domingo, 8 de setembro de 2013

MANIFESTAÇÕES DO BRASIL UMA ANÁLISE

As últimas manifestações políticas no Brasil: vamos conseguir?

Manifestações são necessárias para a construção da vida política de um povo. As manifestações políticas no Brasil desprezam a participação dos partidos políticos, uma vez que estes estão diretamente envolvidos na maior parte dos escândalos que gera manifestação pública.

 




Alguns acontecimentos têm mobilizado a sociedade para revelar seu descontentamento através de manifestações
Alguns acontecimentos têm mobilizado a sociedade para revelar seu descontentamento através de manifestações
O poder de mobilização viabilizado pelas redes sociais na internet é uma tendência mundial. Apenas como exemplo, temos as manifestações políticas articuladas desde o final de 2010 – então chamadas de Primavera Árabe. Como se sabe, a organização e a manifestação da sociedade civil são fundamentais para a construção de uma vida política ativa de um país, de um povo, e dessa forma, têm promovido transformações consideráveis como a queda de ditadores. No Brasil, atualmente, a despeito de não vivermos as mesmas condições políticas que esses países do Oriente, deparamo-nos constantemente com casos de corrupção e de má gestão da coisa pública. Tais acontecimentos também têm mobilizado a sociedade para revelar seu descontentamento através de manifestações.
Mas qual a diferença entre as manifestações da Primavera Árabe e as que ocorrem na sociedade brasileira? A intensidade. A exemplo do que ocorreu no Egito, o que se tem é um movimento que ganha as ruas de forma intensa, dias a fio, até mesmo com enfrentamentos contra o Estado, representado em suas forças policiais. No Brasil, porém, muito se limita ao âmbito da internet e das manifestações com dia e hora marcada, como se viu no último feriado de 07 de Setembro, dia de comemoração da Independência Nacional.
Além disso, outra questão muito curiosa pode suscitar um debate acerca da natureza dessas manifestações brasileiras. Seus organizadores expressam claramente o repúdio à participação de partidos políticos, admitindo apenas – como se viu em setembro de 2011 – organizações e instituições como a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e a ABI (Associação Brasileira de Imprensa). Mas seria possível promover mudanças na política nacional sem os próprios mecanismos inerentes à democracia? Logo, tomando como base a fala dos que diziam que os partidos políticos deveriam ficar fora dessa manifestação, não estaríamos diante de uma contradição? Até que ponto essas manifestações – como as que ocorreram no Brasil em 2011 – efetivamente surtem resultado? Maurice Duverge, em seu livro Os Partidos Políticos (1980), já fazia esta mesma indagação aqui colocada: “Seria, no entanto, satisfatório um regime sem partidos? Eis a verdadeira questão [...]. Seria a liberdade melhor preservada se o Governo tivesse ante si, apenas, indivíduos esparsos, não coligados em formações políticas?” (DUVERGER, 1980, p.456).
Na verdade, tal autor colocava essa pergunta para reafirmar seu argumento a favor da existência dos partidos. Tomando os preceitos clássicos da Ciência Política, sabemos que partidos políticos seriam os responsáveis pela viabilização dessa participação social, servindo como canais entre o Estado constituído e a Sociedade Civil. Também segundo esse autor (1980, p. 459), “historicamente, os partidos nasceram quando as massas populares começaram a entrar, realmente, na vida política [...]. Os partidos são sempre mais desenvolvidos à esquerda que à direita. Suprimi-los seria, para a direita, um meio admirável de paralisar a esquerda”. Em linhas gerais, o autor sugere que a supressão dos partidos poderia fortalecer os interesses das elites (segundo a citação, a direita), de uma oligarquia, uma vez que os partidos garantiriam minimamente – pelo menos em tese – um equilíbrio no pleito político entre classes e grupos que compõem a sociedade. Considerando que vivemos numa democracia indireta (na qual elegemos nossos representantes para assumirem os cargos públicos e assim não participamos diretamente da discussão sobre as leis, por exemplo), os partidos tornam-se fundamentais.
