Aforismos em Grande Sertão: veredas
Extraído do http://www.elfikurten.com.br
"O senhor tolere, isto é o sertão. Uns querem que não seja: que situado sertão é por os campos-gerais a fora a dentro, eles dizem, fim de rumo, terras altas, demais do Urucuia. Toleima." (pág.01)
"Lugar sertão se divulga: é onde os pastos carecem de fechos; onde um pode torar dez, quinze léguas, sem topar com casa de morador; e onde criminoso vive seu cristo-jesus, arredado do arrocho de autoridade..." (pág.01)
"O gerais corre em volta. Esses gerais são sem tamanho. Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou pães, é questão de opiniães... O sertão está em toda a parte." (pág.01)
"E me inventei neste gosto de especular idéia." (pág.03)
"Fosse lhe contar... Bem, o diabo regula seu estado preto, nas criaturas, nas mulheres, nos homens. Até: nas crianças - eu digo. Pois não ditado: menino - trem do diabo? E nos usos, nas plantas, nas águas, na terra, no vento... Estrumes. ... O diabo na rua, no meio do redemoinho." (pág.04)
"Tudo é e não é..." (pág.05)
"O senhor não duvide – tem gente, neste aborrecido mundo, que matam só para ver alguém fazer careta... vem o pão, vem a mão, vem o cão." (pág.05)
"Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa." (pág.08)
"Uma coisa é pôr idéias arranjadas, outra é lidar com país de pessoas, de carne e sangue, de mil-e-tantas misérias... Tanta gente – dá susto de saber – nenhum se sossega: todos nascendo, crescendo, se casando, querendo colocação de emprego, comida, saúde, riqueza..." (pág.08)
"...universinho nosso aqui. Sertão. O senhor sabe: sertão é onde manda quem é forte, com as astúcias. Deus mesmo, quando vier, que venha armado!" (pág.11)
"Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou." (pág.15)
"Sertão. Sabe o senhor: sertão é onde o pensamento da gente se forma mais forte do que o poder do lugar. Viver é muito perigoso..." (pág.17)
"Mas, o senhor sério tenciona devassar a raso este mar de territórios, para sortimento de conferir o que existe? Tem seus motivos. Agora – digo por mim – o senhor vem, veio tarde. Tempos foram, os costumes demudaram. Quase que, de legítimo leal, pouco sobra, nem não sobra mais nada." (pág.17)
"Sempre, nos gerais, é a pobreza, à tristeza. Uma tristeza que até alegra..." (pág.17)
"Os lugares sempre estão aí em si, para confirmar." (pág.19)
"Sertão: estes seus vazios. O senhor vá. Alguma coisa, ainda encontra. Vaqueiros..."(pág.22)
"Eu atravesso as coisas – e no meio da travessia não vejo! – só estava era entretido na idéia dos lugares de saída e de chegada. ... Viver nem não é muito perigoso?" (pág.26)
"Mas ciúme é mais custoso de se sopitar do que o amor. Coração da gente – o escuro, escuros." (pág.26)
"Mire veja: o que é ruim, dentro da gente, a gente perverte sempre por arredar mais de si. Para isso é que o muito se fala?" (pág.29)
"... – o senhor vá ver. Hoje, mudou de nome, mudaram. Todos os nomes eles vão alterando. ...Nome de lugar onde alguém já nasceu, devia de estar sagrado...."(pág.32)
"... Viver é muito perigoso." (pág.38)
"Olhe: Deus come escondido, e o diabo sai por toda parte lambendo o prato..." (pág.44)
"Vereda em vereda, como os buritis ensinam, a gente varava para após."(pág.45)
"No sertão, até enterro simples é festa." (pág.46)
"A colheita é comum, mas o capinar é sozinho." (pág.46)
"... O estatuto de misérias e enfermidades...." (pág. 47)
"... Deus existe mesmo quando não há. Mas o demônio não precisa de existir para haver- ..." (pág.48)
"O sertão é do tamanho do mundo." (pág.60)
"Tem horas em que penso que a gente carecia, de repente, de acordar de alguma espécie de encanto." (pág.69)
