaduras.
Quais são então os meios
disponíveis que oferecerão à resistência democrática vantagens distintas e
tenderão a agravar as deficiências identificadas das ditaduras? Que técnica de
ação capitalizará sobre a teoria do poder político discutida no Capítulo Três?
A alternativa de escolha é o desafio político.
O desafio político tem as
seguintes características:
• Ele não aceita que o
resultado será decidido por meio de combates escolhidos pela ditadura.
• É difícil para o regime
combate-lo.
• Ele pode agravar a única
fraqueza da ditadura e pode cortar suas fontes de poder.
• Ele pode, ao atuar, ser
amplamente disperso, mas também pode ser concentrado em um objetivo
específico.
• Ele leva a erros de
julgamento e ação pelos ditadores.
• Ele pode utilizar eficazmente
a população como um todo e grupos e instituições da sociedade na luta pelo fim
da brutal dominação de uns poucos.
• Ele ajuda a espalhar a
distribuição de poder efetivo na sociedade, tornando mais possível o
estabelecimento e a manutenção de uma sociedade mais democrática.
O funcionamento da luta não violenta
Da mesma forma que as
capacidades militares, o desafio político pode ser utilizado para uma variedade
de propósitos, que vão desde esforços para influenciar o adversário a tomar
medidas diferentes, criar condições para uma resolução pacífica do conflito, ou
desintegrar o regime do oponente. No entanto, o desafio político opera de forma
muito diferente da violência. Embora ambas as técnicas sejam meios de se travar
a luta, elas o fazem com meios e consequências muito diferentes. As formas e os
resultados dos conflitos violentos são bem conhecidos. Armas físicas são usadas
para intimidar, ferir, matar e destruir.
A luta não violenta é um meio
muito mais complexo e variado que a violência. Em vez disso, a luta é travada por
armas psicológicas, sociais, econômicas e políticas aplicadas pela população e
as instituições da sociedade. Estas têm sido conhecidos sob vários nomes de
protestos, greves, não cooperação, boicotes, ruptura e o poder do povo.
Conforme mencionado anteriormente, todos os governos só podem governar enquanto
recebem
reposição das fontes necessárias de seu poder a partir da cooperação, submissão
e obediência da população e instituições da sociedade. O desafio político, ao
contrário da violência, é perfeitamente capaz de cortar aquelas fontes de
poder.
Armas e disciplina não
violentas
O erro comum de campanhas de
desafio político no passado é a dependência de apenas um ou dois métodos, tais
como greves e demonstrações em massa. De fato, existe uma multiplicidade de
métodos que permitem aos estrategistas da resistência concentrar e dispersar a
resistência, conforme necessário.
Cerca de duas centenas de
métodos específicos de ação não violenta foram identificadas, e há certamente
dúzias de outros. Esses métodos são classificados em três grandes categorias:
protesto e persuasão, não cooperação e intervenção. Métodos de protesto não
violento e persuasão são demonstrações largamente simbólicas, incluindo
paradas, marchas e vigílias (54 métodos). A não cooperação é dividida em três
subcategorias: (a) não cooperação social (16 métodos), (b) não cooperação
econômica, incluindo boicotes (26 métodos) e greves (23 métodos), e (c) não
cooperação política (38 métodos). A intervenção não violenta, por meio
psicológicos, físicos, sociais, econômicos ou políticos, tais como jejum,
ocupação não violenta, e governo paralelo (41 métodos), é o grupo final. Uma
lista de 198 desses métodos está incluída como apêndice à presente
publicação.
O uso de um número considerável
desses métodos - cuidadosamente escolhidos, aplicados persistente e em grande
escala, exercitados no contexto de uma estratégia sensata e táticas adequadas
por civis treinados - pode, provavelmente, causar problemas graves a qualquer
regime ilegítimo. Isso se aplica a todas as ditaduras.
Em contraste com meios
militares, os métodos de luta não violenta pode ser focado diretamente sobre as
questões em jogo. Por exemplo, uma vez que a questão da ditadura é
essencialmente política, então as formas políticas da luta não violenta seriam
cruciais. Estas incluiriam a negação de legitimidade aos ditadores e a não
cooperação com os seus regimes. A não cooperação também seria aplicada contra
políticas específicas. Às vezes, protelação e procrastinação podem ser praticadas
tranquilamente e até mesmo secretamente, enquanto que em outros momentos a
desobediência aberta e desafiadora em manifestações públicas e greves podem ser
visíveis a todos.
Por outro lado, se a ditadura é
vulnerável às pressões econômicas, ou se muitas das queixas populares contra
ela são de natureza econômica, então ações econômicas, tais como boicotes ou
greves podem ser métodos adequados de resistência. Os esforços dos ditadores
para explorar o sistema econômico podem ser enfrentados com greves gerais
limitadas, operações tartaruga, e recusa de assistência por (ou desaparecimento
de) especialistas indispensáveis. O uso seletivo de diferentes tipos de greve
podem ser realizados em pontos chave na produção, nos transportes, no
fornecimento de matérias-primas e na distribuição de produtos.
Alguns métodos de luta não
violenta exigem que as pessoas pratiquem atos não relacionados com suas vidas
normais, tais como a distribuição de folhetos, operação de imprensa
clandestina, greves de fome, ou sentar-se nas ruas. Esses métodos pode ser
difíceis de serem realizados por algumas pessoas, exceto em situações muito
extremas.
Outros métodos de luta não
violenta, ao invés exigem que as pessoas continuem a levar aproximadamente suas
vidas normais, embora de maneiras um pouco diferentes. Por exemplo, as pessoas
podem comparecer ao trabalho, ao invés de fazer greve, mas, então,
deliberadamente trabalhar mais devagar ou de forma menos eficiente que o
habitual. "Erros" podem ser cometidos conscientemente, com maior frequência.
A pessoa pode ficar "doente" e "incapaz" para trabalhar em
determinados momentos. Ou, pode simplesmente se recusar a trabalhar. Pode-se ir
a cultos religiosos em que o ato expressa, não só as
convicções
religiosas, mas também as convicções políticas. Pode-se agir para proteger as
crianças contra propaganda dos atacantes através de educação em casa ou em
aulas ilegais. Pode-se recusar a participar de certas organizações
"recomendadas" ou obrigatórias às quais não se teria aderido livremente
em épocas anteriores. A semelhança de tais tipos de ação com as atividades
habituais das pessoas e o grau limitado de afastamento de suas vidas normais
pode tornar a participação na luta de libertação nacional muito mais fácil para
muitas pessoas.
Uma vez que a luta não violenta
e a violência funcionam de maneiras fundamentalmente diferentes, mesmo a
resistência violenta limitada durante uma campanha de desafio político será
contraproducente, pois transformará a luta em uma em que os ditadores têm uma
vantagem esmagadora (guerra militar). A disciplina não violenta é a chave para
o sucesso, e deve ser mantida, apesar de provocações e brutalidades pelos
ditadores e seus agentes.
A manutenção da disciplina não
violenta contra os adversários violentos facilita o funcionamento dos quatro
mecanismos de mudança em luta não violenta (discutidos abaixo). A disciplina
não violenta é também extremamente importante no processo de jiu-jitsu
político. Neste processo, a brutalidade crua do regime contra os ativistas
claramente não violentos se reflete politicamente contra a posição dos
ditadores, causando discórdia em suas próprias fileiras, bem como fomentando
suporte aos resistentes entre a população em geral, os defensores habituais do
regime e terceiros.
Em alguns casos, entretanto, a
violência limitada contra a ditadura pode ser inevitável. Frustração e ódio ao
regime podem explodir em violência. Ou, determinados grupos podem não estar
dispostos a abandonar a meios violentos, apesar de reconhecer o papel
importante da luta não violenta. Nestes casos, o desafio político não precisa
ser abandonado. No entanto, será necessário separar a ação violenta, na medida
do possível, da ação não violenta. Isto deve ser feito em termos de geografia,
grupos de população, tempo e questões. Caso contrário, a violência pode ter um
efeito desastroso sobre o uso potencialmente muito mais poderoso e bem sucedido
do desafio político.
Os registros históricos indicam
que, embora baixas em termos de mortos e feridos devem ser esperadas em desafios
políticos, elas serão muito menores que as baixas em guerra militar. Além
disso, este tipo de luta não contribui para o ciclo interminável de matança e
brutalidade.
A luta não violenta luta tanto
exige quanto tende a produzir uma perda (ou maior controle) do medo do governo
e de sua repressão violenta. Este abandono ou o controle do medo é um elemento
fundamental para destruir o poder dos ditadores sobre a população em
geral.
Abertura, sigilo, e altos padrões
Sigilo, engano e conspiração
subterrânea apresentam problemas muito difíceis para um movimento que esteja
usando ação não violenta. Muitas vezes, é impossível impedir que a polícia
política e agentes de inteligência fiquem informados sobre intenções e planos.
Do ponto de vista do movimento, o segredo não está apenas enraizado no medo,
mas contribui para o medo, o que amortece o espírito de resistência e reduz o
número de pessoas que podem participar em uma determinada ação. Ele também pode
contribuir para suspeitas e acusações, muitas vezes injustificadas, dentro do
movimento, a respeito de quem é um informante ou um agente dos adversários. O
sigilo também pode afetar a capacidade de um movimento de permanecer não
violento. Em contraste, a abertura com relação a intenções e planos não só
terão efeito contrário, mas contribuirão para uma imagem de que o movimento de
resistência é de fato extremamente poderoso. O problema é, naturalmente, mais
complexo do que isso sugere, e há aspectos importantes das
atividades
de resistência que podem exigir sigilo. Uma avaliação bem informada será
necessária por aqueles que têm conhecimento sobre as dinâmicas da luta não
violenta, e também do significado de vigilância da ditadura na situação
específica.
A edição, impressão e
distribuição de publicações proibidas, o uso de transmissões ilegais de rádio
do interior do país, bem como a coleta de informações sobre as operações da
ditadura estão entre os tipos especiais limitado de atividades, onde um alto
grau de sigilo será necessário.
A manutenção de elevados padrões
de comportamento na ação não violenta é necessária em todas as fases do
conflito. Fatores tais como o destemor e manutenção de disciplina não violenta
são sempre necessários. É importante lembrar que um grande número de pessoas
pode, muitas vezes, ser necessário para efetuar mudanças específicas. Mas,
esses números podem ser obtidos como participantes de confiança somente com a
manutenção dos elevados padrões do movimento.
Mudando as relações de poder
Os estrategistas precisam
lembrar que o conflito em que o desafio político é aplicado é um campo de luta
em constante mudança, com interação contínua de ações e reações. Nada é
estático. As relações de poder, tanto absolutas quanto relativas estão sujeitas
a mudanças constantes e rápidas. Isto é possibilitado pelos resistentes
continuando sua persistência não violenta, apesar da repressão.
As variações no poder
respectivos das partes nesse tipo de situação de conflito tendem a ser mais
extremas do que em conflitos violentos; ocorrer mais rapidamente e ter
consequências mais diversificadas e politicamente significativas. Devido a
essas variações, ações específicas dos resistentes são susceptíveis de ter
consequências muito além do tempo e lugar específico em que elas ocorrem. Estes
efeitos se refletirão para fortalecer ou enfraquecer um grupo ou outro.