Mas, no Brasil, a descrença e a falta de confiança nas instituições democráticas seriam a base do argumento que rechaça a participação de partidos políticos em manifestações mais recentes na história nacional. Ainda conforme Duverger, “a democracia não está ameaçada pelo regime dos partidos, mas pelo rumo contemporâneo das suas estruturas internas” (ibidem, p. 459), as quais muitas vezes estão comprometidas com interesses alheios aos dos militantes ou da própria população. Tais estruturas estão comprometidas apenas com aquilo que diz respeito aos planos de uma elite dirigente desses mesmos partidos. Diante dessa constatação, embora o livro citado seja uma obra da década de 1950, ainda guarda certa atualidade. Portanto, esse desvirtuamento das funções dos partidos e das funções de seus representantes que ocupam cargos públicos (deputados, senadores, entre outros) seria o motivo pelo qual o brasileiro e a sociedade em geral teriam perdido sua confiança.
Contudo, tentando-se aqui promover um olhar mais crítico acerca dessas manifestações, se por um lado é inegável a importância da mobilização da sociedade, por outro, sua permanência, intensidade e articulação (para que por meio de partidos suas reivindicações sejam discutidas em plenário) são aspectos fundamentais. Mesmo uma situação de revolução social requer um grau de maior organização e militância política que vai além de rompantes de indignação e revolta, isto é, mesmo a mudança radical de um regime só pode ser fruto de um processo articulado, coeso, efetivo, como se viu em países como o Egito e a Líbia. Não se pode negar a importância das redes sociais para a finalidade política, nem tão pouco da realidade de reprovação da sociedade brasileira com tantos escândalos nas mais diferentes esferas e instituições do Poder Público. Porém, daí a pensar que tais manifestações esporádicas possuem peso para promover mudanças radicais na política talvez seja um pouco arriscado, ainda mais quando se esvaziam da possibilidade da participação de partidos políticos. Se por um lado esses são sinais de mudança em relação ao comportamento político do cidadão brasileiro, pelo outro, infelizmente, ainda prevalece o cenário de apatia política generalizada.
É preciso dizer que a opinião pública e as organizações por meio de novos veículos de comunicação têm sim um peso fundamental em uma democracia, mas deve-se lançar mão das instituições democráticas para se alcançar mudanças legítimas e eficazes. Basta pensar na forma como a lei da “Ficha limpa” teve origem por meio da reivindicação de uma organização não governamental, mas apenas ganhou efetividade após ser adotada e defendida como proposta por representantes legítimos no regime democrático. Assim, dizer que os partidos políticos não servem para a política é algo tão problemático quanto propor o fim do congresso ou do senado brasileiros por conta de seus históricos marcados por casos de corrupção.
Não se trata de jogar no lixo conquistas históricas para a sociedade brasileira, mas sim repensar o seu comportamento e engajamento políticos quando das eleições. Analisar o candidato, o partido, assim como acompanhar seu trabalho frente ao cargo ao qual foi designado é fundamental; acompanhamento que, ao comprovar a incompetência do parlamentar, certamente contribuirá para que ele não seja novamente eleito. Logo, algumas dessas conquistas, como a possibilidade da existência dos partidos e do parlamento, foram o resultado da luta organizada de outras gerações. A liberdade política e a possibilidade da organização em partidos são frutos de muita luta e reivindicação sociais, encabeçados por personagens (até mesmo anônimos) que enfrentaram a ditadura, a tortura, a prisão e o exílio. Assim, não poder (ou não querer) contar com os partidos como mecanismos de discussão e mudança política é algo negativo para a própria democracia em nossos tempos, uma vez que esses instrumentos são partes integrantes do regime democrático. Da mesma forma, qualquer manifestação não articulada e sem a intensidade necessária, que possa se diluir no meio do caminho, apenas cria expectativas que talvez estejam mais próximas da frustração do que da realidade.

Paulo Silvino Ribeiro
Colaborador Brasil Escola
Bacharel em Ciências Sociais pela UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas
Mestre em Sociologia pela UNESP - Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho"
Doutorando em Sociologia pela UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas

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