"As pessoas, e as coisas, não são de verdade! E de que é que, a miúde, a gente adverte incertas saudades? Será que, nós todos, as nossas almas já vendemos?" (pág.82)
"O que vale, são outras coisas. A lembrança da vida da gente se guarda em trechos diversos, cada um com seu signo e sentimento, uns com os outros acho que nem não misturam..." (pág.82)
“Tem horas antigas que ficaram muito mais perto da gente do que outras, de recente data. O senhor mesmo sabe." (pág.82)
"Sertão é o penal, criminal. Sertão é onde homem tem de ter a dura nuca e mão quadrada..." (pág.92)
"O que ele queria era botar na cabeça, duma vez o que os livros dão e não." (pág.109)
"O real roda e põe adiante. - 'Essas são as horas da gente. As outras, de todo tempo, são as horas de todo.” (pág.118)
"Sempre que se começa a ter amor a alguém, no ramerrão, o amor pega e cresce é porque, de certo jeito, a gente quer que isso seja, e vai, na idéia, querendo e ajudando, mas quando é destino dado, maior que o miúdo, a gente ama inteiriço fatal, carecendo de querer, e é um só facear com as surpresas. Amor desse, cresce primeiro; brota é depois." (pág.118)
"Sozinho sou, sendo, de sozinho careço, sempre nas estreitas horas – isso procuro." (pág.131)
"...digo. Esta vida está cheia de ocultos caminhos. Se o senhor souber, sabe; não sabendo, não me entenderá."(pág.132)
"...Sertão é isto o senhor sabe: tudo incerto, tudo certo."(pág.134)
"Artes que morte e amor têm paragens demarcadas. No escuro..." (pág.135)
"Amigo era o braço, e o aço! Amigo? Aí foi isso que eu entendi? Ah, não; amigo, para mim, é diferente. Não é um ajuste de um dar serviço ao outro, e receber, e saírem por este mundo, barganhando ajudas, ainda que sendo com o fazer a injustiça aos demais. Amigo, para mim, é só isto: é a pessoa com quem a gente gosta de conversar, do igual o igual, desarmado. O de que um tira prazer de estar próximo. Só isto, quase; e os todos sacrifícios. Ou – amigo – é que a gente seja, mas sem precisar de saber o por que é que é." (pág.155)
"Mas a natureza da gente é muito segundas-e – sábados. Tem dia e tem noite, versáveis, em amizade de amor." (pág.155)
"Só é possível o que em homem se vê, o que por homem passa." (pág.156)
"...Senhor sabe: de bel-ver, bel-fazer e bel-amar." (pág.167)
“Vou para os Gerais! Vou para os Gerais!” (pág.180)
"Vou longe. Se o senhor já viu disso, sabe: se não sabe, como vai saber? São coisas que não cabem em fazer idéia." (pág.183)
"Que era: que a gente carece de fingir às vezes que raiva tem, mas raiva mesmo nunca se deve de tolerar de ter. Porque, quando se curte raiva de alguém, é a mesma coisa que se autorizar que essa própria pessoa passe durante o tempo governando a idéia e o sentir da gente; o que isso era falta de soberania, e farta bobice, e fato é." (pág.207)
"Do vento. Do vento que vinha, rodopiado, Redemoinho: senhor sabe – a briga de ventos. Quando um esbarra com outro, e se enrolam, o doido do espetáculo." (pág.213)
"A fantasia, minha agora, nesta conversa – o senhor me atalhe. Se não, o senhor me diga: preto é preto? branco é branco? Ou: quando é que a velhice começa, surgindo de dentro da mocidade." (pág.214)
– “Adianta querer saber muita coisa? O senhor sabia, lá para cima – me disseram. Mas, de repente, chegou neste sertão, viu tudo diverso diferente, o que nunca tinha visto. Sabença aprendida não adiantou para nada...” (pág.226)
– “O senhor veio querendo desnortear, desencaminhar os sertanejos de seu costume velho de lei...”
– “Velho é, o que já está de si desencaminhado. O velho valeu enquanto foi novo...”
– “Velho é, o que já está de si desencaminhado. O velho valeu enquanto foi novo...”
– “O senhor não é do sertão. Não é da terra...” (pág.227)
"Ah, este Norte em remanência: progresso forte, fartura para todos, a alegria nacional!...