Além disso, o grupo não
violento pode, em grande medida, por suas ações exercer influência sobre o
aumento ou a diminuição do poder relativo do grupo adversário. Por exemplo, a
resistência não violenta corajosa e disciplinada diante das brutalidades dos
ditadores pode induzir inquietação, insatisfação, insegurança e, em casos
extremos, até mesmo um motim entre os próprios soldados do ditador e a
população. Essa resistência pode também resultar na crescente condenação
internacional da ditadura. Além disso, o uso hábil, disciplinado e persistente
de desafio político pode resultar em maior ou menor participação na resistência
por pessoas que normalmente dariam o seu apoio tácito ao ditadores ou,
geralmente, permaneceriam neutras no conflito.
Quatro Mecanismos de mudança
A luta não violenta produz
mudança de quatro maneiras. O primeiro mecanismo é o menos provável, embora
tenha ocorrido. Quando os membros do grupo adversário estão emocionados com o
sofrimento da repressão imposta aos corajosos resistentes não violentos, ou
estão racionalmente persuadidos de que a causa dos opositores é justa, eles
podem vir a aceitar os objetivos dos resistentes. Esse mecanismo é chamado de conversão.
Embora casos de conversão em ação não violenta efetivamente ocorram algumas
vezes, eles são raros, e na maioria dos conflitos isso simplesmente não
ocorre ou pelo menos não em escala
significativa.
Muito mais frequentemente, a
luta não violenta opera mudando a situação de conflito e a sociedade de modo
que os adversários simplesmente não possam fazer como eles querem. É essa
mudança que produz os outros três mecanismos: acomodação, coerção não
violenta,
e desintegração. Qual destes ocorre depende do grau em que as relações de poder
absoluto e relativo são deslocadas em favor dos democratas.
Se os problemas não são os
fundamentais, as demandas da oposição em uma campanha limitada não são
consideradas ameaçadoras e o conflito de forças alterou as relações de poder em
algum grau, o conflito imediato pode ser encerrado através de um acordo, uma
divisão da diferenças ou um compromisso. Este mecanismo é chamado de acomodação.
Muitas greves são resolvidas dessa maneira, por exemplo, com ambos os lados alcançando
alguns dos seus objetivos, mas não conseguindo tudo o que queria. Um governo
pode perceber que este tipo de solução tem alguns benefícios positivos, tais
como diminuir a tensão, criar uma sensação de "justiça", ou polir a
imagem internacional do regime. É importante, portanto, que grande cuidado seja
tomado na seleção das questões sobre as quais um acordo por acomodação seja
aceitável. A luta para derrubar uma ditadura não é um deles.
A luta não violenta pode ser
muito mais poderosa do que o indicado pelos mecanismos de conversão ou de
acomodação. Não cooperação e desafio em massa podem, assim, mudar situações
sociais e políticas, especialmente as relações de poder, em que a capacidade
dos ditadores de controlar os processos econômicos, sociais e políticos de
governo e a sociedade é de fato retirada. As forças militares dos adversários
podem se tornar tão pouco confiáveis que elas simplesmente não mais obedecem às
ordens de reprimir os resistentes. Embora os líderes dos oponentes permaneçam
em seus cargos, e se aferrem a seus objetivos iniciais, sua capacidade de agir
eficientemente lhes foi tirada. Isso é chamado de coerção não violenta .
Em algumas situações extremas,
as condições de produção de coerção não violenta são levadas ainda mais longe. A
liderança dos adversários, de fato, perde toda a capacidade de agir e sua
própria estrutura de poder desmorona. A autodireção dos resistentes, não
cooperação e desafio tornam-se tão completas que agora falta aos adversários
até mesmo um simulacro de controle sobre eles. A burocracia do adversário
recusa-se a obedecer à sua própria liderança. As tropas do adversário e polícia
se amotinam. Os habituais apoiadores do adversário ou a população repudiam sua
antiga liderança, negando que eles tenham qualquer direito de governar. Daí,
seu apoio e obediência antigos desaparecem. O quarto mecanismo de mudança, a
desintegração do sistema dos oponentes é tão completa que nem sequer têm
energia suficiente para se render. O regime simplesmente se estilhaça.
No planejamento de estratégias
de libertação, esses quatro mecanismos devem ser mantidos em mente. Eles, às
vezes, operam essencialmente por acaso. Mas, a seleção de um ou mais desses
como o mecanismo destinado a efetuar mudanças em um conflito, tornará possível formular
estratégias específicas e mutuamente reforçadoras. Qual mecanismo (ou
mecanismos) selecionar dependerá de inúmeros fatores, incluindo o poder
absoluto e relativo dos grupos rivais, e as atitudes e objetivos do grupo de
luta não violenta.
Efeitos democratizantes do desafio político
Em contraste com os efeitos da
centralização de sanções violenta, o uso de técnica de luta não violenta
contribui para a democratização da sociedade política de diversas maneiras.
Uma parte do efeito
democratizante é negativa. Ou seja, em contraste com meios militares, esta
técnica não fornece um meio de repressão sob o comando de uma elite dominante
que pode se voltar contra a população para estabelecer ou manter uma ditadura.
Líderes de um movimento de desafio político podem influenciar e aplicar
pressão
sobre seus seguidores, mas eles não podem prendê-los ou executá-los quando eles
discordarem ou escolher outros líderes.
Outra parte do efeito
democratizante é positiva. Ou seja, a luta não violenta oferece à população os
meios de resistência que podem ser utilizados para alcançar e defender sua
liberdade contra os ditadores existentes ou futuros. Abaixo estão alguns dos
efeitos positivos da democratização que a luta não violenta pode ter:
• Experiência na aplicação de
luta não violenta pode resultar em a população ser mais autoconfiante em
desafiar as ameaças do regime e a capacidade para repressão violenta.
• A luta não violenta fornece
os meios de desafio não cooperativo pelos quais a população pode resistir a controles
antidemocráticos sobre eles por qualquer grupo ditatorial.
• A luta não violenta pode ser
usada para afirmar a prática das liberdades democráticas, como a liberdade de
expressão, liberdade de imprensa, organizações independentes liberdade de reunião
diante de controles repressivos.
• A luta não violenta contribui
fortemente para a sobrevivência, renascimento e fortalecimento dos grupos
independentes e instituições da sociedade, conforme discutido anteriormente.
Estes são importantes para a democracia devido à sua capacidade de mobilizar a
capacidade de poder da população, e impor limites ao poder efetivo de qualquer
aspirante a ditador.
• A luta não violenta fornece
meios pelos quais a população pode exercer poder contra polícia repressiva e ação
militar por um governo ditatorial.
• A luta não violenta fornece
métodos pelos quais a população e as instituições independentes podem, no
interesse da democracia, restringir ou cortar as fontes de poder para a elite
dominante, ameaçando assim a sua capacidade para continuar a sua
dominação.
Complexidade da luta não violenta
Como vimos a partir desta
discussão, a luta não violenta é uma técnica complexa de ação social,
envolvendo uma multiplicidade de métodos, uma série de mecanismos de mudança, e
requisitos específicos de comportamento. Para ser eficiente, especialmente
contra uma ditadura, o desafio político exige um planejamento e preparação
cuidadosa. Os interessados em participar precisarão entender o que lhes é
exigido. Recursos precisarão ter sido disponibilizados. E os estrategistas
precisarão ter analisado como a luta não violenta pode ser aplicada mais
eficazmente. Agora, voltamos nossa atenção para este último elemento crucial: a
necessidade de planejamento estratégico.
SEIS A NECESSIDADE DE PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO
As campanhas de desafio
político contra as ditaduras pode começar em uma variedade de maneiras. No
passado, essas lutas quase sempre não eram planejada e eram essencialmente
acidentais. Queixas específicas que provocaram ações iniciais no passado
variaram bastante, mas muitas vezes incluíram novas brutalidades, a prisão ou a
morte de uma pessoa altamente considerado, uma nova política ou ordem
repressiva, escassez de alimentos, desrespeito a crenças religiosas, ou um aniversário
de um evento importante relacionado. Às vezes, um ato em particular da ditadura
enraiveceu tanto o povo que eles se lançaram em ações sem ter a mínima ideia de
como o levante poderia terminar. Em outros momentos, uma pessoa corajosa ou um
pequeno grupo pode ter agido de modo a despertar apoio. A queixa específica
pode ser reconhecida pelos outros como semelhante a injustiças que haviam
experimentado e, eles também, podem assim juntar-se à luta. Às vezes, um apelo
específico à resistência de um pequeno grupo ou indivíduo pode encontrar uma
resposta inesperadamente grande.
Embora a espontaneidade tenha
algumas qualidades positivas, com frequência ela tem inconvenientes.
Frequentemente, os resistentes democráticos não previram as brutalidades da
ditadura, de modo que eles sofreram gravemente e a resistência desmoronou. Às
vezes, a falta de planejamento dos democratas deixou decisões cruciais ao
acaso, com resultados desastrosos. Mesmo quando o sistema opressor foi
derrubado, a falta de planejamento sobre como lidar com a transição para um
regime democrático contribuiu para o surgimento de uma nova ditadura.
Planejamento realista
No futuro, ação popular não
planejada, sem dúvida, desempenhará papéis importantes nos levantes contra as
ditaduras. Mas, agora é possível calcular os meios mais eficazes para derrubar
uma ditadura, avaliar quando a situação política e humor populares estão
maduros, e escolher a forma de iniciar uma campanha. É necessário pensamento
muito cuidadoso com base em uma avaliação realista da situação e as
capacidades da população a fim de selecionar os meios eficazes para conseguir a
liberdade sob tais circunstâncias.
Se alguém deseja realizar
alguma coisa, é sábio planejar como fazê-lo. Quanto mais importante o objetivo,
ou a mais graves as consequências da falha, mais importante se torna o
planejamento. O planejamento estratégico aumenta a probabilidade de que todos
os recursos disponíveis serão mobilizados e empregados de forma mais eficaz.
Isto é especialmente verdadeiro para um movimento democrático - o que tem
recursos materiais limitados e cujos adeptos estarão em perigo - que está
tentando derrubar uma ditadura poderosa. Em contraste, a ditadura em geral terá
acesso a vastos recursos materiais, força de organização e capacidade de
cometer atrocidades.
"Planejar uma
estratégia" aqui significa calcular um curso de ação que tornará mais
provável ir da presente situação até a futura situação desejada. Em termos
dessa discussão, significa de uma ditadura para um sistema democrático futuro.
Um plano para atingir esse objetivo, normalmente consiste em uma série
progressiva de campanhas e outras atividades organizadas, destinadas a
fortalecer a população e a sociedade oprimida e enfraquecer a ditadura.
Observe-se aqui que o objetivo não é simplesmente destruir a atual ditadura,
mas estabelecer um sistema democrático. Uma excelente estratégia que limite seu
objetivo a destruir a ditadura atualmente no poder corre grande risco de produzir
outro tirano.
Obstáculos
ao planejamento
Alguns expoentes da liberdade
em diferentes partes do mundo não trazem sua capacidade total para se aplicar
ao problema de como conseguir a libertação. Só raramente esses defensores
reconhecem plenamente a extrema importância de um planejamento estratégico
cuidadoso antes de agir. Por conseguinte, isso quase nunca é feito.
Por que é que as pessoas que
têm a visão de trazer a liberdade política ao seu povo deveria tão raramente
preparar um plano estratégico global para alcançar este objetivo? Infelizmente,
muitas vezes a maioria das pessoas em grupos de oposição democrática não
entende a necessidade de planejamento estratégico, ou não está acostumada ou treinada
a pensar estrategicamente. Esta é uma tarefa difícil. Constantemente
perseguidos pela ditadura e oprimidos por responsabilidades imediatas, os
líderes da resistência muitas vezes não têm a segurança ou o tempo para
desenvolver habilidades de pensamento estratégico.
Em vez disso, é um padrão comum
simplesmente reagir às iniciativas da ditadura. A oposição está, assim, sempre
na defensiva, procurando manter as liberdades limitadas ou os bastiões da
liberdade, na melhor das hipóteses retardando o avanço dos controles
ditatoriais ou causando certos problemas para as novas políticas do
regime.
Alguns indivíduos e grupos, é
claro, podem não ver a necessidade de amplo planejamento de longo prazo de um
movimento de libertação. Em vez disso, podem ingenuamente pensar que, se eles
simplesmente esposam seu objetivo fortemente, firmemente, e por tempo
suficiente, ele de alguma forma passará. Outros presumem que, se eles
simplesmente viverem e testemunharem de acordo com seus princípios e ideais
diante das dificuldades, estarão fazendo todo o possível para implementá-los. O
casamento de metas humanas e lealdade com os ideais é admirável, mas é
manifestamente insuficiente para acabar com a ditadura e conseguir a
liberdade.
Outros opositores da ditadura
podem ingenuamente pensar que se usam violência suficiente, a liberdade virá.
Mas, conforme observado anteriormente, a violência não é garantia de sucesso.
Ao invés de libertação, ela pode levar à derrota, tragédia em massa, ou ambos.
Na maioria das situações, a ditadura está mais bem equipada para a luta
violenta, e as realidades militares raramente, se é que alguma vez acontece,
favorecem os democratas.
Há também os ativistas que
baseiam suas ações sobre o que "sentem" que devem fazer. Essas
abordagens são, no entanto, não só egocêntricas, mas elas não oferecem
orientação para o desenvolvimento de uma grande estratégia de libertação.
Ação baseada em uma
"brilhante ideia" que alguém teve também é limitada. O que é
necessário, ao invés, é ação com base em cálculos cuidadosos dos "próximos
passos" necessários para derrubar a ditadura. Sem análise estratégica, os
líderes da resistência muitas vezes não sabemos qual deve ser esse
"próximo passo", porque eles não pensaram bem sobre as etapas sucessivas
específicas necessárias para alcançar a vitória. Criatividade e ideias
brilhantes são muito importantes, mas elas precisam ser utilizadas para fazer
avançar a situação estratégica das forças democráticas.
Absolutamente consciente da
multiplicidade de ações que poderiam ser realizadas contra a ditadura e
incapazes de determinar por onde começar, algumas pessoas aconselham
"Fazer tudo simultaneamente." Isso poderia ser útil, mas, claro, é
impossível, especialmente para os movimentos relativamente fracos. Além disso,
essa abordagem não oferece qualquer orientação sobre onde começar, onde
concentrar esforços, e como usar recursos muitas vezes limitados.
Outras
pessoas e grupos podem ver a necessidade de um planejamento, mas só são capazes
de pensar em curto prazo ou em bases táticas. Eles não podem ver se o
planejamento de longo prazo é necessário ou possível. Eles, às vezes, podem ser
incapazes de pensar e analisar em termos estratégicos, permitindo-se ser
repetidamente distraídos por questões relativamente pequenas, muitas vezes
respondendo às ações do adversário, ao invés de tomar a iniciativa para a
resistência democrática. Dedicando tanta energia a atividades de curto prazo,
esses líderes muitas vezes não conseguem explorar vários cursos de ação
alternativos que poderiam orientar os esforços globais para que o objetivo seja
constantemente abordado.
Também é bem possível que
alguns movimentos democráticos não planejem uma estratégia global para derrubar
a ditadura, concentrando-se apenas em questões imediatas, por outra razão. No
fundo, eles não acreditam realmente que a ditadura pode ser destruída por seus
próprios esforços. Portanto, planejar como fazê-lo é considerado um desperdício
de tempo romântico ou um exercício de futilidade. Pessoas que lutam pela
liberdade contra ditaduras brutais estabelecidas são frequentemente
confrontados por um poder militar e de polícia tão imenso que parece que os
ditadores podem conseguir tudo o que quiserem. Na falta de esperança real,
essas pessoas, no entanto, desafiarão a ditadura por razões de integridade e
talvez, história. Embora eles nunca admitirão, talvez nunca conscientemente
reconhecerão que suas ações lhes parecem impossíveis Assim, para eles, o
planejamento estratégico abrangente de longo prazo não tem mérito.
O resultado de tais falhas de
planejamento estratégico é, muitas vezes, drástico: a força é dissipada, as
ações são ineficazes, a energia é desperdiçada em questões de menor
importância, as vantagens não são utilizadas, e os sacrifícios são em vão. Se
os democratas não planejarem estrategicamente, é provável que eles não consigam
atingir os seus objetivos. Uma mistura estranha de atividades mal planejadas
não moverá à frente uma resistência mais significativa. Em vez disso, é mais
provável que permita à ditadura aumentar seus controles e poder.
Infelizmente, devido ao fato de
que amplos planos estratégicos de libertação são raramente desenvolvidos, as
ditaduras são muito mais duráveis do que elas são de fato. Eles sobrevivem por
anos ou décadas a mais do que precisaria ser o caso.
Quatro termos importantes em planejamento
estratégico
A fim de ajudar-nos a pensar
estrategicamente, a clareza sobre os significados de quatro termos básicos é
importante.
Grande estratégia é o conceito que serve para coordenar e dirigir o uso
de todos os recursos adequados e disponíveis (econômicos, humanos, morais,
políticos, organizacionais, etc) de um grupo que busca atingir seus objetivos
em um conflito.
A grande estratégia, dirigindo
a atenção primária sobre os objetivos e recursos do grupo no conflito,
determina a técnica de ação mais adequada (como a guerra militar convencional
ou a luta não violenta) a ser empregada no conflito. No planejamento de uma
grande estratégia, os líderes da resistência devem avaliar e planejar quais pressões
e influências devem ser exercidas sobre os adversários. Além disso, a grande
estratégia incluirá decisões sobre as condições adequadas e o momento certo em
que campanhas de resistência inicial e subsequentes serão lançadas.
A grande estratégia define a
estrutura básica para a seleção de estratégias mais limitadas para travar a
luta. A grande estratégia também determina a atribuição de tarefas gerais a
determinados grupos e a distribuição dos recursos a eles para usar na luta.
Estratégia
é a concepção de qual a melhor forma para atingir determinados objetivos em um
conflito, operando no âmbito da grande estratégia escolhida. A estratégia está
preocupada se, quando e como lutar, bem como a forma de alcançar a máxima
eficácia na luta para determinados fins. A estratégia tem sido comparada ao
conceito do artista, enquanto um plano estratégico é a planta do
arquiteto.12
12 Robert
Helvey, comunicação pessoal, 15 de agosto de 1993.
A estratégia também pode
incluir esforços para desenvolver uma situação estratégica que seja tão
vantajosa que os adversários serão capazes de prever que o conflito aberto é
susceptível de levar a sua derrota certa e, portanto, capitular sem luta
aberta. Ou, se não, a situação estratégica melhorada tornará certo o sucesso dos
adversários em luta. A estratégia envolve também como agir para fazer bom uso
de sucessos quando conseguidos.
Aplicada ao curso da luta em
si, o plano estratégico é a ideia básica de como deverá se desenvolver uma
campanha; e como os seus componentes separados devem ser montados para
contribuir de maneira mais vantajosa para atingir seus objetivos. Ela envolve a
implantação hábil de grupos particulares de ação especial nas operações
menores. Planejar para uma estratégia sensata deve levar em consideração os
requisitos para o sucesso na operação da técnica escolhida de luta. Diferentes
técnicas terão exigências diferentes. Naturalmente, apenas cumprir
"exigências" não é suficiente para garantir o sucesso. Outros fatores
também podem ser necessários.
Ao elaborar estratégias, os
democratas devem definir claramente os seus objetivos, e determinar como medir
a eficácia dos esforços para alcançá-los. Esta definição e análise permitem ao
estrategista identificar os requisitos específicos para garantir cada objetivo
selecionado. Essa necessidade de clareza e definição aplica-se também ao
planejamento tático.
Táticas e métodos de ação são
utilizados para implementar a estratégia. As táticas estão relacionadas com o
uso hábil das forças para o melhor proveito em uma situação limitada. A tática
é uma ação limitada, utilizada para atingir um objetivo restrito. A escolha das
táticas é regida pela concepção em uma fase restrita de um conflito da melhor
forma de utilizar os meios de luta para implementar a estratégia. Para ser mais
eficaz, as táticas e métodos devem ser escolhidos e aplicados com uma atenção
constante à consecução dos objetivos estratégicos. Ganhos táticos que não
reforçam a consecução dos objetivos estratégicos podem, no final, acabar por
ser desperdício de energia.
Uma tática está, portanto,
preocupada com um curso de ação limitado que se encaixa dentro da estratégia
mais ampla, assim como uma estratégia se encaixa dentro da grande estratégia.
As táticas estão sempre preocupadas com o combate, enquanto que a estratégia
inclui considerações mais amplas. Uma tática em particular só pode ser
compreendida como parte da estratégia global de uma batalha ou campanha. As
táticas são aplicadas aos períodos mais curtos do que as estratégias, ou em
áreas menores (geográfica, institucional, etc), ou por um número mais limitado
de pessoas, ou para objetivos mais limitados. Na ação não violenta, a distinção
entre um objetivo tático e um objetivo estratégico pode ser parcialmente
indicado pelo fato de o objetivo escolhido da ação ser mais ou menos
importante.
Engajamentos táticos ofensivos
são selecionados para apoiar a realização dos objetivos estratégicos.
Engajamentos táticos são as ferramentas do estrategista na criação de condições
favoráveis para o lançamento de ataques decisivos contra um oponente. É muito
importante, portanto, que aqueles a quem são atribuídas responsabilidades de
planejar e executar operações táticas sejam hábeis na avaliação da situação, e
selecionem
os
métodos mais apropriados para isso. Aqueles de quem se espera participar devem
ser treinados no uso da técnica escolhida e dos métodos específicos.
Método refere-se às armas específicas ou meios de ação.
Dentro da técnica de luta não violenta, este incluem dezenas de formas
particulares de ação (tais como os muitos tipos de greves, boicotes,
não-cooperação política, e assim por diante), citado no Capítulo Cinco. (Veja
também o apêndice).
O desenvolvimento de um plano
estratégico eficaz e responsável para uma luta não violenta depende da
formulação e seleção cuidadosas da grande estratégia, das estratégias, das
táticas e dos métodos.
A principal lição desta
discussão é que o uso calculado do intelecto é necessário no cuidado
planejamento estratégico para a libertação de uma ditadura. Falha em planejar
inteligentemente pode contribuir para desastres, enquanto que o uso eficaz da
capacidade intelectual pode traçar uma rota estratégica que criteriosamente
utilizará os recursos disponíveis para mover a sociedade em direção à meta da
liberdade e da democracia.
SETE ESTRATÉGIA DE PLANEJAMENTO
Para aumentar as chances de
sucesso, os líderes da resistência precisarão formular um plano abrangente de
ação capaz de fortalecer as pessoas que sofrem, enfraquecendo e destruindo a
ditadura e construindo uma democracia duradoura. Para realizar tal plano de
ação, uma avaliação cuidadosa da situação e das opções para uma ação efetiva é
necessária. Fora tal análise cuidadosa, tanto uma grande estratégia quanto as
estratégias específicas de campanha para conseguir a liberdade podem ser
desenvolvidas. Embora relacionados, o desenvolvimento da grande estratégia e
das estratégias de campanha são dois processos separados. Somente após a grande
estratégia ter sido desenvolvida , as estratégias específicas de campanha
específica podem ser plenamente desenvolvidas. As estratégias de campanha
precisarão ser concebido para atingir e reforçar os grandes objetivos
estratégicos.