A gente tem de sair do sertão! Mas só se sai do sertão é tomando conta dele a dentro..." (pág.243)
"Sertão sempre. Sertão é isto: o senhor empurra para trás, mas de repente ele volta a rodear o senhor dos lados. Sertão é quando menos se espera: digo." (pág.249)
"O senhor vê, nos Gerais longe: nuns lugares, encostando o ouvido no chão, se escuta barulho de fortes águas, que vão rolando debaixo da terra. O senhor dorme em sobre um rio?" (pág.255)
"... Sertão é o sozinho... Sertão: é dentro da Gente." (pág.270)
"Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende." (pág.271)
"Só se pode viver perto de outro, e conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a gente tem amor." (pág.272)
"Tudo o que já foi, é o começo do que vai vir, toda a hora a gente está num compito."(pág.273)
"O sertão tem medo de tudo. Mas eu hoje em dia acho que Deus é alegria e coragem – que Ele é bondade adiante, quero dizer. O senhor escute o buritizal. E meu coração vem comigo." (pág.273)
"Esses Gerais em serras planas, beleza por ser tudo tão grande, repondo a gente pequenino." (pág.276)
"O grande-sertão é a forte arma. Deus é um gatilho?" (pág.300)
"O Sertão é sem lugar." (pág.310)
"Catrumanos do sertão. Do fundo do sertão. O sertão: o senhor sabe..." (pág.343)
"Sertão, - se diz -, o senhor querendo procurar, nunca não encontra. De repente, por si, quando a gente não espera, o sertão vem." (pág.355)
“Vivendo, se aprende; mas o que se aprende, mais, é só a fazer outras maiores perguntas" (pág.363)
"O rio não quer ir a nenhuma parte, ele quer é chegar a ser mais grosso, mais fundo."(pág.382)
“O sertão é bom. Tudo aqui é perdido, tudo aqui é achado...” – ele seo Ornelas dizia. – “O sertão é confusão em grande demasiado sossego...” (pág.400)
“Oxalá, o senhor via, o senhor venha... O sertão carece ... Isto consoante que quiser, a esta casa Deus o traga...” (pág.401)
"Pouco se vive, e muito se vê... – Um outro pode ser a gente; mas a gente não pode ser um outro, nem convém..." (pág.405)
"Sempre sei, realmente. Só o que eu quis, todo o tempo, o que eu pelejei para achar, era uma coisa só - a inteira - cujo significado e vislumbrado dela eu vejo que sempre tive. A que era: que existe uma receita, a norma dum caminho certo, estreito, de cada uma pessoa viver - e essa pauta cada um tem - mas a gente mesmo, no comum, não sabe encontrar; como é que, sozinho, por si, alguém ia poder encontrar e saber?" (pág.427)
"...O sertão aceita todos os nomes: aqui é o Gerais, lá é o Chapadão, lá acolá é a caatinga..." (pág.432)
"O sertão não tem janelas nem portas. E a regra é assim: ou o senhor bendito governa o sertão, ou o sertão maldito vos governa... Aquilo eu repeli?" (pág.437)
"Travessia – do sertão – a toda travessia... Sertão foi feito é para ser sempre assim: alegrias!" (pág.443)
"... Só que o sertão é grande ocultado demais..." (pág.446)
- “Sertão não é malino nem caridoso, mano oh mano!: - ... ele tira ou dá, ou agrada ou amarga, ao senhor, conforme o senhor mesmo.” (pág.460)
"O sertão não chama ninguém às claras; mais, porém, se esconde e acena. Mas o sertão de repente se estremece, debaixo da gente..." (pág.461)
"... Travessia perigosa, mas é a da vida. Sertão que se alteia e se abaixa. Mas que as curvas dos campos estendem sempre para mais longe. Ali envelhece vento. E os brabos bichos, do fundo dele..." (pág.479)
"Sei o grande sertão? Sertão: quem sabe dele é urubu, gavião, gaivota, esses pássaros: eles estão sempre no alto, apalpando ares com pendurado pé, com o olhar remedindo a alegria e as misérias todas..." (pág.508).
"Sertanejos, mire e veja: o sertão é uma espera enorme."(pág.509)
"O sertão me produz, depois me engoliu, depois me cuspiu do quente da boca..." (pág.518)
- “Tu não acha que todo o mundo é doido? Que um só deixa de doido ser é em horas de sentir a completa coragem ou o amor? Ou em horas em que consegue rezar?” (pág.520)
"O senhor vê aonde é o sertão? Beira dele, meio dele?... Tudo sai mesmo de escuros buracos, tirando o que vem do céu." (pág.527)
"Nonada. O diabo não há! É o que eu digo, se for... Existe é homem humano. Travessia." (pág.538)
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