O desenvolvimento de estratégia
de resistência exige atenção a muitas questões e tarefas. Aqui identificaremos
alguns dos fatores importantes que precisam ser considerados, tanto em nível de
grande estratégia quanto em nível de estratégia de campanha. Todo o
planejamento estratégico, entretanto, exige que os planejadores da resistência
tenham uma compreensão profunda da situação de conflito inteira, incluindo a
atenção a fatores físicos, históricos, governamentais, militares, culturais,
sociais, políticos, psicológicos, econômicos e internacionais. As estratégias
só podem ser desenvolvidas no contexto da luta particular e seus
antecedentes.
De primordial importância, os
líderes democráticos e planejadores estratégicos devem avaliar os objetivos e
importância da causa. Os objetivos valem uma grande luta, e por quê? É
fundamental determinar o verdadeiro objetivo da luta. Nós argumentamos aqui que
a derrubada da ditadura ou remoção dos ditadores atuais não é suficiente. O
objetivo nesses conflitos tem de ser o estabelecimento de uma sociedade livre,
com um sistema democrático de governo. Clareza sobre este ponto influenciará o
desenvolvimento de uma grande estratégia e das estratégias específicas que se
seguem.
Particularmente, os
estrategistas terão que responder a muitas questões fundamentais, tais
como:
• Quais são os principais
obstáculos para se alcançar a liberdade?
• Quais os fatores que
facilitarão a obtenção da liberdade?
• Quais são os principais
pontos fortes da ditadura?
• Quais são os vários pontos
fracos da ditadura?
• Em que medida são vulneráveis
as fontes de poder para a ditadura?
• Quais são os pontos fortes
das forças democráticas e da população em geral?
• Quais são os pontos fracos
das forças democráticas e como eles podem ser corrigidos?
• Qual é o status de terceiros,
não diretamente envolvidos no conflito, quem já ajuda ou pode ajudar, tanto a
ditadura quanto o movimento democrático, e em caso afirmativo, de que
forma?
Escolha de
meios
Ao nível da grande estratégica,
os planejadores precisam escolher os principais meios de luta a serem
empregados no conflito iminente. Os méritos e limitações das diferentes
técnicas alternativas de luta terão de ser avaliados, tais como guerra militar
convencional, guerrilha, desafio político e outros.
Ao fazer esta escolha, os
estrategistas precisarão considerar questões como as seguintes: O tipo
escolhido de luta está dentro das capacidades dos democratas? A técnica
escolhida utiliza os pontos fortes da população dominada? Esta técnica visa os
pontos fracos da ditadura, ou ela ataca os seus pontos fortes? Os meios ajudam
os democratas a se tornar mais autossuficientes, ou eles exigem dependência de
terceiros ou fornecedores externos? Qual é o registro do uso dos meios
escolhidos na derrubada de ditaduras? Eles aumentam ou limitam o número de
vítimas e destruição que podem ocorrer no conflito iminente? Presumindo-se o
sucesso em acabar com a ditadura, qual seria o efeito dos meios escolhidos
sobre o tipo de governo que surgiria a partir da luta? Os tipos de ação definidos
como contraproducentes terão de ser excluídos da grande estratégia
desenvolvida.
Nos capítulos anteriores,
argumentamos que o desafio político oferece significativas vantagens comparado
a outras técnicas de luta. Os estrategistas precisarão analisar a sua situação
de conflito em particular, e determinar se o desafio político fornece respostas
afirmativas às perguntas acima.
Planejando para a democracia
É preciso lembrar que contra
uma ditadura o objetivo da grande estratégia não é simplesmente derrubar
ditadores, mas instalar um sistema democrático e tornar impossível a ascensão
de uma nova ditadura. Para realizar estes objetivos, os meios escolhidos de
luta terão de contribuir para uma mudança na distribuição de poder efetivo na
sociedade. Sob a ditadura, a população e as instituições da sociedade civil têm
sido muito fracasso, e o governo forte demais. Sem uma mudança nesse
desequilíbrio, um novo conjunto de governantes podem, se assim o desejarem, ser
tão ditatoriais quanto os antigos. A "revolução palaciana" ou um
golpe de Estado, portanto, não é bem-vinda.
O desafio político contribui
para uma distribuição mais equitativa de poder efetivo, através da mobilização
da sociedade contra a ditadura, conforme foi discutido no Capítulo Cinco. Esse
processo ocorre de várias maneiras. O desenvolvimento de uma capacidade de luta
não violenta significa que a capacidade da ditadura para a repressão violenta
já não produz tão facilmente a intimidação e submissão entre a população. A
população terá à sua disposição meios poderosos para contrariar e às vezes
bloquear o exercício do poder dos ditadores. Além disso, a mobilização do poder
popular através de desafio político fortalecerá as instituições independentes
da sociedade. A experiência de ter uma vez exercido efetivamente o poder não é
rapidamente esquecida. O conhecimento e a habilidade adquiridos com a luta
tornarão menos provável que a população seja facilmente dominada pelos
aspirantes a ditadores. Esta mudança nas relações de poder, no limite, acabaria
por tornar muito mais provável o estabelecimento de uma sociedade democrática
durável.
Ajuda externa
Como parte da preparação de uma
grande estratégia, é necessário avaliar quais serão os papéis relativos da
resistência interna e das pressões externas para desintegrar a ditadura. Nesta
análise, argumentamos que a principal força da luta deve ser suportada a partir
do interior do próprio país. Na medida em que a assistência internacional vem,
ela será estimulada pela luta interna.
Como
um modesto suplemento, esforços podem ser feitos para mobilizar a opinião
pública mundial contra a ditadura, por razões humanitárias, morais e
religiosas. Esforços podem ser feitos para obter sanções diplomáticas,
políticas e econômicas por governos e organizações internacionais contra a
ditadura. Estes podem assumir a forma de embargos econômicos e militares de
armas; redução nos níveis de reconhecimento diplomático ou o rompimento das
relações diplomáticas; proibição de ajuda econômica e à proibição de
investimentos no país ditatorial; expulsão do governo ditatorial de várias
organizações internacionais e dos órgãos das Nações Unidas. Além disso,
assistência internacional, tal como a prestação de apoio financeiro e de
comunicações também podem ser fornecidos diretamente às forças
democráticas.
Formulando uma grande estratégia
Após uma avaliação da situação,
a escolha dos meios e a determinação do papel da ajuda externa, os planejadores
da grande estratégia deverão esboçar em grandes linhas a forma como o conflito
poderia ser mais bem conduzido. Este plano amplo abrangeria do presente até o
futuro da libertação e da instituição de um sistema democrático.
Na formulação de uma grande
estratégia, esses planejadores precisarão se fazer uma série de perguntas. As
perguntas seguintes colocam (de uma forma mais específica do que anteriormente)
os tipos de considerações necessárias na concepção de uma grande estratégia
para a luta de desafio político:
Como deveria a luta de longo
prazo melhor começar? Como pode a população oprimida reunir suficiente
autoconfiança e força para agir e desafiar a ditadura, mesmo que, inicialmente,
de forma limitada? Como poderia ser aumentada a capacidade da população de
aplicar a não cooperação e desafio com o tempo e a experiência? Quais poderiam
ser os objetivos de uma série de campanhas limitadas para recuperar o controle
democrático sobre a sociedade e limitar a ditadura?
Existem instituições
independentes que sobreviveram à ditadura que poderiam ser usadas na luta para
estabelecer a liberdade? Quais instituições da sociedade podem ser recuperadas
do controlar dos ditadores, ou quais instituições precisam ser recém-criadas
pelos democratas para atender às suas necessidades e estabelecer as esferas da
democracia, mesmo enquanto a ditadura continua?
Como pode ser desenvolvida
força organizacional na resistência? Como os participantes podem ser treinados?
Quais recursos (finanças, equipamentos, etc) seriam necessários ao longo da
luta? Que tipos de simbolismo pode ser mais eficazes na mobilização da
população?
Com que tipos de ação e em que
estágios podem as fontes de poder dos ditadores serem progressivamente
enfraquecidas e divididas? Como pode a população resistente persistir
simultaneamente em seu desafio e também manter a necessária disciplina não
violenta? Como pode a sociedade continuar a satisfazer suas necessidades
básicas durante o curso da luta? Como pode a ordem social ser mantida no meio
do conflito? Conforme se aproxima a vitória, como pode a resistência
democrática continuar a construir a base institucional da sociedade
pós-ditadura para tornar a transição tão suave quanto possível?
Deve ser lembrado que não
existe nem pode ser criada uma fórmula única para planejar uma estratégia para
cada movimento de libertação contra as ditaduras. Cada luta para derrubar uma
ditadura e estabelecer um sistema democrático será um pouco diferente. Não há
duas situações exatamente iguais; cada ditadura terá algumas características
individuais, e as capacidades da população em busca de liberdade podem variar.
Dos planejadores da grande estratégia para a luta por desafio político serão
exigidos uma
profunda
compreensão não só da sua situação de conflito específica, mas também dos meios
de luta escolhidos.13
13 Os
estudos completos recomentados Gene Sharp, The Politics of Nonviolent Action of
the Nonviolent Action (Boston, Massachusetts: Porter Sargent, 1973) e Peter
Ackerman e Christopher Kruegler, Strategic Nonviolent Conflict, (Westport,
Connecticut: Praeger, 1994). Consulte também Gene Sharp, Waging Nonviolent
Struggle: Twentieth Century Practice and Twenty-First Century Potential.
Boston: Porter Sargent, 2005.
Quando a grande estratégia da
luta tiver sido cuidadosamente planejada, há razões sólidas para torná-la
amplamente conhecida. O grande número de pessoas necessárias para participação
podem estar mais dispostas e capazes de agir se elas compreenderem a concepção
geral, bem como instruções específicas. Este conhecimento pode potencialmente
ter um efeito muito positivo sobre o seu moral, sua vontade de participar e
agir adequadamente. As linhas gerais da grande estratégia chegariam ao
conhecimento dos ditadores em qualquer caso e o conhecimento de suas
características poderia, potencialmente, levá-los a serem menos brutais em sua
repressão, sabendo que isso poderia se voltar politicamente contra eles
próprios. A compreensão das características especiais da grande estratégia
poderia, potencialmente, contribuir também para a dissensão e deserções no
próprio campo dos ditadores.
Uma vez que um grande plano
estratégico para derrubar a ditadura e estabelecer um sistema democrático tenha
sido adotado, é importante que os grupos pró-democracia persistam em sua
aplicação. Só em circunstâncias muito raras a luta deve afastar-se da grande
estratégia inicial. Quando há provas abundantes de que a grande estratégia
escolhida está errada, ou que as circunstâncias da luta mudaram, os
planejadores podem precisar alterar a grande estratégia. Mesmo assim, isso deve
ser feito somente após uma reavaliação básica e um novo e mais adequado grande
plano estratégico ter sido elaborado e aprovado.
Planejando estratégias de campanha
Não importando quanto possa ser
sábia e promissora a grande estratégia desenvolvida para acabar com a ditadura
e instaurar a democracia, uma grande estratégia implementa a si própria.
Estratégias particulares precisarão ser desenvolvidas para orientar a campanhas
mais importantes destinadas a minar o poder dos ditadores. Estas estratégias,
por sua vez, incorporarão e orientarão uma série de compromissos táticos que
terão como objetivo aplicar golpes decisivos contra o regime dos ditadores. As
táticas e os métodos específicos de ação devem ser escolhidos com cuidado, para
que eles contribuam para atingir os objetivos de cada estratégia específica. A
discussão aqui se centra exclusivamente no nível da estratégia.
Dos estrategistas planejando as
campanhas mais importantes será exigido, como daqueles que planejaram a grande
estratégia, um conhecimento aprofundado da natureza e dos modos de operação de
sua técnica de luta escolhida. Assim como os oficiais militares precisam
entender as estruturas de força, táticas, logística, munições, os efeitos da
geografia, e outros, a fim de traçar a estratégia militar, os planejadores do
desafio político devem compreender a natureza e os princípios estratégicos de
luta não violenta. Mesmo assim, contudo, o conhecimento da luta não violenta, a
atenção às recomendações neste ensaio e as respostas às questões aqui colocadas
não produzirão, eles mesmos, as estratégias. A formulação de estratégias para a
luta ainda exige uma criatividade informada.
No planejamento das estratégias
para as campanhas específicas de resistência seletiva e para o desenvolvimento
no longo prazo da luta de libertação, os estrategistas do desafio político
precisarão considerar várias questões e problemas. Os seguintes estão entre
estes:
•
Determinação dos objetivos específicos da campanha e sua contribuição para a
execução da grande estratégia.
• Consideração dos métodos
específicos, ou armas políticas que podem ser mais bem utilizados para
implementar as estratégias escolhidas. Dentro de cada plano geral para uma
campanha estratégica em particular, será necessário determinar quais planos
menores e táticos, e quais métodos de ação específicos devem ser utilizados
para impor restrições e pressões contra as fontes de poder da ditadura. Deve
ser lembrado que a realização dos objetivos mais importantes virá como
resultado de medidas menores especificas cuidadosamente escolhidas e implementadas.
• Determinação se, ou como, as
questões econômicas deve estar relacionadas com a luta global essencialmente
política. Se as questões econômicas devem ser proeminentes na luta, será
preciso cuidado para que os problemas econômicos possam realmente ser sanados
após o término da ditadura. Caso contrário, a desilusão e o descontentamento
pode se instalar, se soluções rápidas não são providenciadas durante o período
de transição para uma sociedade democrática. Essa desilusão poderia facilitar o
surgimento de forças ditatoriais prometendo um fim aos problemas
econômicos.
• Determinação com antecedência
de que tipo de estrutura de liderança e sistema de comunicações funcionará
melhor para iniciar a luta de resistência. Quais meios de tomada de decisão e de
comunicação serão possíveis durante o curso da luta para continuar a dar
orientação aos resistentes e à população em geral?
• Comunicação de notícia de
resistência à população em geral, às forças dos ditadores e à imprensa
internacional. Alegações e relatórios devem sempre ser rigorosamente factuais.
Exageros e alegações infundadas minarão a credibilidade da resistência.
• Planos para atividades
sociais, educacionais, econômicas e políticas autossuficientes e construtivas
para atender às necessidades de próprio povo durante o conflito iminente. Tais
projetos podem ser conduzidos por pessoas não envolvidas diretamente nas
atividades da resistência.
• Determinação do tipo de ajuda
externa desejável em apoio à campanha específica ou à luta geral de libertação.
Como pode a ajuda externa ser mais bem mobilizada e utilizada sem tornar a luta
interna dependente de fatores externos incertos? Será necessário prestar
atenção a quais grupos externos mais provavelmente e mais adequadamente
ajudarão, tais como organizações não governamentais (movimentos sociais, grupos
religiosos ou políticos, sindicatos, etc.), governos e / ou as Nações Unidas e
os seus diferentes órgãos.
Além disso, os planejadores de
resistência precisarão tomar medidas para preservar a ordem e atender às
demandas sociais por suas próprias forças durante a resistência em massa contra
os controles ditatoriais. Isto não só criará estruturas democráticas
alternativas e independentes e atenderá às necessidades reais, mas também
reduzirá a credibilidade de qualquer alegação de que repressão violenta seja
necessária para deter a desordem e a anarquia.
Disseminando a ideia da não cooperação
Para o desafio político
bem-sucedido contra uma ditadura, é essencial que a população entenda a ideia
da não cooperação. Conforme ilustrado pela história do "Mestre dos
Macacos" (ver Capítulo III), a ideia básica é simples: se um número
suficiente de
subordinados
se recusa a continuar a sua cooperação por tempo suficiente, apesar da
repressão, o sistema opressivo será enfraquecido e, finalmente, entrará em
colapso.
As pessoas que vivem sob a
ditadura já podem estar familiarizadas com esse conceito a partir de diversas
fontes. Mesmo assim, as forças democráticas deveriam deliberadamente difundir e
popularizar a ideia da não cooperação. A história do "Mestre dos
Macacos" ou uma fábula semelhante poderá ser difundida por toda a
sociedade. Tal história poderia ser facilmente entendida. Uma vez que o
conceito geral de não cooperação é apreendido, as pessoas serão capazes de
entender a relevância de futuras chamadas à prática de não cooperação com a
ditadura. Eles também serão capazes por si sós de improvisar uma miríade de
formas específicas de não cooperação em novas situações.
Apesar das dificuldades e
perigos na tentativa de comunicar ideias, notícias e instruções de resistência,
enquanto vivem sob ditaduras, os democratas têm frequentemente provaram ser
isso possível.
Mesmo sob o regime nazista e o
comunista, foi possível para os resistentes se comunicar não só com outros
indivíduos, mas, mesmo com grandes audiências através da produção de jornais
clandestinos, folhetos, livros, e nos últimos anos via cassetes de áudio e
vídeo.
Com a vantagem de um
planejamento estratégico prévio, orientações gerais para a resistência podem
ser preparadas e divulgadas. Estas podem indicar as questões e circunstâncias
em que a população deve protestar e recusar-se a cooperar, e como isso deve ser
feito. Então, mesmo que a comunicação da liderança democrática sejam cortados,
e instruções específicas não tenham sido emitidas ou recebidas, a população
saberá como agir em certas questões importantes. Essas orientações também
forneceriam um teste para identificar falsas "instruções de
resistência", emitidas pela polícia política destinadas a provocar ação de
descrédito.
Repressão e contramedidas
Os planejadores estratégicos
terão de avaliar as possíveis respostas e repressão, em especial o limite da
violência da ditadura às ações da resistência democrática. Será necessário
determinar a forma de resistir, contra atacar ou evitar esse possível aumento
da repressão, sem submissão. Taticamente, para ocasiões específicas, as
advertências adequadas à população e os resistentes sobre a repressão esperado
seriam necessários, de modo que eles conheçam os riscos de participação. Se a
repressão pode ser grave, os preparativos para a assistência médica aos
resistentes feridos devem ser feitos.
Antecipando a repressão, os
estrategistas devem considerar antecipadamente a utilização de táticas e métodos
que contribuam para alcançar o objetivo específico de uma campanha, ou a
libertação, mas que tornem a repressão brutal menos provável ou menos possível.
Por exemplo, manifestações de rua e desfiles contra as ditaduras extremas pode
ser dramático, mas também apresentam o risco de milhares de manifestantes
mortos. O alto custo para os manifestantes não pode, contudo, efetivamente
aplicar mais pressão sobre a ditadura do que ocorreria se todo mundo ficasse em
casa, uma greve ou atos em massa de não cooperação de funcionários
públicos.
Se tivesse sido proposto que a
ação de resistência provocativa arriscando muitas baixas seria necessário para
uma finalidade estratégica, então se deve considerar com muito cuidado os
custos da proposta e os possíveis ganhos. Será que a população e os resistentes
provavelmente se comportarão de uma forma disciplinada e não violenta durante o
curso da luta? Eles podem resistir a provocações à violência? Os planejadores
devem considerar quais medidas podem ser tomadas para manter a disciplina não
violenta, e manter a resistência apesar de brutalidades. Será que medidas, tais
como
promessas,
declarações políticas, folhetos sobre disciplina, encarregados de manifestações
e boicotes de pessoas e grupos pró violência seriam possíveis e eficazes? Os
líderes devem estar sempre alertas para a presença de agentes provocadores,
cuja missão será a de incitar os manifestantes à violência.
Aderindo ao plano estratégico
Depois de um bom plano
estratégico está implantado, as forças democráticas não devem ser distraídos
por pequenos movimentos dos ditadores que podem tentá-los a se afastar da
grande estratégia e da estratégia para uma campanha específica, levando-os a
concentrar as principais atividades sobre questões sem importância. Também as
emoções do momento - talvez em resposta às novas brutalidades da ditadura - não
devem desviar a resistência democrática de sua grande estratégia ou da
estratégia de campanha. As brutalidades pode ter sido perpetradas precisamente
para provocar as forças democráticas a abandonar seu plano bem-definido e até
mesmo cometer atos violentos, a fim de que os ditadores possam derrotá-las mais
facilmente.
Enquanto a análise básica é
considerada boa, a tarefa das forças pró democracia é avançar etapa por etapa.
Naturalmente, mudanças nas táticas e objetivos intermédios ocorrerão e os bons
líderes estarão sempre prontos para explorar oportunidades. Esses ajustes não
devem ser confundidos com os objetivos da grande estratégia ou os objetivos da
campanha específica. A cuidadosa implementação da grande estratégia escolhida e
de estratégias para campanhas particulares contribuirá grandemente para o
sucesso.
OITO APLICANDO O DESAFIO POLÍTICO
Em situações em que a população
se sente impotente e assustada é importante que as tarefas iniciais para o
público sejam de baixo risco, ações de fortalecimento da confiança. Estes tipos
de ações - tais como o uso de uma roupa em uma forma incomum - pode registrar
publicamente uma opinião divergente e proporcionar uma oportunidade ao público
de participar de forma significativa nos atos de dissidência. Em outros casos,
uma questão relativamente menos importante (na superfície) e apolítica (por
exemplo, garantir um abastecimento de água potável) pode ser transformada no
foco de ação do grupo. Os estrategistas devem escolher um tema cujo mérito será
amplamente reconhecido e difícil de rejeitar. O sucesso em tais campanhas
limitada não só poderia corrigir queixas específicas, mas também convencer a
população que ela realmente tem o potencial de poder.
A maioria das estratégias de
campanhas na luta de longo prazo não deve visar a queda completa imediata da
ditadura, mas sim ganhar objetivos limitados. Nem todas as campanhas exigem a
participação de todos os setores da população.
Ao contemplar uma série de
campanhas específicas para implementar a grande estratégia, os estrategistas do
desafio devem considerar como as campanhas no início, meio e perto da conclusão
da luta de longo prazo serão diferentes umas das outras.
Resistência seletiva
Nos estágios iniciais da luta,
campanhas separadas, com diferentes objetivos específicos podem ser muito
úteis. Tais campanhas seletivas podem seguir uma após a outra. Ocasionalmente,
duas ou três podem se sobrepor no tempo.
Ao planejar uma estratégia de
"resistência seletiva" é necessário identificar as questões ou
queixas limitadas que simbolizam a opressão geral da ditadura. Tais questões
podem ser os alvos adequados para a realização de campanhas visando ganhar
objetivos estratégicos intermediários no âmbito da grande estratégia
geral.
Estes objetivos estratégicos
intermediários precisam ser alcançáveis pela capacidade atual ou projetada de
poder das forças democráticas. Isso ajuda a garantir uma série de vitórias, que
são boas para o moral, e também contribuir para mudanças incrementais
vantajosas nas relações de poder para a luta de longo prazo.
Estratégias de resistência
seletiva devem se concentrar principalmente sobre questões sociais, econômicas
ou políticas específicas. Estas podem ser escolhidos de forma a manter alguma
parte do sistema social e político fora do controle dos ditadores; para
recuperar o controle de alguma parte atualmente controlada pelos ditadores; ou
para negar aos ditadores um objetivo particular. Se possível, a campanha de
resistência seletiva também deve atacar um ou mais pontos fracos da ditadura,
conforme já foi discutido. Dessa forma, os democratas podem fazer o maior
impacto possível com a sua capacidade de poder disponível.
Muito cedo, os estrategistas
precisam planejar, pelo menos, a estratégia para a primeira campanha. Quais são
os seus objetivos limitados? Como eles ajudarão a realizar a grande estratégia
escolhida? Se possível, é sensato formular, pelo menos, as linhas gerais das
estratégias para uma segunda e possivelmente uma terceira campanha. Todas essas
estratégias precisarão implementar a grande estratégia escolhida e operar
dentro de suas diretrizes gerais.
Desafio
simbólico
No início de uma nova campanha
para enfraquecer a ditadura, as primeiras ações, mais especificamente políticas
pode ter escopo limitado. Elas devem ser projetadas ema parte para testar e
influenciar o humor da população, e prepará-la para continuar a luta através da
não cooperação e desafio político.
A ação inicial é susceptível de
assumir a forma de protesto simbólico, ou pode ser um ato simbólico de não
cooperação limitada ou temporária. Se o número de pessoas dispostas a agir for
pequeno, então o ato inicial pode, por exemplo, envolver a colocação de flores
em um local de importância simbólica. Por outro lado, se o número de pessoas
dispostas a agir é muito grande, então, uma parada de cinco minutos de todas as
atividades ou alguns minutos de silêncio podem ser usados. Em outras situações,
alguns indivíduos poderiam realizar uma greve de fome, uma vigília em um local
de importância simbólica, um breve boicote estudantil das aulas, ou um
"sit-in" temporário em um escritório importante. Sob uma ditadura,
essas ações mais agressivas provavelmente enfrentariam uma dura repressão.
Certos atos simbólicos, tais
como uma ocupação física em frente ao palácio do ditador ou da sede da polícia
política pode envolver alto risco e, portanto, não são aconselháveis para o
início de uma campanha.
Ações iniciais de protesto
simbólico, às vezes despertaram a atenção nacional e internacional importante -
como as manifestações de rua em massa na Birmânia em 1988, ou a ocupação por
estudantes e greve de fome na Praça Tiananman em Pequim, em 1989. O grande
número de baixas entre os manifestantes em ambos os casos aponta para o grande
cuidado que os estrategistas devem ter no planejamento de campanhas. Apesar de
terem um tremendo impacto moral e psicológico, tais ações por si mesmas não são
susceptíveis de derrubar uma ditadura, pois elas permanecem em grande parte
simbólicas e não afetam a posição de poder da ditadura.
Geralmente não é possível
cortar a disponibilidade das fontes de poder dos ditadores completa e
rapidamente no início de uma luta. Isso exigiria praticamente que toda a
população e quase todas as instituições da sociedade - que já haviam sido
amplamente submissas - rejeitasse absolutamente o regime e, de repente,
desafiá-lo através de não cooperação forte e em massa. Isso ainda não ocorreu,
e seria muito difícil de alcançar. Na maior parte dos casos, portanto, uma
rápida campanha de não cooperação plena e desafio é uma estratégia irreal para
uma campanha precoce contra a ditadura.
Distribuindo a responsabilidade
Durante uma campanha de
resistência seletiva, o peso da luta é por algum tempo normalmente suportado
por um setor ou mais da população. Em uma campanha posterior com um objetivo
diferente, o ônus da luta seria transferido para outros grupos populacionais.
Por exemplo, os estudantes podem realizar greves sobre uma questão educacional;
líderes religiosos e fiéis podem se concentrar na questão da liberdade
religiosa; trabalhadores ferroviários podem meticulosamente obedecer às normas
de segurança, de modo a atrasar o sistema de transporte ferroviário;
jornalistas podem desafiar a censura através da publicação de artigos com
espaços em branco onde artigos proibidos teriam aparecido, ou a polícia pode
falhar repetidamente em localizar e prender integrantes da oposição democrática
procurados. Dividir as campanhas de resistência em fases, por assunto e grupo
populacional permitirá que determinados segmentos da população descansem
enquanto a resistência continua.
A resistência seletiva é
especialmente importante para defender a existência e a autonomia de grupos e
instituições sociais, econômicos e políticos independentes, fora do
controle
da ditadura, que foram brevemente discutidos anteriormente. Estes centros de
poder proporcionam as bases institucionais a partir das quais a população pode
exercer pressão ou pode resistir aos controles ditatoriais. Na luta, eles são
susceptíveis de estar entre os primeiros alvos da ditadura.
Visando o poder dos ditadores
À medida que a luta de longo
prazo se desenvolve para além das estratégias iniciais em fases mais ambiciosas
e avançadas, os estrategistas precisarão calcular como fontes de poder dos
ditadores podem ser ainda mais restringidas. O objetivo seria usar não
cooperação popular para criar uma situação estratégica mais vantajosa para as
forças democráticas.
À medida que as forças da
resistência democrática ganham força, os estrategistas criariam não cooperação
e desafios mais ambiciosos para romper as fontes do poder da ditadura, com o
objetivo de aumentar a paralisia política, e no final a desintegração da
própria ditadura.
Será necessário planejar
cuidadosamente a forma como as forças democráticas podem enfraquecer o apoio
que as pessoas e grupos ofereciam anteriormente à ditadura. Será que seu apoio
pode ser enfraquecido pelas revelações das brutalidades cometidas pelo regime,
pela exposição das consequências desastrosas das políticas econômicas dos
ditadores, ou por um novo entendimento de que a ditadura pode ser terminada? Os
defensores da ditadores deveriam pelo menos ser induzido a se tornarem
"neutros" (em cima do muro) em suas atividades ou, preferencialmente,
tornar-se apoiadores ativos do movimento pela democracia.
Durante o planejamento e
implementação de desafio político e não cooperação, é muito importante prestar
atenção a todos os principais adeptos e auxiliares dos ditadores, incluindo a
sua camarilha interna, partido político, policiais e burocratas, mas
especialmente o seu exército.
O grau de lealdade das forças
militares, tanto soldados quanto oficiais, à ditadura precisa ser
cuidadosamente avaliado, e uma decisão deve ser tomada quanto a se os militares
estão abertos à influência das forças democráticas. Será que muitos dos
soldados comuns são recrutas infelizes e assustados? Será que muitos dos
soldados e oficiais são alienados do regime por motivos pessoais, familiares,
ou políticos? Quais outros fatores podem tornar soldados e oficiais vulneráveis
à subversão democrática?
Logo no início da luta de
libertação, uma estratégia especial deve ser desenvolvida para se comunicar com
as tropas e funcionários dos ditadores. Por meio de palavras, símbolos e ações,
as forças democráticas podem informar as tropas que a luta de libertação será
forte, determinada e persistente. As tropas devem aprender que a luta terá um
caráter especial, que visa minar a ditadura, mas não para ameaçar suas vidas.
Tais esforços devem visar, em última análise, minar o moral das tropas dos
ditadores e, finalmente, subverter sua lealdade e obediência em favor do
movimento democrático. Estratégias semelhantes poderiam ser destinadas à
polícia e funcionários públicos.
A tentativa de angariar
simpatia de e, eventualmente, provocar a desobediência entre as forças dos
ditadores não deve ser interpretada, no entanto, como significando o incentivo
às forças militares para dar um final rápido à ditadura atual através de ação
militar. Tal cenário provavelmente não instalará uma democracia funcional,
porque (como já discutimos) um golpe de Estado faz pouco para reduzir o
desequilíbrio das relações de poder entre a população e os governantes.
Portanto, será necessário planejar como oficiais militares simpáticos aos
democratas podem ser levados a compreender que nem um golpe militar, nem uma
guerra civil contra a ditadura é necessário ou desejável.
Oficiais
simpáticos aos democratas podem desempenhar um papel vital na luta democrática,
por exemplo, através da propagação de descontentamento e não cooperação das
forças militares, encorajando ineficiências deliberada e ignorando
silenciosamente as ordens, e apoiando a recusa de realizar a repressão. Os
militares também podem oferecer várias modalidades de assistência não violenta
positiva ao movimento pró democracia, incluindo passagem segura, informações,
alimentos, suprimentos médicos, e assim por diante.
O exército é uma das mais
importantes fontes de poder dos ditadores, porque ele pode usar suas unidades
militares disciplinadas e armas para atacar diretamente e punir a população
desobediente. Os estrategistas do desafio devem lembrar que será
extremamente difícil, ou impossível, desintegrar a ditadura, se a polícia, os
burocratas e as forças militares continuarem a ser plenamente favoráveis à
ditadura e obedientes na execução de seus comandos . Estratégias destinadas
a subverter a lealdade das forças dos ditadores devem receber alta prioridade
pelos estrategistas democráticos.
As forças democráticas devem
lembrar que a insatisfação e desobediência entre as forças militares e
policiais podem ser altamente perigoso para os membros desses grupos. Soldados
e policiais poderia esperar duras penalidades para qualquer ato de
desobediência e pela execução de atos de rebelião. As forças democráticas não
devem pedir que os soldados e oficiais se amotinem imediatamente. Em vez disso,
onde a comunicação é possível, deve ficar claro que há uma infinidade de formas
relativamente seguras de "desobediência disfarçada" que podem adotar
inicialmente. Por exemplo, policiais e soldados podem realizar as instruções
para a repressão de forma ineficiente, falar em localizar pessoas procuradas,
alertar os resistentes sobre repressão iminente, detenções ou deportações e
falhar em comunicar informações importantes a seus oficiais superiores.
Oficiais descontentes, por sua vez, podem deixar de enviar ordens para a
repressão abaixo na cadeia de comando. Os soldados podem atirar sobre as
cabeças dos manifestantes. Da mesma forma, por sua vez, os funcionários
públicos podem perder arquivos e instruções, trabalhar ineficientemente, e
ficar "doentes" para que precisem ficar em casa até que se
"recuperem".
Mudanças na estratégia
Os estrategistas do desafio
político precisarão constantemente avaliar como a grande estratégia e as
estratégias de campanha específicas estão sendo implementadas. É possível, por
exemplo, que a luta possa não ir tão bem como esperado. Nesse caso, será
necessário calcular quais mudanças na estratégia podem ser necessárias. O que
pode ser feito para aumentar a força do movimento e recuperar a iniciativa? Em
tal situação, será necessário identificar o problema, fazer uma reavaliação
estratégica, possivelmente transferir responsabilidades da luta para um grupo
da população diferente, mobilizar fontes adicionais de poder e desenvolver
cursos de ação alternativos. Quando isso é feito, o novo plano deve ser
implementado imediatamente.
Por outro lado, se a luta foi
muito melhor que o esperado e a ditadura está entrando em colapso mais cedo do
que o calculado anteriormente, como podem as forças democráticas capitalizar os
ganhos inesperados e avançar em direção da paralização da ditadura?
Exploraremos esta questão no próximo capítulo.
NOVE DESINTEGRANDO A DITADURA
O efeito cumulativo de
campanhas de desafio político bem conduzidas e bem sucedidas é o de reforçar a
resistência e estabelecer e expandir as áreas da sociedade, onde a ditadura
enfrenta limites ao seu controle efetivo. Essas campanhas também proporcionam
uma experiência importante em como recusar a cooperação e como oferecer desafio
político. Essa experiência será de grande ajuda quando chegar a hora de não-cooperação
e desafio em escala maciça.
Conforme foi discutido no
Capítulo Três, a cooperação, obediência e submissão são essenciais para que os
ditadores sejam poderosos. Sem acesso às fontes de poder político, o poder dos
ditadores se enfraquece e, finalmente, se dissolve. A retirada de apoio é,
portanto, a principal ação necessária para desintegrar uma ditadura. Ela pode
ser útil para analisar como as fontes de poder podem ser afetadas pelo desafio
político.
Atos de repúdio simbólico e
desafio estão entre os meios disponíveis para minar a autoridade moral e
política do regime - sua legitimidade. A maior autoridade do regime, a maior e
mais confiável é a obediência e cooperação que ele receberá. A desaprovação
moral precisa ser expressa em ação, a fim de ameaçar seriamente a existência da
ditadura. A retirada da cooperação e a obediência são necessárias para romper a
disponibilidade de outras fontes de poder do regime.
Uma segunda e importante fonte
de poder são os recursos humanos, o número e a importância das pessoas e grupos
que obedecem, cooperam com, ou ajudam os governantes. Se a não-cooperação é
praticada por grandes porções da população, o regime estará em sérios apuros.
Por exemplo, se os funcionários públicos não funcionam mais com a sua eficácia
normal, ou até mesmo ficam em casa, o aparelho administrativo será gravemente
afetado.
Da mesma forma, se as pessoas e
grupos não colaboradores incluírem aqueles que anteriormente forneciam
habilidades e conhecimento especializado, então os ditadores verão a sua
capacidade de implementar suas vontades gravemente enfraquecida. Mesmo sua
capacidade de tomar decisões bem-informadas e desenvolver políticas eficazes
pode ser seriamente reduzida.
Se influências psicológicas e
ideológicas - chamados fatores intangíveis - que normalmente induzem as pessoas
a obedecer e ajudar os governantes são enfraquecidas ou revertidas, a população
estará mais inclinada a acatar e a não cooperar.
O acesso dos ditadores aos
recursos materiais também afeta diretamente o seu poder. Com o controle de
recursos financeiros, o sistema econômico, a propriedade, recursos naturais,
transportes e meios de comunicação nas mãos de adversários reais ou potenciais
do regime, outra importante fonte de seu poder fica vulnerável ou removida.
Greves, boicotes e crescente autonomia da economia, comunicações e transporte
enfraquecerão o regime.
Conforme discutido
anteriormente, a capacidade dos ditadores de ameaçar ou aplicar sanções -
punições contra seções desobedientes, rebeldes, e não-cooperativas da população
- é uma fonte central de poder de ditadores. Esta fonte de poder pode ser
enfraquecida de duas maneiras. Em primeiro lugar, se a população está disposta,
como em uma guerra, ao arriscar sérias consequências como preço do desafio, a eficácia
das sanções disponíveis será drasticamente reduzida (ou seja, a repressão dos
ditadores não assegura a submissão desejada). Segundo, se a própria polícia e
as forças militares se tornarem insatisfeitas, elas podem em base individual ou
em massa simplesmente fugir
ou
desafiam diretamente as ordens para prender, bater ou atirar nos resistentes.
Se os ditadores já não podem confiar na polícia e nas forças militares para
realizar a repressão, a ditadura está seriamente ameaçada.
Em resumo, o sucesso contra uma
ditadura entrincheirada exige que a não-cooperação e o desafio reduzam e
eliminem as fontes de poder do regime. Sem reposição constante das fontes de
poder necessárias, a ditadura enfraquecerá e finalmente se desintegrará.
Planejamento estratégico competente de desafio político contra as ditaduras,
por conseguinte, precisa visar as mais importantes fontes de poder dos
ditadores.
Escalada da liberdade
Combinado com o desafio
político durante a fase de resistência seletiva, o crescimento das instituições
sociais, econômicas, culturais, políticas autônomas progressivamente alargam o
"espaço democrático" da sociedade e reduzem o controle da ditadura. À
medida que as instituições da sociedade civil se tornam mais fortes em relação
à ditadura, então, não importa o que os ditadores possam desejar, a população
vai gradativamente construindo uma sociedade independente, fora do seu
controle. Se e quando a ditadura intervém para interromper essa "escalada
de liberdade", a luta não violenta pode ser aplicada em defesa deste
espaço recém-conquistado e a ditadura será confrontada com mais uma
"frente" na luta.
Com o tempo, essa combinação de
resistência e de criação de instituições pode conduzir à liberdade de facto,
provocando o colapso da ditadura e a instalação formal de um sistema
democrático inegável, pois as relações de poder dentro da sociedade foram
fundamentalmente alteradas.
A Polônia nas décadas de70 e 80
fornece um exemplo claro da progressiva recuperação das funções de uma
sociedade e instituições através da resistência. A igreja católica tinham sido
perseguida, mas nunca ficou sob controle completo dos comunistas. Em 1976,
certos intelectuais e trabalhadores formaram pequenos grupos, tais como o KOR
(Comitê de Defesa dos Trabalhadores) para promover suas ideias políticas. A
organização do sindicato Solidariedade com o seu poder para comandar greves
eficazes forçou sua própria legalização em 1980. Camponeses, estudantes, e
muitos outros grupos também formaram as suas próprias organizações independentes.
Quando os comunistas perceberam que esses grupos tinham mudado as realidades de
poder, o Solidariedade foi novamente banido e os comunistas recorreram ao
regime militar.
Mesmo sob a lei marcial, com
muitas prisões e perseguição implacável, as novas instituições independentes da
sociedade continuaram a funcionar. Por exemplo, dezenas de jornais e revistas
ilegais continuaram a ser publicados. As editoras ilegais publicaram anualmente
centenas de livros, enquanto escritores conhecidos boicotavam publicações
Comunistas e editoras do governo. Atividades semelhantes continuaram em outras
partes da sociedade.
Sob o regime militar de
Jaruselski, o governo militar-comunista estava em um ponto descrito como se
debatendo no topo da sociedade. Os funcionários ainda ocupavam escritórios e
edifícios do governo. O regime ainda podia atacar a sociedade, com punições,
prisões, detenções, apreensão de rotativas e similares. A ditadura, no entanto,
não conseguia controlar a sociedade. A partir daí, foi só uma questão de tempo
até que a sociedade fosse capaz de derrubar completamente o regime.
Mesmo quando a ditadura ainda
ocupava cargos no governo, às vezes é possível organizar um "governo
paralelo" democrático. Isto cada vez mais operaria como um governo rival
para o qual a lealdade, respeito, cooperação são dadas pela população e pelas
instituições da sociedade. A ditadura, então, consequentemente, em bases
crescentes seria privada
destas
características de governo. Eventualmente, o governo democrático paralelo pode
substituir completamente o regime ditatorial, como parte da transição para um
regime democrático. No devido tempo, então, uma Constituição seria aprovada e
as eleições realizadas como parte da transição.
Desintegrando a Ditadura
Embora a transformação
institucional da sociedade esteja ocorrendo, o movimento de desobediência e não
cooperação pode escalar. Os estrategistas das forças democráticas devem
contemplar bem cedo que chegará um momento em que as forças democráticas podem
ir além da resistência seletiva e lançar desafios em massa. Na maioria dos
casos, será necessário tempo para criar, construir ou expandir as capacidades
de resistência, e o desenvolvimento de desafios em massa só podem ocorrer após
vários anos. Durante este período de transição as campanhas de resistência
seletiva devem ser lançadas com objetivos políticos cada vez mais importantes.
Os setores maiores da população em todos os níveis da sociedade devem se
envolver. Dado um desfio político determinado e disciplinado durante esta
escalada de atividades, as fraquezas internas da ditadura tendem a se tornar
cada vez mais evidentes.
A combinação de desafio
político forte e criação de instituições independentes provavelmente produzirá,
com o tempo a atenção da comunidade internacional favorável às forças
democráticas. Ela também pode produzir condenações internacionais diplomáticas,
boicotes e embargos em apoio às forças democráticas (como aconteceu no caso da
Polônia).
Os estrategistas devem estar
cientes de que em algumas situações o colapso da ditadura pode ocorrer muito
rapidamente, como aconteceu na Alemanha Oriental em 1989. Isso pode acontecer
quando as fontes de poder são maciçamente cortadas como resultado da repulsa de
toda a população contra a ditadura. Esse padrão não é usual, entretanto, e é
melhor planejar para uma luta de longo prazo (mas estar preparado para uma luta
curta).
Durante o curso da luta de
libertação, as vitórias, mesmo em questões limitadas devem ser comemoradas.
Aqueles que ganharam a vitória devem ser reconhecidos. Celebrações com
vigilância deve também ajudar a manter elevado o moral necessário para as
futuras fases da luta.
Lidando com o sucesso de maneira responsável
Planejadores da grande
estratégia devem calcular antecipadamente as maneiras possíveis e preferenciais
em que uma luta bem-sucedida pode ser mais bem realizada, a fim de evitar o
surgimento de uma nova ditadura e garantir o estabelecimento progressivo de um
sistema democrático durável.
Os democratas devem calcular
como a transição da ditadura para o governo interino será tratada no final da
luta. É desejável naquele momento estabelecer rapidamente um novo governo
funcional. Mas, ele não deve ser apenas o velho governo com novas pessoas. É
necessário calcular quais seções da antiga estrutura governamental (como a
polícia política) devem ser completamente abolidas devido ao seu caráter
inerentemente antidemocrático, e quais seções conservadas para serem submetidas
a esforços de democratização posteriores. Um completo vazio governamental
poderia abrir caminho para o caos ou para uma nova ditadura.
Reflexão deve ser dedicada com
antecedência, a determinar qual deve ser a política para altos funcionários da
ditadura quando seu poder se desintegrar. Por exemplo, devem os ditadores serem
levados a julgamento em um tribunal? Ser-lhes-á permitido deixar o país
de
forma permanente? Quais outras opções podem existir que sejam compatíveis com o
desafio político, a necessidade de reconstruir o país, e a construção de uma
democracia, após a vitória? Um banho de sangue devem ser evitado, que poderia
ter consequências drásticas sobre a possibilidade de um futuro sistema
democrático.
Planos específicos para a
transição para a democracia devem estar prontos para aplicação quando a
ditadura estiver enfraquecendo ou desmoronando. Tais planos ajudarão a evitar
que outro grupo tome o poder estatal através de um golpe de Estado. Planos para
a instituição do governo democrático constitucional, com plena liberdade
política e pessoal também serão necessários. As mudanças ganhas a um preço
enorme não devem ser perdidas por falta de planejamento.
Quando confrontado com a
população cada vez mais capacitadas e o crescimento de grupos e instituições
democráticas independentes - que a ditadura é incapaz de controlar - os
ditadores descobrirão que sua aventura inteira está se desfazendo. Paradas
maciças da sociedade, greves gerais, paralizações em massa, marchas
desafiadoras, ou outras atividades minarão cada vez mais a organização dos
próprios ditadores e instituições relacionadas. Como consequência de tal
desafio e não cooperação, executada com sabedoria e com participação em massa
ao longo do tempo, os ditadores se tornariam impotentes e os defensores da democracia
triunfariam sem violência. A ditadura se desintegraria diante da população
desafiadora.
Nada desse esforço será
bem-sucedido, especialmente não facilmente, e raramente rapidamente. Deve ser
lembrado que, como tantas guerras militares são perdidas quantas são vencidas.
Mas, o desafio político oferece uma possibilidade real de vitória. Conforme
afirmado anteriormente, essa possibilidade pode ser muito aumentada através do
desenvolvimento de uma grande estratégia sensata, planejamento estratégico cuidadoso,
trabalho árduo, e luta disciplinada e corajosa.
DEZ BASES PARA A DEMOCRACIA DURÁVEL
A desintegração da ditadura é,
naturalmente, motivo de grande comemoração. As pessoas que sofreram por muito
tempo e esforçaram-se por um preço enorme merecem um tempo de alegria,
relaxamento e reconhecimento. Eles devem se sentir orgulhosos de si mesmos e de
todos os que lutaram com eles para ganhar a liberdade política. Nem todos
viverão para ver esse dia. Os vivos e os mortos serão lembrados como heróis que
ajudaram a moldar a história da liberdade em seu país.
Infelizmente, este não é um
momento para redução da vigilância. Mesmo no caso de uma desintegração
bem-sucedida da ditadura através do desafio político, precauções cuidadosas
deve ser tomadas para evitar o surgimento de um novo regime opressor a partir
da confusão após o colapso do antigo regime. Os líderes das forças
pró-democracia devem ter-se preparado com antecedência para uma transição
ordenada para a democracia. As estruturas ditatoriais precisarão ser
desmontadas. As bases constitucionais e legais e os padrões de comportamento de
uma democracia duradoura precisarão ser construídos.
Ninguém deve acreditar que com
a queda da ditadura, uma sociedade ideal aparecerá imediatamente. A
desintegração da ditadura simplesmente fornece o ponto de partida, em condições
de maior liberdade, para esforços de longo prazo para melhorar a sociedade e
satisfazer as necessidades humanas de forma mais adequada. Graves problemas
políticos, econômicos e sociais continuarão durante anos, exigindo a cooperação
de muitas pessoas e grupos na busca de sua resolução. O novo sistema político
deve proporcionar as oportunidades às pessoas com diferentes perspectivas e
medidas favoráveis para continuar o trabalho construtivo e desenvolvimento de
políticas para lidar com problemas no futuro.
Ameaças de uma nova ditadura
Aristóteles advertiu há muito
tempo que ". . . a tirania pode também se transformar em tirania... "14. Há ampla
evidência histórica da França (os Jacobinos e Napoleão), Rússia (os
bolcheviques), Irã (o aiatolá), Birmânia (SLORC), e outros lugares onde o
colapso de um regime opressivo será visto por algumas pessoas e grupos como
mera oportunidade para entrar em cena como novos senhores. Seus motivos podem
variar, mas os resultados são aproximadamente os mesmos. A nova ditadura pode
ser até mais cruel e total no seu controle do que a antiga.
14 Aristóteles, A Política, Livro V, Capítulo 12, p. 233.
Mesmo antes do colapso da
ditadura, os membros do antigo regime podem tentar abreviar a luta de desafio
pela democracia, encenando um golpe de Estado destinado a antecipar a vitória
da resistência popular. Eles podem alegar derrubar a ditadura, mas na verdade
procuram apenas impor um novo modelo renovado do antigo regime.
Bloqueando golpes
Existem várias maneiras em que
os golpes contra as sociedades recém-libertadas podem ser derrotados.
Conhecimento antecipado daquela capacidade de defesa às vezes pode ser
suficiente para impedir a tentativa. A preparação pode produzir prevenção.
Imediatamente após um golpe ter começado, os golpistas exigem legitimidade, ou
seja, a aceitação de seu direito moral e político de governar. O primeiro
princípio básico de defesa antigolpe é, portanto, negar a legitimidade aos
golpistas.
Os
golpistas também exigem que os líderes civis e da população sejam apoiadores,
confusos, ou apenas passivos. Os golpistas exigem a colaboração de
especialistas e assessores, burocratas e funcionários públicos, administradores
e juízes, a fim de consolidar seu controle sobre a sociedade afetada. Os
golpistas também exigem que a multidão de pessoas que operam o sistema
político, as instituições da sociedade, a economia, a polícia e as forças militares
passivamente se apresentem e executem suas funções habituais, alteradas pela
ordens e políticas dos golpistas.
O segundo princípio básico de
defesa antigolpe é resistir aos golpistas através de não cooperação e desafio.
A cooperação e a assistência necessária devem ser negadas. Basicamente, os
mesmos meios de luta que foram usados contra a ditadura podem ser usados contra
a nova ameaça, mas aplicados imediatamente. Se tanto a legitimidade quanto a
cooperação forem negados, o golpe pode morrer de inanição política e a chance
de construir uma sociedade democrática restaurada.
Elaboração da Constituição
O novo sistema democrático
exigirá uma constituição que estabeleça o quadro desejado para o governo
democrático. A Constituição deve estabelecer os propósitos do governo, limites
dos poderes governamentais, os meios e o calendário de eleições em que os
funcionários governamentais e parlamentares serão escolhidos, os direitos
inerentes ao povo, e a relação do governo nacional com outros níveis inferiores
de governo .
Dentro do governo central, se é
para continuar democrático, uma divisão clara da autoridade deve ser
estabelecida entre os poderes legislativo, executivo e judiciário do governo.
Fortes restrições devem ser incluídas às atividades da polícia, serviços de
inteligência e forças militares para proibir qualquer tipo de interferência
política legal.
No interesse de preservar o
sistema democrático e impedir tendências e medidas ditatoriais, a constituição
deve ser preferencialmente uma que estabeleça um sistema federal com
significativas prerrogativas reservadas para os níveis estadual, regional e
local de governo. Em algumas situações, o sistema suíço de cantões pode ser
considerado em que áreas relativamente pequenas retêm prerrogativas mais
importantes, ao mesmo tempo em que continua a fazer parte do país como um
todo.
Se uma Constituição com muitas
dessas características existia antes na história do país recém-libertado, pode
ser sábio simplesmente restaurar sua operação, alterando-a conforme necessário
e desejável. Se uma Constituição mais antiga adequada não existir, pode ser
necessário operar com uma constituição provisória. Caso contrário, uma nova
Constituição precisará ser preparada. Preparar uma nova Constituição exigirá
tempo e reflexão consideráveis. A participação popular neste processo é
desejável e necessária para a ratificação de um novo texto ou alterações.
Deve-se ser muito cauteloso sobre a inclusão na Constituição de promessas que
mais tarde podem se provar impossíveis de implementar ou disposições que
exigiriam um governo altamente centralizado, porque ambos podem facilitar uma
nova ditadura.
O texto da Constituição deve
ser facilmente entendido pela maioria da população. Uma constituição não deve
ser tão complexa ou ambígua que apenas os advogados ou outras elites pode
pretender compreendê-la.
Um política de defesa democrática
O país libertado também pode
enfrentar ameaças externas para as quais seria necessária uma capacidade de
defesa. O país também pode ser ameaçado por tentativas estrangeiras de
estabelecer dominação econômica, política ou militar.
No
interesse da manutenção da democracia interna, grande consideração deve ser
dada à aplicação dos princípios básicos de desafio político para as
necessidades da defesa nacional.15 Colocando capacidade de resistência diretamente nas
mãos dos cidadãos, países recém-libertados puderam evitar a necessidade de
estabelecer uma forte capacidade militar que pudesse ameaçar a própria
democracia ou exigir vastos recursos econômicos tão necessários para outros
fins.
15 Ver
Gene Sharp, Civilian-Based Defense: A Post-Military Weapons System (Princeton,
New Jersey: Princeton University Press, 1990).
Deve ser lembrado que alguns
grupos ignorarão qualquer disposição constitucional em seu objetivo de se
estabelecerem como novos ditadores. Portanto, um papel permanente existirá para
a população aplicar desafio político e não cooperação contra pretensos
ditadores, e para preservar as estruturas, direitos e procedimentos
democráticos.
Uma responsabilidade meritória
O efeito da luta não violenta
não é apenas enfraquecer e remover os ditadores, mas também dar poder aos
oprimidos. Esta técnica permite que as pessoas que antes se sentiam apenas
peões ou vítimas exercer o poder diretamente, a fim de obter por seus próprios
esforços maior liberdade e justiça. Esta experiência de luta tem
importantes
consequências psicológicas,
contribuindo para o aumento da autoestima e autoconfiança entre aqueles
anteriormente impotentes.
Uma das consequências benéficas
de longo prazo importantes da utilização da luta não violenta para estabelecer
um governo democrático é que a sociedade será mais capaz de lidar com problemas
contínuos e futuros. Estes podem incluir futuro abuso governamental e
corrupção, maus tratos de qualquer grupo, injustiças econômicas, e limitações
das qualidades democráticas do sistema político. A população com experiência na
utilização de desafio político menos provavelmente será vulnerável às futuras
ditaduras.
Após a libertação, a
familiaridade com a luta não violenta fornecerá os meios para defender a
democracia, as liberdades civis, direitos das minorias, e as prerrogativas do
Estado, regionais, governos locais e instituições não-governamentais. Tais meios
também fornecem maneiras pelas quais as pessoas e grupos possam expressar
discordância de forma pacífica em questões vistas como tão importante que
grupos de oposição algumas vezes, recorreram ao terrorismo ou à guerra de
guerrilha.
Os pensamentos neste exame do
desafio político ou da luta não violenta se destinam a ser úteis a todas as
pessoas e grupos que buscam se livrar da opressão ditatorial de seu povo e
estabelecer um sistema democrático durável, que respeite as liberdades humanas
e a ação popular para melhorar a sociedade.
Existem três conclusões mais
importantes às ideias esboçadas aqui:
• A libertação de ditaduras é
possível;
• Reflexão muito cuidadosa e
planejamento estratégico serão necessários para alcançá-lo, e
• Vigilância, trabalho árduo e
luta disciplinada, muitas vezes a grande custo, serão necessários.
A
frase muito citada "A liberdade não é livre" é verdadeira. Nenhuma
força externa está vindo para dar aos povos oprimidos, a liberdade que eles
tanto desejam. As pessoas terão de aprender a conquistar, elas mesmas, aquela
liberdade. Fácil, não pode ser.
Se as pessoas puderem entender
o que é necessário para sua própria libertação, elas podem traçar rotas de ação
que, através de muitas dores, podem, com o tempo, lhes trazer sua liberdade.
Então, com a diligência eles podem construir uma nova ordem democrática e
preparar sua defesa. A liberdade conquistada por luta desse tipo pode ser
duradoura. Ela pode ser mantida por um povo tenaz comprometido com a sua
preservação e enriquecimento.
APÊNDICE UM OS MÉTODOS DE AÇÃO NÃO VIOLENTA16
16 Esta
lista, com definições e exemplos históricos, é retirada de Gene Sharp, The
Politics of Nonviolent Action, Parte II, The Methods of Nonviolent Action.
OS MÉTODOS DE
PROTESTO NÃO VIOLENTOS E PERSUASÃO
Declarações
formais
1. Discursos
públicos
2. Cartas de
oposição ou de apoio
3. Declarações de
organizações e instituições
4. Declarações
públicas assinadas
5. Declarações da
acusação e de intenção
6. Comunicações
de petições em Grupo ou em massa
Comunicação
com uma audiência mais ampla
7. Slogans,
caricaturas e símbolos
8. Banners,
cartazes e comunicações exibidas
9. Folhetos,
panfletos e livros
10. Jornais e
revistas
11. Discos, rádio
e televisão
12. Escritas com
fumaça no céu ou na terra
Representações
em grupo
13.
Delegações
14. Prêmios
satíricos
15. Grupos de
lobby
16. Piquetes
17. Simulacros de
eleições
Atos públicos
simbólicos
18. Exibição de
bandeiras e cores simbólicas
19. Uso de
símbolos
20. Oração e
culto
21. Entrega de
objetos simbólicos
22. Nudez em
protesto
23. Destruição de
propriedade própria
24. Luzes
simbólicas
25. Mostra de
retratos
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